Serra da Moeda: Municípios não contêm queimadas e fogo destrói unidades de conservação

Serra da Moeda: Municípios não contêm queimadas e fogo destrói unidades de conservação

Na serra dos Mascates, Belo Vale, o fogo iniciou-se no Calundú, e rompeu-se pelo Sítio Arqueológico Ruínas das Casas Velhas.

A política ambiental do governo de Bolsonaro é negacionista e desconstrói o equilíbrio dos biomas e unidades de conservação em todo o país.

O Brasil enfrenta uma série de conflitos ambientais, que provocam discussões nada produtivas, para avançar com a qualidade de vida e equilíbrio do ambiente limpo.  Os conflitos passam pelo desrespeito às normas que regulam a legislação ambiental, e pelo uso de estratégias ilegais para desconstruir os avanços e garantias conquistadas. A expansão das “queimadas” em 2020, desmatamentos, garimpos ilegais, invasão de áreas indígenas, contrabando de madeiras, desconstrução de conselhos representativos e câmaras ambientais são fatores que moldam a postura do presidente Bolsonaro e do ministro do meio ambiente Ricardo Salles. O governo contraria cientistas, ambientalistas, nega dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), além de exercer relação não cordial com a imprensa e organizações mundiais.

O presidente Bolsonaro, em seu discurso de abertura na 75ª Sessão da ONU, em setembro, afirmou: “Somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.”Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsáveis oficiais pelo controle ambiental no país, confirmam que o desmatamento na Amazônia e no Pantanal atingiram índices dos mais elevados, em 2020. O Código Ambiental de proteção à biodiversidade proíbe o uso de fogo e a prática de qualquer ato ou omissão, que possam ocasionar incêndio florestal.

Em audiência pública no Superior Tribunal Federal (STF), em setembro, Salles foi cobrado pelo atraso de repasse de R$ 581 milhões retidos no Fundo Clima, desde 2019. Os recursos deveriam ter sido aplicados em ações para o combate às mudanças climáticas. O reflexo dessa política antiambiental, com tendências a beneficiar corporações e grandes empresas, resulta em danos irreversíveis em biomas preciosos: pantanal, cerrado, amazonas, mata atlântica e, unidades de conservação em todos os cantos do país. Além das queimadas, as conseqüências são desgastantes para a vida de povos de comunidades tradicionais, indígenas, flora, além da interferência na fauna com mortes e traumas de animais.

Chamas arderam por cinco dias em Moeda e Belo Vale

As chamas dessas controvérsias alastraram-se por todo o país, e chegaram até importantes biomas e unidades de conservação da serra da Moeda, reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – como Reserva da Biosfera. Especialmente em Moeda e Belo Vale o fogo ardeu por cinco dias, deixando um rastro de destruição na paisagem e sítios arqueológicos, pondo em risco dezenas de nascentes que são fontes de abastecimento dos rios Paraopeba e das Velhas. O Instituto Estadual de Florestas (IEF) diz que a área queimada foi de 4.200 hectares (ha), sendo 1.000 ha no interior do Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda e 3.200 ha na zona de amortecimento da área de preservação. O órgão dispõe do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Previncêndio), responsável pelas ações de prevenção, controle e combate aos incêndios florestais em 93 unidades de conservação de Minas Gerais.

Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda (MONA)

Criado em 2010, o MONA integra o Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte – SAP Vetor Sul, em Moeda e Itabirito, com área de 2.372,5572 ha.

Ambientalistas e moradores das encostas da serra em Moeda articularam-se bravamente, para que o fogo não avançasse por outras áreas protegidas do município e atingisse residências. Naquele momento, eles comemoravam duas vitórias recentes contra a Gerdau S/A – arquivamento provisório do PL 1822/2020 que tramitava na ALMG e alteraria os limites do Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda (MONA), conferindo à empresa expansão da Mina Várzea do Lopes em área protegida, e uma liminar expedida por Juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Belo Horizonte, suspendendo a eficácia da votação da 60ª reunião do Conselho estadual de Política Ambiental (COPAM) que autorizou Certificado LIC+LO no. 006/2020, licença ambiental para a Gerdau operar sua expansão. Embora, antes mesmo de obter essa licença em maio desse ano, a Gerdau já havia invadido o MONA. Para a tristeza dos ambientalistas, áreas de proteção em Moeda sofreram impactos danosos com o incêndio.  

Serra dos Mascates: confrontos entre preservação e exploração

Município minerador por tradição, a economia de Belo Vale predomina-se na mineração de ferro, sendo o terceiro no ranking da região do Alto Paraopeba. O orçamento previsto para 2021 é de R$ 85 milhões, sendo 80% dessa receita provenientes dos impostos da mineração. Na serra dos Mascates, mineradoras como Vale S/A e CSN protagonizam uma paisagem assombrosa. Em meio a esse cenário há muita Vida: abundância hidrológica, formações geológicas com escarpas, paredões, campos de canga, fauna.  E duas unidades de conservação em região inserida no bioma mata atlântica, em uma zona de transição com o bioma cerrado, que foram bastante atingidas pelas queimadas. O Conjunto Arqueológico e Paisagístico das Ruínas das Casas Velhas e Calçada de Pedras, com área de 37,8 hectares, tombado pelo município, conjuga os dois patrimônios do século XVIII, em área de propriedade e gestão da VALE Mineração.

A outra, Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN Casas Velhas, com 68,77 hectares, situada na Fazenda das Casas Velhas, também de propriedade e gestão da Vale S/A. A criação dessa RPPN deu-se através de um termo de acordo judicial, por uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual e APHAA-Belo Vale, contra a Vale S/A. Em 2004, a empresa desmatou 70 hectares para instalar uma Pilha de Estéril – PDE Marés II e uma barragem de contenção de sólidos, no entorno das unidades de conservação. As Barragens Marés I e II, classificadas no nível de alerta 1, pela Agência Nacional de Mineração (ANM), estão interditadas por não possuírem o certificado de estabilidade.

A prática de trilhas com motos é preocupante nos Mascates

O engenheiro ambientalista Marcos Virgílio Ferreira de Rezende foi apurar o resultado das queimadas na serra dos Mascates e relatou o que vivenciou. – O fogo chegou pelo extremo nordeste do município, região menos povoada, nas localidades rurais de Carazal, Canavial e Calundú, região de manancial da COPASA.  No local queimou-se, além da vegetação nativa, plantações e pastagens, atingindo o topo da mata da Fazenda Boa Esperança. Seguiu queimando pela região de Calçada de Pedras, Água Fria e Santa Fé, manancial de captação de água da Boa Morte. Atingiu vegetação dos biomas Cerrado (Campos de Altitude, Campos Ferruginosos, Campo Cerrado) e Mata Atlântica (Matas de Galeria que margeiam nascentes e cursos d’água). Ainda, queimou a região de Marés próxima ao sitio arqueológico, e a cachoeira da serra, onde foi debelado por bombeiros, brigadistas da Amda e moradores voluntários. Marcos Virgílio alerta para a prática de trilhas com motos, como a única atividade impactante no Sítio Arqueológico.

Dois dias depois de debeladas as chamas, o pesquisador João Luis Lobo fez um reconhecimento da área e registrou uma paisagem sórdida na serra dos Mascates.

Pesquisador relata perdas de espécies raras

Segundo o pesquisador em Direito Ambiental João Luis Lobo, Belo Vale possui uma natureza extremamente singular e importante, para além dos cerrados que compõem suas paisagens nas partes baixas: os Campos Rupestres que ocorrem nos topos dos morros são verdadeiras joias de imensa riqueza. Esse tipo de formação que ocupa menos de 1% do território brasileiro é lar de 15% de todas as espécies de plantas existentes no Brasil, um número que coloca os Campos Rupestres numa condição de maior biodiversidade, se comparado até com grandes florestas como a Mata Atlântica e Amazônia.

Há espécies que provavelmente só existam nas serras de Belo Vale, a exemplo de sempre-vivas descritas antes de a mineração tomar conta da paisagem. A falta dessa proteção tão essencial e urgente do local gera situações como a que presenciei: campos incendiados que nos remetem às paisagens marcianas. Muitas espécies raras de plantas e animais que correm risco de desaparecer por completo foram destruídas pelo fogo, junto à paisagem que compõe esses sítios arqueológicos que contam a história de Minas Gerais; afirmou o advogado João Lobo.  

É fundamental que somemos esforços pela qualidade de vida e a saúde ambiental, evitando que ações humanas transformem a biodiversidade em cinzas.

Há que se ter rigor, disposição e planos eficientes para manter o controle e proteção das unidades de conservação (UC). Evitar que a cada ano o fato se repita, com as mesmas justificativas dos gestores dessas unidades. O resultado mostra que os municípios não priorizam as queimadas como fator de políticas públicas, e não estão estruturados para enfrentar os desmatamentos. O Poder Público e as empresas gestoras das unidades de conservação não fiscalizam e nem aplicam um Plano de Ação para Prevenção e Controle convincente.  Mesmo assim, o governo mineiro informa que vem reforçando os efetivos para conter os incêndios, bem como a contratação de brigadistas para o apoio na contenção das queimadas, que acontecem nessa época do ano. O Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais afirma que ações humanas como o vandalismo, queimadas ilegais e fogueiras estão por trás da maioria dos incêndios florestais no Brasil. São necessárias ações contínuas de educação da população para a prevenção de incêndios.

Texto: Tarcísio Martins, jornalista e ambientalista

Fotografias: João Luis Lobo, Marcos Virgílio F. Rezende, Weliton Augusto (Kebu) e Tarcísio Martins.  

Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Vale e VALE S/A não responderam à solicitação de nossa reportagem.

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