24 de abril de 2024 02:52

Distrito de Lobo Leite

Caro leitor,

O relato de hoje nos revela a formação e a importância de um dos distritos mais antigos da região de Congonhas: o Distrito de Lobo Leite – que inicialmente se chamava Soledade.

Região importante do caminho velho da Estrada Real e local de grande exploração aurífera entre os séculos XVIII e XIX. Local também que foi escolhido em 1874 para receber os trilhos da Estrada de Ferro Dom Pedro II (rebatizada para E. F. Central do Brasil) e sua estação, inaugurada em 1886, atendia o Distrito de Congonhas do Campo e o de Ouro Branco.

O resgate histórico desse bucólico distrito nos faz refletir sobre a sua importância nos dias de hoje, cercado pelo progresso com as atividades minerarias e também com a imponente usina siderúrgica Arthur Bernardes, mais conhecida como Gerdau/Açominas.

Boa leitura!

Século XVII:

O surgimento do povoado tem data provável anterior a 1690, pois, com o descobrimento oficial das Minas em 1693 por Antônio Rodrigues de Arzão e depois pelos irmãos Manuel de Camargos e Sebastião de Camargos, já havia na região um movimento de desbravadores e aventureiros em busca do metal precioso a mando da Coroa Portuguesa.

Seu primeiro nome foi Soledade. Com a construção da capela devotada à Nossa Senhora da Soledade em meados do século XVIII, o povoado se desenvolveu ao seu redor absorvendo assim o mesmo nome.

Século XVIII:

O Padre João Antônio Andreoni (que usava o codinome de André João Antonil) visitou as Minas entre 1704 e 1706 e faz citações em suas anotações das roças das Congonhas próximo a Soledade evidenciando que o povoado já estava instalado.

Nesse mesmo período são encontradas as primeiras lavras de ouro no ribeirão Soledade e córregos próximos. Os primeiros habitantes do lugarejo são os indígenas da tribo Carijós (índios mestiços), os desclassificados ou aventureiros e os ciganos que já estavam instalados próximo ao povoado de Santo Antônio do Ouro Branco.

Ainda na primeira década do século XVIII é construída uma capelinha dedicada à Nossa Senhora da Soledade conforme a tradição católica portuguesa. Próximo à capela teria sido edificado um pequeno posto de apoio e controle do caminho velho real, embora não tenhamos conseguido ainda documentos que comprovem tal construção.

Por volta de 1750 chegam à região de Soledade o patriarca da família Monteiro de Barros e membros da família Lobo Leite, ambos de origem portuguesa, que passam a controlar e a ampliar as explorações auríferas na região entre Soledade e Congonhas do Campo.

Durante as explorações auríferas na capitania de Minas Gerais no século XVIII foi criado o cargo de confiança do Rei português denominado Guarda-Mor – fiscal e responsável pelo bom andamento dos trabalhos de mineração além de possuir informações e posições privilegiadas sobre as localidades auríferas e detentor e diversas lavras.

A família mais influente a chegar a Soledade nesse período e alguns de seus membros ocupou cargos associados à exploração aurífera. Um dos mais antigos precursores da família Lobo Leite em Soledade foi o Tenente Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira, amigo de Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes, e que foi envolvido com a Inconfidência Mineira e curiosamente nomeado em 1793 para o cargo de Capitão-Mor, no lugar do Pai do também inconfidente José Álvares Maciel, que era morador das redondezas de Soledade, em São Julião dos Caldeirões – atual distrito ouro-pretano de Miguel Burnier.

O Tenente Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira era ainda parente em 3º grau de outro inconfidente, o Capitão Maximiano de Oliveira Leite, poderoso Guarda-Mor de Mariana. Vale destacar que um dos mentores intelectuais da Inconfidência Mineira nasceu próximo (na Fazenda do “Guido”) e foi batizado em Soledade – o Cônego Luís Vieira da Silva.

A abrangência das propriedades e explorações da família Lobo Leite Pereira foi adquirida em áreas distintas, mas por vezes contíguas aos Monteiro de Barros. O Tenente José Lobo Leite Pereira (que viria a ser avô de Francisco Lobo Leite Pereira) possuiu lavras e terras na contraencosta do Morro de Santo Antônio, na face voltada para o norte, assim como terras e lavras no Distrito do Redondo (atual distrito do Alto Maranhão), ao sul de Congonhas. Mas as grandes propriedades da família Lobo Leite Pereira foram adquiridas no final do século XVIII em Soledade, terras que hoje estão tanto no município de Congonhas como em Ouro Preto

Século XIX:

Apesar de não poder ser localizada com certeza, é possível que o “Morro em Minas” – também conhecido como “Sande”, onde explorava ouro o Capitão-Mor Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira e proprietário da empresa de mineração Pereira & Cia, seja nas cabeceiras dos afluentes do rio Macaquinhos ou nas cabeceiras dos afluentes do próprio rio Soledade.

Nesse início de século XIX o Capitão-Mor Antônio Agostinho Lobo Leite Pereira tinha constituído, com seus sócios, um plantel de 32 escravos que conseguiam retirar 400 oitavas de suas galerias e grupiaras no morro.

Outro proprietário de lavras na região de Soledade era Matheus Herculano Pereira Lobo, da mesma família e importante figura política mineira, cujas terras faziam divisas tanto com o povoado de Soledade como outras propriedades, entre elas a de Dona Florinda de Mesquita, irmã do Marquês de Bonfim, este nascido em Congonhas do Campo, José Francisco de Mesquita. As propriedades de Dona Florinda de Mesquita e de seu irmão, José Francisco de Mesquita foram posteriormente compradas por Washington Rodrigues Pereira, proprietário de terras e Juiz em Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), irmão de Lafaiete Rodrigues Pereira, o Conselheiro Lafaiete, todos dois filhos do Coronel Antônio Rodrigues Pereira e de Clara Lima Rodrigues, Barão e Baronesa de Pouso Alegre, respectivamente.

Após a segunda metade da década de 1820 a produção aurífera na região entrou em declínio total e os grandes proprietários de terras modificaram suas atividades ou venderam suas propriedades se transferindo para outras regiões de Minas Gerais ou outros Estados.

Em 17 de março de 1836 através da promulgação da lei estadual nº 45 o Distrito de Soledade passa a ser incorporado ao Distrito de Congonhas do Campo sendo ambos pertencentes ao município de Ouro Preto.

A partir de 1884 iniciam-se os trabalhos para a construção do ramal férreo entre Queluz (Conselheiro Lafaiete) a Ouro Preto passando por Soledade. A Estrada de Ferro Dom Pedro II inaugurou em 25/08/1886 a estação com o nome de Soledade. Mais tarde, passou a se chamar Congonhas, pelo fato de estar neste município. O nome de Lobo Leite foi dado à estação em 1907 (Diário Oficial de 28/08/1907) e homenageou o chefe de prolongamento da estrada em 1884, Engenheiro Francisco Lobo Leite Pereira, um dos representantes mais ilustres da família (1843-1920).

No final do século XIX o distrito de Soledade teve sua confirmação feita através da lei estadual nº 2, de 14 de setembro de 1891 como pertencente ao distrito de Congonhas do Campo. O distrito de Soledade teve seu nome alterado posteriormente para Felipe dos Santos. Mediante a lei estadual nº 921, de 24 de dezembro de 1926, começou a se chamar Lobo Leite, denominação que prevalece desde então. Pelo decreto lei nº 148, de 17 de dezembro de 1938, passou a pertencer a Congonhas, com a emancipação do município.

Século XX:

Outro personagem ilustre da família Lobo Leite Pereira que merece destaque é o médico Álvaro Lobo Leite Pereira, filho de Francisco Lobo Leite Pereira, integrante da equipe do Instituto Osvaldo Cruz e que mostrou a necessidade de incluir o iodo no sal como complemento alimentar da população brasileira.

A família Lobo Leite Pereira deixou ainda outro legado no distrito com a construção, no início da década de 1920, da usina de Força & Luz no ribeirão Soledade dotando o povoado de energia elétrica própria, sendo a mesma somente substituída pela energia elétrica fornecida pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) em 1958.

Apesar de outrora os Lobo Leite Pereira terem possuído sesmarias, jazidas de ouro e ferro e da pedra-sabão no interior de Minas Gerais, não acumularam fortuna. O maior legado da família foi o conhecimento, por meio de juristas, médicos, políticos e diplomatas conforme demonstram documentos no Arquivo Nacional e outros ainda à espera do interesse e dos cuidados dos estudiosos que poderão neles revelar um passado ainda mais glorioso.

E em 1976, após uma antiga aspiração do então Governador de Minas Gerais Arthur Bernardes, tem início a construção da única usina siderúrgica no Vale do Paraopeba – a Usina Arthur Bernardes, atualmente conhecida como Gerdau/Açominas.

Inaugurada em 1986 pelo então Presidente da República José Sarney, o empreendimento trouxe desenvolvimento à região onde está instalada e ocupando 86,14% do território de Congonhas, forçando também o aumento da produção minerária em seu entorno.

O Distrito de Lobo Leite está no centro desse imenso complexo minerário/siderúrgico e conserva até hoje seu jeito pacato e bucólico.

Mapa da região do século XVIII:

Carta Cartográfica da Província de Minas Gerais – 1780

Acervo: Arquivo Público Mineiro – Belo Horizonte

* André Candreva

Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas

Referências bibliográficas:


BROTERO, Frederico de Barros, A família Monteiro de Barros, São Paulo, 1951

ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig Von, Jornal do Brasil, 1811-1817

FERRAND, Paul, O Ouro em Minas Gerais. Tradução Júlio Castanõn Guimarães. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998.

FILHO, João Dornas, O ouro das Gerais e a civilização da Capitania. Col. Brasiliana, Vol. 293, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957.

Outras fontes:


Arquivo Público Mineiro –

Site da Família Monteiro de Barros –

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