19 de abril de 2024 23:42

Garimpando – Uma rua encantada verdadeiramente encantada – 12

   Avelina Maria Noronha de Almeida

                                                      avelinaconselheirolafaiete@gmail.com

O SERVO DE DEUS

DÉCIMA SEGUNDA PARTE

– Eu até que gostava daquela vida tranquila… Admirava aquela gente que não

 tinha ambição, só trabalhava o necessário para sobreviver. Teodoro era feliz, cuidado por todas as mulheres da tribo.

Até que a minha vida era boa lá. Ia pescar com eles. Imagine vosmecê que pescavam com cipó timbó, o qual embebedava os peixes… Eu ajudava na plantação de mandioca, de batata-doce, de milho, na colheita de frutos…

            Ajudava o pajé quando ele saía para buscar ervas medicinais, que ele usava em seus rituais de cura. Foi assim eu aprendi muita coisa da maneira de curar.Mas um dia me dei conta de que meu filho estava sendo prejudicado em sua criação. Os puris são um povo bem primitivo. Vosmecê imagine só que eles fugiam do sol, porque achavam que fazia mal. Não sei se era por isso que eles tinham uma estatura tão pequena. Mas não foi só esse o motivo. Um puri de uma outra aldeia chegou um dia com uma notícia aterrorizante. Os homens brancos estavam levando maldosamente a peste das bexigas para as tabas dos puris. Era um modo fácil de acabar com eles. Pegavam roupas dos bexigosos e punham na lagoa que eles usavam.Se era verdade, eu não sabia, mas não podia me arriscar.

            – Olhe Moisés, eu já tinha ouvido falar uma coisa assim. Em uma taba tinam morrido todos os índios. Foi uma maldade! Que risco vocês correram… Mesmo que não tenham contaminado todas as tabas, poderiam ir na de vosmecês…

            – Eu até que gostava daquela vida tranquila… Admirava aquela gente que não tinha ambição, só trabalhava o necessário para sobreviver. Teodoro era feliz, cuidado por todas as mulheres da tribo. Estava ainda hesitante quando aconteceu um fato que me ajudou a resolver minha vida.

            Moisés levantou-se e foi olhar se estava tudo bem com a moça. Voltou e continuou sua narrativa:

            – Numa das minhas saídas para arraiais próximos, fiquei conhecendo um fazendeiro que morava no Redondo. Ele tinha ido tratar venda de mercadorias em Guarapiranga. No caminho, foi atacado por bandoleiros que lhe roubaram o dinheiro e o ouro que carregava. Bateram muito nele. Pensando que estava morto, deixaram o pobre coitado estirado no caminho. Eu ia passando e vi aquele corpo no chão. Pensei: “Vou dar para ele uma sepultura digna.”

            Quando fui pegar o homem, notei que ele estava respirando. Levei o pobre coitado para a taba. Foram vários dias em que o pajé cuidou dele. Eu, como sempre, observava tudo… e aprendia muita coisa. O desconhecido foi melhorando, retomou a consciência. Um dia contei-lhe as minhas preocupações e ele me disse: “Vosmecê vai comigo para minha fazenda quando eu já estiver aguentando a montar. Foi assim que cheguei a Redondo.

            Lá eu trabalhava de tudo que precisasse. Tornei-me o homem de confiança do fazendeiro.

            Teodorinho estava feliz. D. Emerenciana era toda carinhosa com ele. As escravas faziam de tudo para agradar o menino.

            – Um dia eu salvei da morte pelas bexigas um escravo da fazenda. Depois, um tropeiro que tinha ido levar carga para o Coronel José. Aí a fama correu e apareceu gente de fora me procurando. O patrão não se importava. Ele até se divertia com o movimento. Além de usar as ervas, que eu colhia pelas redondezas, eu também rezava umas orações que aprendi com o padre nos meus tempos de coroinha. Por causa disso, começaram a falar que eu era santo. Mas eu dizia: “Não sou santo, minha gente. Sou apenas um servo de Deus.” Começaram, então, a me chamar de Servo de Deus. Não houve jeito de mudar.

            Francisca gemeu. Correram os dois até o catre. Ela começava a voltar a si. Moisés olhou a mancha. Já tinha clareado e diminuído o seu diâmetro. Novo gemido. A moça tentou virar-se na cama. Depois, lentamente, abriu os olhos. O primeiro rosto que viu foi o de Moisés sorrindo para ela. Em seguida, viu Teodoro. Sentou-se no catre, bruscamente. Seu rosto era de total perplexidade, a mente ainda confusa pelo que passara.

            Os momentos seguintes foram de revelações. Impossível descrever a intensidade das emoções e reações daquelas três pessoas.Quando o momento emocional serenou, Francisca perceber que Teodoro não contara a Moisés a sua origem. Ela exigiu que o homem revelasse tudo ao filho.

            Depois de tudo esclarecido, estava reunida uma família.

            No mesmo dia, tomaram a direção de Queluz.

            Desviaram a rota e chegaram até o Redondo, porque Francisca e Teodoro não conseguiam conter a vontade de conhecer o rapazinho, ao qual prometeram buscar logo que fosse possível.

                                                                                                  (Continua)

 

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