18 de abril de 2024 19:49

Matriz teria funcionado como cápsula do tempo para ferramentas do Século 18

Padre Paulinho e o artista Lucioamar/Divulgação
Padre Paulinho e o artista Lucioamar/Divulgação

Uma descoberta em Congonhas pode colaborar no estudo da obra de um artista que goza de grande prestígio entre pesquisadores do Barroco Mineiro.  Uma verruma (instrumento de furação que lembra a pua) e dois malhos (ou macetes) que todos os indícios até agora levam a crer que pertenceram ao ateliê do entalhador português Francisco Vieira Servas (1720/1811) foram encontrados na Matriz de N. Sra. da Conceição, de Congonhas. As ferramentas estavam pouco acima do entablamento, dentro do Arco do Cruzeiro, que é atribuído ao artista do século 18. O restaurador Geraldo Eustáquio Mendes de Araújo, que atua pela empresa Cantaria Conservação e Restauro, na restauração dos elementos artísticos daquela Igreja, foi quem os encontrou. A Basílica do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, que se encontra também em processo de restauração através do PAC Cidades Históricas, é outro bem tombado que possui obras de Servas. A Prefeitura executa cinco dessas ações com recursos do Iphan/Minc e contrapartida dela.

Pesquisador, restaurador  e autor da monografia “Francisco Vieira Servas e Ofício da Escultura na Capitania das Minas do Ouro”, editada pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez, Adriano Ramos confirmou sua vinda a Congonhas para analisar as peças encontradas.

Servas atuou por muitos anos em diversas igrejas de Minas. Contemporâneo de Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), chegou a ganhar uma concorrência do grande mestre do Barroco para os altares da Igreja do Carmo, de Sabará. O artista deixou um legado, constituído por um valioso conjunto de retábulos e esculturas de alta qualidade artística, que se insere de forma significativa no cenário da arte religiosa mineira. Especializou-se em imaginária e ornatos, como anjos, santos, rocalhas  e elementos forais. A exemplo do Arco do Cruzeiro, o Altar Mor da Matriz de N. Sra. da Conceição é atribuído a Servas pelo mesmo especialista Adriano Ramos, que agora se propõe a analisar as peças encontradas.

capa-igrejaO restaurador Gerado Eustáquio removia o envelopamento do Arco do Cruzeiro quando encontrou, há três semanas, os dois malhos no entablamento do lado do Evangelho (à esquerda do expectador) e a verruma, dias antes, do lado da Epístola (à direita do expectador).  “Quando achei a verruma, peguei nela assim e me senti um entalhador do Século XVIII. Guardamos o material, chamamos o escultor Luciomar Sebastião de Jesus (profundo conhecedor de todo o acervo histórico presente nas igrejas da cidade e estudioso das obras dos artistas que nelas atuaram) e avisamos à Paróquia sobre o achado. Quando encontrei os malhos e me disseram que o Arco do Cruzeiro é atribuído a Servas, tive outras grandes emoções. A parte superior do Arco onde as peças foram encontradas não possuía o menor indício de violação. Antigamente se usava a verruma, o ferro de pua e o trado. Atualmente se usa furadeira elétrica”.

Segundo o escultor Luciomar, que também é diretor municipal de Patrimônio Histórico, “ o que nos leva a crer que as ferramentas possam ser atribuídas a Servas é que o local onde elas foram encontradas no Arco do Cruzeiro é um encaixotamento que nunca foi aberto. Os cravos estão no mesmo lugar, nunca foram removidos. O ensamblamento (a montagem) não apresenta sinais de violação. O Arco teria funcionado como uma cápsula do tempo”.

Ainda para Luciomar, “esta descoberta é importante porque nunca se ouviu falar que alguém tivesse encontrado uma ferramenta  que  tenha sido associada a um grande entalhador do século 18. Para Congonhas, estas ferramentas atrairão estudiosos e curiosos sobre o fazer artístico daquele período. Elas são testemunhas de um intrincado processo construtivo da época, que nos revela a técnica dos grandes Mestres”.

A restauração dos elementos artísticos acontece também na Igreja de N. Sra. do Rosário e na Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A requalificação da Alameda das Palmeiras e a construção do Parque Natural da Romaria são as outras duas das cinco ações do PAC Cidades Históricas, em andamento na cidade, com recursos do PAC Cidades Históricas e contrapartida da Prefeitura, que executa as obras.

Coordenador da requalificação dos elementos artísticos da Matriz pela empresa Cantaria Conservação e Restauro, Sérgio Norberto Costa Gonçalves lembra que esses objetos, provavelmente do século 18, permanecem intactos. “De certa forma, nos sentimos participando de um fato histórico. É a preservação do patrimônio material e do imaterial (que, neste caso, é o saber fazer artístico de quem utilizou estas ferramentas)”, atesta o restaurador.

Segundo Sérgio, descobertas como esta facilitam a compreensão do processo de construção. “A angulação das ferramentas, como é o caso do malho, permite maior destreza no movimento durante o fechamento do arco. Em cada experiência de restauração, precisamos entender qual foi a técnica de construção utilizada, para aprimorarmos a nossa”, explica.

Segundo o pároco da Matriz de N. Sra. da Conceição, padre Paulo Barbosa, “esta Igreja exerce a centralidade  religiosa da cidade. Tanto que até 1984 esta era a única Paróquia do Município. Atualmente temos outras duas: a Matriz de São José Operário, na Ladeira, e a Matriz de Nossa Senhora Mãe da Igreja, no Jardim Profeta. Estes instrumentos de trabalho encontrados devem ter cerca de 250 anos, porque estavam dentro do entablamento do Arco do Cruzeiro que nunca foi violado, segundo o restaurador Geraldo Eustáquio. Quase todo o turismo da cidade está centralizado na área do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos. Mas a implantação da sinalização turística, no ano passado, já desperta o interesse do turista para outros monumentos de Congonhas. A guardiã de todo o acervo cultural da Matriz e de tudo o que nele for encontrado é a Paróquia e a Arquidiocese de Mariana.  A ideia é manter os achados expostos em um local adequado na própria Paróquia. Esta descoberta, caso comprovada, trará grande visibilidade para a Matriz”.

Congonhas foi, em 2015, a primeira cidade brasileira a implantar a sinalização interpretativa, executada pela UNESCO e pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com o objetivo de nortear os turistas que chegam ao município, valorizando os aspectos de interesse cultural e turístico. A iniciativa fez parte do Projeto de Sinalização Turística, elaborado pela Prefeitura, que também contemplou a colocação de placas de sinalização viária vertical.

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