As Violas de Queluz e o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos…

A vocação musical dos mineiros e, principalmente, a prática de tocar violas é atestada em diversos registros, documentos e publicações já no século XVIII. Os viajantes que por aqui passaram nas primeiras décadas do século XIX como os franceses Auguste Saint Hilaire e Ferdinand Denis dão fartas referências sobre o cenário e costumes provincianos. Estes relatos nos mostram a importância da música no cotidiano da sociedade brasileira recém-liberta do julgo português.

As festas religiosas assim como as reuniões familiares, são os principais espaços para a prática musical popular na primeira metade do século XIX, onde se destacam a presença de violas e rabecas nas apresentações, configurando os principais instrumentos dessa época.

E um fator que contribuiu para isso foi a presença de músicos portugueses em território mineiro no século XVIII, que difundiu a tradição de fabricar a viola na região central de Minas Gerais, inspirada nas “violas toeiras”.

Pelo interior de nosso Estado as violas de cordas tornavam-se cada vez mais populares e instrumento de ofício para celebrações religiosas e festividades domésticas.

E um dos centros produtores de maior fama foi em Queluz (antiga Real Villa de Queluz), atual Conselheiro Lafaiete, região que até 1790 ainda pertencia a Vila de São José del Rei (Tiradentes).

Durante o curso de todo o século XIX Queluz chegou a ter cerca de quinze oficinas de instrumentos musicais. Oficinas essas que se estenderam por um longo período no século seguinte.

1955 – de autoria da revista Alterosa, edição de outubro de 1955, que veio a Congonhas fazer uma reportagem sobre o jubileu… e o fotógrafo captou o momento em que os violeiros faziam uma demonstração das Vilas de Queluz… algo emblemático e mítico da história da música mineira…

Possuindo doze cordas (três duplas e duas triplas), as violas de Queluz traziam elementos em sua composição que acabaram servindo de modelo aos produtores da época. A sua marchetaria adornava as violas ao esculpir artesanalmente formas e desenhos.

Seja símbolos ou desenhos de decantada beleza, a marchetaria tornou-se uma característica ímpar que os fabricantes desenvolveram e que ajudaram a consolidar a reputação de preciosidade artística dos instrumentos fabricados em Queluz.

A família portuguesa dos Meireles, que se estabeleceu como uma das mais antigas do território mineiro chegou a Queluz ainda no século XVIII e ali se estabeleceu. Seus membros tinham diversas habilidades como carpinteiros e marceneiros. Foram os primeiros na confecção e fabricação de violas em Queluz e um dos pioneiros foi Francisco Cândido de Meireles, que ficou conhecido como “Chico Meireles”.

Outro famoso fabricante foi o Ventura; José Meireles ou Juca Meireles como era conhecido.

Uma das particularidades dos Meireles, é que, com raras exceções, quase todos os homens são marceneiros, profissão esta que, ao lado do fabrico das violas, é transmitida de pai para filho.

Benjamim Cândido Meireles e seus filhos possuíam uma das melhores fábricas de Queluz (Conselheiro Lafaiete).

Entre os pertences da família Meireles estava uma caderneta datada entre 1916 a 1929 que contabilizava a produção de 958 violas nesse período. Um número realmente expressivo para o início do século XX.

Outro afamado fabricante da viola de Queluz foi José de Souza Dias que nasceu no ano de 1858 e devido a questões familiares, quando tinha 18 anos alterou, seu nome para José de Souza Salgado, ficando assim conhecido. Não se sabe ao certo mais é provável que José de Souza Salgado tenha aprendido o ofício da fabricação e execução da viola com Antônio Gonçalves Martins.

Em pouco tempo tornou-se o mais famoso fabricante das violas em Queluz, fama essa aumentada pela grande exibição que fez à sua Majestade, o Imperador Dom Pedro II quando de passagem pela cidade no ano 1881. Ao lado do amigo violeiro Luiz Dias de Souza, José de Souza Salgado proporcionou a Dom Pedro II uma inesquecível serenata, fato que o deixara orgulhoso.

A partir de então, as Violas de Queluz ganharam prestígio e valorização na Corte que passou a fazer encomendas dos instrumentos queluzianos devido à boa qualidade do timbre e excelência na fabricação.

E não tardou para que a cidade ficasse conhecida em toda a extensão da Estrada Real como a Terra das Violas.

Vale destacar que José de Souza Salgado manteve por décadas a sua fábrica de violas na antiga rua do Rosário, a atual Assis Andrade. A oficina ficou carinhosamente conhecida como Tenda, local de intensas reuniões de violeiros de toda região. A última viola fabricada pela família Salgado foi feita no ano de 1969.

Em 1908 durante a exposição nacional realizada na Urca, Rio de janeiro, as violas de Queluz ratificaram a fama de serem as melhores violas do Brasil e foram admiradas exaustivamente no pavilhão Minas Gerais, espaço destinado durante a exposição à cultura mineira.

Anos antes, em 1902, as Violas de Queluz já tinham sido premiadas e alcançado fama internacional ao receber o prêmio de melhor instrumento estrangeiro durante a exposição anual realizada na Pensilvânia, nos EUA.

As violas de Queluz foram ainda premiadas no Congresso Internacional de Folclore em 1954 realizado na cidade de São Paulo.

Diante da fama alcançada pelas violas produzidas em Queluz desde a aurora do século XIX até a segunda metade do século XX – sobretudo pelas famílias Salgado e Meirelles – uma pergunta paira sempre. Como pôde o instrumento alcançar tal projeção por toda Minas Gerais e o Brasil numa época provinciana com meios de comunicação e transporte bastante limitados? A resposta é o pujante Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.

A festa religiosa atraía, e ainda atrai, milhares de romeiros devotos do Bom Jesus de Matosinhos que também propiciou um forte e diversificado comércio nas ladeiras de Congonhas. Entre as inúmeras barracas e seus produtos, a viola de Queluz era exposta e comercializada no Jubileu onde luthiers realizavam rodas de violas para chamar a atenção dos romeiros. Assim, as violas de Queluz encontravam muitos compradores e o instrumento chegava a “rincões distantes de Minas Gerais, Bahia, Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados”.

Em Congonhas destacamos o Sr. Geraldino Navarro, autodidata, que passou a fazer instrumentos de corda ainda em sua juventude em Caranaíba, sua terra natal. Mudou-se para Congonhas onde montou sua oficina e foi professor e maestro da Corporação Musical Senhor Bom Jesus. Fabricou as violas de Queluz para os Meireles. Seu trabalho de marchetaria era considerado magnífico, arrematado pelo singular cavalete-bigode. Geraldino Navarro faleceu aos 52 anos e seu filho, Jair Navarro herdou o saber e continua fabricando instrumentos em seu atelier em Congonhas. Geraldino Navarro é avô do afamado escultor congonhense Luciomar.

As violas de Queluz, hoje seculares, continuam encantando gerações com destaque para Chico Lobo, Max Rosa e Claudio Alexandrino, músicos e luthiers, que ao fazerem suas coleções preservam a alma desse instrumento mágico e que, desde 2007, foram reconhecidas por lei como patrimônio cultural de Conselheiro Lafaiete.

A importância das Violas de Queluz como patrimônio histórico e cultural de Conselheiro Lafaiete está diretamente ligada a história musical brasileira e desde 2018 se tornaram também patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais.

Viva a “Viola de Queluz”.

* André Candreva

Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas (IHGC)

“Congonhas, um resumo de sua trajetória histórica”

Congonhas, desde o seu surgimento no início do século 18 experimentou diversos fluxos migratórios que modificaram sua estrutura urbana.

Ainda no século 18 o então arraial floresceu devido a uma verdadeira “corrida ao ouro” com inúmeras áreas sendo garimpadas e com a presença de portugueses, brasileiros, índios (nativos) e os escravizados africanos. Essa mistura está presente nas obras religiosas que podemos testemunhar nas igrejas do Rosário, Matriz, Ajuda (Alto Maranhão) e Soledade (Lobo Leite).

Na segunda metade do século 18 outra grande movimentação aconteceu em virtude da promessa do minerador português Feliciano Mendes que introduziu em Congonhas a fé e devoção do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, que logo se transformou em Senhor Bom Jesus de Congonhas numa grande e perene peregrinação que até os dias de hoje movimenta a cidade principalmente entre os dias 7 e 14 de setembro quando é celebrado o Jubileu dedicado ao Bom Jesus. Nesse período afluem à Congonhas milhares de romeiros/peregrinos de todas as paragens de Minas Gerais e de outros Estados brasileiros.

Mas a grande mudança aconteceu após a década de 1910 quando se iniciou de fato a exploração de minério de ferro abundante nas serras vizinhas a Congonhas com a presença de alemães, dinamarqueses e principalmente investidores do Rio de Janeiro e São Paulo.

“Congonhas, um resumo de sua trajetória histórica”

Devemos ainda considerar a presença de portugueses, espanhóis e italianos advindos com a construção do ramal ferroviário que corta a região central da cidade.

E não podemos nos esquecer das presenças das três congregações de religiosos católicos que aqui viveram entre os séculos 19 e 20. A primeira, e pioneira, foi a Congregação dos Padres da Missão ou Lazaristas como eram conhecidos. Tinham uma postura voltada para a formação rigorosa de sacerdotes dentre eles o congonhense Silvério Gomes Pimenta, que se tornaria Bispo e Arcebispo da Diocese de Mariana além de ter sido o primeiro Prelado negro a ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Os padres Lazaristas ficaram em Congonhas entre 1827 a 1856 e fundaram o Seminário. Outra congregação que aqui esteve foi os Maristas, de origem francesa. Severos na formação sacerdotal, mas por razões políticas com a Mesa da Irmandade do Senhor Bom Jesus, ficaram pouco tempo em Congonhas – de 1896 a 1903. E por fim os Padres Redentoristas de origem holandesa. Transformaram Congonhas entre os anos de 1923 a 1975. Fundaram o Colégio São Clemente (Seminário Maior) e o Juniorato Santo Afonso (Seminário Menor no prédio onde atualmente funciona o Colégio Piedade). Além das obras sacerdotais atuaram ativamente ao lado da comunidade congonhense em obras sociais como a construção de igrejas, do cinema e do hospital Bom Jesus além de terem tido grande influência para a emancipação de Congonhas em 1938.

Essa mistura de culturas somadas à contínua presença dos romeiros/peregrinos durante o Jubileu moldou o jeito de ser e de viver do povo congonhense, influenciando seus costumes além de famílias estrangeiras como Parcus, Vartuli, Candreva, Boratto, Weinschenck e tantas outras ainda vivas na memória de muitos.

Ao longo de mais de 300 anos de sua fundação, a cidade recebeu influências da arquitetura colonial portuguesa e também os estilos gótico e neoclássico da Europa. O casario que restou no eixo entre as igrejas do Rosário passando pelas igrejas da Matriz e de São José, até chegar ao Santuário do Bom Jesus nos permite observar essa afirmativa.

Quando a cidade foi emancipada no final de 1938, as principais ruas e praças da época receberam nomes que homenagearam seus benfeitores como a Av. Governador Valadares e Rua Benedito Quintino que eram, respectivamente, o Governador de MG e o Diretor do Instituto de Geografia e Estatística na época da emancipação. A rua Barão de Congonhas leva esse nome em homenagem ao 2º Barão de Congonhas, Lucas Antônio Monteiro de Castro, benfeitor que existiu por aqui assim como a rua Monteiro de Castro homenageia José Monteiro de Castro, sobrinho do 2º Barão de Congonhas que em sua trajetória política também colaborou com a cidade recém emancipada. Além desses exemplos temos tantos outros que podem ser elencados aqui.

As festividades são marcantes ainda em Congonhas como o reisado e congado, festas que tem suas origens nos costumes dos primeiros africanos escravizados que para cá vieram extrair ouro e pedras preciosas para “seus senhores” como se dizia na época.

Outros costumes como o carnaval e festa junina sempre foram incentivados por grupos de famílias que viam nesses momentos a oportunidade de celebrar a vida com muita alegria e animação.

Outro momento que merece destaque foi durante a década de 1970 em que alguns empreendimentos de grande porte trouxeram a Congonhas inúmeras famílias advindas do nordeste brasileiro em busca de melhores condições de vida. A construção da ferrovia do aço e a também a construção da Usina Presidente Arthur Bernardes (Açominas) proporcionaram a Congonhas experimentar um fluxo intenso de pessoas buscando novas oportunidades de vida. Muitas delas deixaram para trás seu torrão natal e aqui vivem até hoje.

E esse fluxo de pessoas ao longo de séculos influenciou também na culinária local principalmente nas quitandas tão bem difundidas em nosso município.

Congonhas é uma cidade plural, de gente e de costumes, e que sempre está a se reinventar.

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