Monumento histórico e paisagístico, a Boa Esperança recebe visitantes a partir de hoje, depois de dois anos em obras de recuperação e preparo da infraestrutura
Portas abertas para a cultura, a história e, principalmente, a visitação pública. Uma das mais espetaculares propriedades rurais de Minas – a Fazenda Boa Esperança, distante seis quilômetros do Centro de Belo Vale, na Região Central – recebe, a partir de hoje, mineiros, brasileiros e estrangeiros interessados em conhecer uma construção do século 18 integrada a 318 hectares de vegetação exuberante, num cenário que já esteve na tela do cinema e em páginas de livro. Com cerimônia às 11h, da qual participam autoridades estaduais, prefeitos da cidade anfitriã e dos municípios vizinhos, junto a rituais de comunidades quilombolas de Chacrinha e Boa Morte e apresentação de coral, serão inaugurados uma exposição de longa duração e um projeto educativo.
A fazenda, de propriedade do governo estadual, é reaberta após dois anos de obras e investimento de cerca de R$ 4 milhões capitaneados pela Secretaria de Estado de Cultura e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), órgão responsável pelo tombamento a exemplo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “É a primeira vez que a Boa Esperança tem toda a infraestrutura adequada para receber os visitantes. Trata-se de um patrimônio público que foi recuperado e dispõe de uma série de atrativos, além da arquitetura”, diz a presidente do Iepha, Michele Arroyo, que estará na solenidade com o secretário estadual de Cultura, Marcelo Matte.
Para o secretário, “a reabertura possibilita que a comunidade se aproprie e usufrua de um patrimônio dela”. Ele diz ainda que “o espaço também será importante para a retomada do desenvolvimento econômico da região, ao lado de outros circuitos turísticos próximos.” Michele adianta que, futuramente, a área poderá se transformar num parque estadual, formando a parceria entre o Iepha e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Os projetos receptivo e educativo na fazenda estão a cargo da Appa – Arte e Cultura, à frente de trabalho semelhante no Palácio da Liberdade, na Região Centro-Sul da capital. O cronograma de atividade prevê pesquisa arqueológica no terreno, acrescenta Michele.
Todas as atividades na Fazenda Boa Esperança foram viabilizadas pelo projeto de restauro e ReFazenda, parceria entre o Instituto Inhotim e o Iepha para que público e comunidades locais tenham “experiências e reflexões sobre patrimônio e políticas culturais”. A presidente do Iepha indica a exposição e apresentação de vídeos, com dois documentários, contando a trajetória da fazenda, um polo de abastecimento do Vale do Paraopeba, Ouro Preto e Barbacena nos séculos 18 e 19. “As pessoas poderão conhecer os modos de vida naquela época, detalhes da edificação, o pomar, ocupação do território, a forma de alimentação e outras questões do dia a dia.” A entrada é gratuita e, como não há restaurante no local, a presidente do Iepha dá duas dicas: um piquenique no terreno da fazenda ou curtir a culinária em Belo Vale e visitar patrimônio local, como o Museu do Escravo.
PALÁCIO RURAL Quem chega à fazenda não deixa de se impressionar com a grandiosidade do monumento histórico e paisagístico considerado palácio rural desde os tempos do Barão de Paraopeba (coronel Romualdo José Monteiro de Barros –1773-1855), senhor de escravos que trabalhavam na mineração de ouro e agricultura. Logo na entrada, no meio do extenso pátio gramado, frondosas sapucaias dão boas-vindas aos visitantes, convidando à comunhão com a natureza e contemplação do engenho de pedra (paiol) e da bela capela de Nosso Senhor dos Passos, na varanda comprida. Depois de se tornar propriedade do Iepha, a fazenda passou por três períodos de recuperação – a primeira de 1976 a 1979, a segunda em 1998 e a terceira entre 2017 e 2018 (arquitetônica e estrutural).
Caminhando pela varanda dos fundos, que tem 36 metros de comprimento e 2,5m de largura e esteiras coloridas de taquara no forro, pode-se contemplar melhor a construção de 24 cômodos – no total, são 45 portas de um monumento colonial onde se hospedou dom Pedro II. Verdadeira obra-prima, a capela atrai todos os olhares pela sua riqueza e aspecto singelo, trazendo à tona um costume dos tempos coloniais. Devido ao isolamento das fazendas nos séculos 18 e 19, então distantes das igrejas dos povoados, os proprietários católicos se sentiam na obrigação de construir ermidas dentro de suas propriedades. Michele explica que houve uma primeira etapa de restauro do templo, devendo a segunda funcionar como “ateliê aberto” para que os visitantes acompanhem o trabalho.
Cenário do filme Vinho de Rosas, da cineasta mineira Elza Cataldo, a Boa Esperança e sua história também foram contadas em livro. O jornalista Tarcísio Martins, nascido em Belo Vale, lançou em 2007 a obra que leva o nome da propriedade e apresenta ensaio histórico e fotos. O texto informa que “a área original, situada na antiga região do Rio Paraopeba, era formada por 25 mil alqueires e compreendia dezenas de fazendas com prósperas minas. Anos mais tarde, com o esgotamento do ouro, as fazendas dos Monteiro de Barros passaram a trabalhar o campo para cultivo da terra. O que se produzia na Boa Esperança, além de atender ao consumo interno, abastecia a capital da Província de Minas, Ouro Preto. Os bons resultados do latifúndio proporcionaram ao lendário Barão de Paraopeba poder econômico e títulos”.
No livro, Martins contou ainda que a fazenda, que teria começado entre 1760 e 1780, adquiriu papel pioneiro na indústria metalúrgica do país, com o desenvolvimento de atividades precursoras da tecnologia industrial siderúrgica. “No tradicional casarão, foram tomadas importantes decisões políticas, além de ser residência de um presidente da província de Minas (1850), o Barão de Paraopeba”.
Programação de hoje
» 10h – Ritual de Entrada das Comunidades de Chacrinha e Boa Morte
» 11h – Coral Cantantes do Vale
» 11h30 – Abertura oficial
» 12h – Visita livre à exposição
Sociedade rural
Em julho de 2007, o Estado de Minas mostrou a Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale, que, na época, estava prestes a reabrir as portas com um programa educativo. Um detalhe chamou a atenção dos leitores: o tamanho das chaves das portas. A propriedade foi adquirida pelo governo de Minas em 1974 e constituiu o patrimônio de fundação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Em 1959, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje Iphan, já havia reconhecido a propriedade como importante patrimônio histórico, realizando seu tombamento. Em 1975 coube ao Iepha-MG fazer o tombamento estadual, em busca de preservar o registro histórico do modo de vida das sociedades rurais do período colonial brasileiro (Estado de Minas).