Lei que permitiu mudanças não tratou do tema, abrindo espaço para erros e judicialização
A legislação implementada durante a pandemia para permitir a suspensão de contrato de trabalho ou redução de jornada e salário não tratou de como as mudanças afetariam o 13º salário e os períodos de férias, o que poderá levar a erros e até a judicialização do assunto, avaliam especialistas.
A primeira parcela do abono de Natal (o 13º salário) deve ser paga a trabalhadores formais do setor privado em pouco mais de um mês.
Quem teve o contrato suspenso ou a jornada de trabalho e salário reduzidos mantém o direito ao pagamento, mas, em alguns casos, o cálculo poderá ser diferente.
Há divergências, por exemplo, quanto ao cálculo de abono natalino do trabalhador que chegar a dezembro com o salário reduzido.
A advogada Carolina Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer, diz que, uma vez que a lei não trata do assunto, deve-se aplicar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que proíbe a redução do valor do 13º.
Nesse sentido, se aplicaria a irredutibilidade do abono de Natal. “Se você não pode negociar nem como sindicato, quem dirá individualmente”, afirma.
Para ela, a redução salarial tem caráter temporário e, portanto, mesmo que no momento do cálculo a remuneração esteja reduzida, o abono vai considerar o valor nominal integral do salário.
Priscila Novis Kirchhoff, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, diz que a lei não reduziu direitos dos trabalhadores, mas criou meio de os empregos serem mantidos na vigência do decreto de calamidade pública.
Por isso, afirma, o salário integral continua valendo e é sobre ele que o cálculo do 13º salário deve ser feito nos casos em que a empresa aplicou a redução de salário e jornada.
“Férias e 13º, você vai considerar o salário original. Se você fizer isso [calcular sobre o valor reduzido], estará prejudicando o empregado”, diz. “Em que pese eu acreditar que há empresas que tentarão usar desse artifício para pagar menos, não acho adequado.”
Já Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, considera que o 13º deve ser calculado com base no salário do mês de pagamento. Portanto, quem estiver com contrato reduzido em dezembro deveria receber o abono calculado sobre esse valor.
Além da divergências, há dúvidas quanto à inclusão ou não do benefício pago pelo governo como complemento ao salário reduzido.
Segundo o sistema de acompanhamento do BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda) disponibilizado pelo Ministério da Economia, de 1º de abril até a última sexta-feira (2), 18.494.278 acordos foram firmados entre empresas e trabalhadores para que essas regras fossem aplicadas.
Para Matsumoto, a situação é mais crítica quando se trata daqueles que tiveram ou estão com os contratos suspensos em comparação com aqueles cuja jornada foi reduzida, com diminuição correspondente dos ganhos. Há, no entanto, menos dúvidas quanto ao cálculo, diz o adovgado.
Segundo jurisprudência consolidada no TST (Tribunal Superior do Trabalho), o 13º salário é proporcional à quantidade de meses trabalhados no ano. Ou seja, quem trabalhou menos de 12 meses terá direito a um valor inferior ao integral -caso de quem teve o contrato suspenso por um mês ou mais.
“O problema é que isso deixou uma discrepância, um tratamento desigual entre os trabalhadores que tiveram contratos suspensos ou a redução de jornada e salário. É paradoxal, pois ele foram mais afetados”, diz.
Priscila, do Trench Rossi, diz que a suspensão cria um efeito jurídico no qual todas as obrigações ficam também paralisadas, como contagem de tempo para férias ou para efeitos previdenciários.
“Se isso for judicializado, pode ser que se decida o 13º como um benefício. A lei diz que mesmo com o contrato suspenso, os benefícios estavam mantidos, mas entendo que tratava de questões negociadas, como plano de saúde”, afirma Caroline Marchi, do Machado Meyer.
A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia diz entender que a lei por meio da qual o benefício emergencial foi criado não muda a forma de cálculo das verbas trabalhistas.
No entanto, o governo diz estar em contato com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para que haja uma orientação uniforme sobre o tema.
O Ministério Público Trabalho também está estudando a possibilidade de emitir, nas próximas semanas, uma Nota Técnica sobre o tema, de modo a promover maior segurança jurídica.