Assinado no início do mês, o histórico acordo entre o governo de Minas e a Vale, referente aos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, Grande BH, jamais irá compensar a dor das famílias dos 270 mortos e desaparecidos na tragédia. Mas os R$ 37,68 bilhões de indenização ao Estado (algo em torno de US$ 7 bilhões), destinados a uma série de grandes, médias e pequenas intervenções e projetos, são, sem dúvida, um reforço “de luxo” ao caixa estadual. Ainda mais em tempos de enorme aperto nas finanças, em todas as esferas do setor público, e de uma pandemia que parece não ter fim.
Resta saber agora se, além de, potencialmente, trazer algum alívio aos cofres estaduais, propiciar condições para que Minas atraia investimentos e melhorar a qualidade de vida da população, o dinheiro servirá também para impulsionar possível candidatura de Zema à reeleição, no final do próximo ano.
Para o cientista político Robson Sávio, da PUC Minas, mesmo que algumas iniciativas com maior visibilidade e apelo eleitoral ligadas à indenização bilionária só comecem depois de 2022 – caso da construção do Rodoanel na Região Metropolitana de BH –, “não há a menor dúvida de que Zema tentará faturar politicamente em cima desse acordo”.
“Não foi à toa que, durante as negociações, o governo cedeu, e muito, em mais de R$ 19 bilhões, em relação ao que a Fundação João Pinheiro havia calculado para a indenização a ser paga pela Vale. Fez isso justamente para viabilizar o acordo mais rapidamente, de modo que as obras comecem a aparecer logo e ele tente faturar politicamente sobre esse fato, de olho em 2022”, afirma Sávio.
O cientista lembra ainda que, diante dos graves efeitos econômicos da crise da Covid-19, em 2020, e do déficit registrado no caixa mineiro desde a gestão anterior à de Zema – o que levou o governo a atrasar e parcelar por meses os salários de servidores, por exemplo –, nada melhor do que uma injeção financeira de tal magnitude para encobrir os lados negativos.
“Um governo que passa por imensas dificuldades poder dizer, em pleno ano pré-eleitoral ou eleitoral, que está começando obras é uma enorme vantagem sobre os concorrentes, principalmente aqueles (também gestores públicos, como o prefeito Alexandre Kalil, possível adversário de Zema em 2022) que não têm tantos recursos em seus caixas”.
Relator da CPI de Brumadinho na Assembleia Legislativa de Minas e líder da oposição a Zema até o ano passado, o deputado André Quintão (PT) destaca que o acordo com a Vale ficou longe do ideal (o valor, diz ele, deveria ser de R$ 54 bi), teve pontos polêmicos e deverá ser percebido pelo eleitorado como um ganho para o Estado, não para o governador.
Além disso, os recursos seriam fruto de “um enorme crime da empresa”, e não poderiam ser politizados. “Há um suposto bônus político utilizado para vitaminar a base do governador, mas é algo superestimado. O impacto eleitoral não terá a proporção que aliados do governo alardeiam”, afirma.
O governador Romeu Zema e a cúpula de sua gestão são unânimes em refutar qualquer possível utilização eleitoral dos recursos advindos do acordo entre o Estado e a mineradora Vale. No dia da assinatura do documento, que, intermediado pelo Judiciário, envolveu a empresa, o Executivo, o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública de Minas Gerais, o próprio Zema deixou isso claro.
“Nós estamos usando esta indenização, reparação, para o povo mineiro e não para o caixa do Estado. Continuaremos sendo um Estado com terríveis dificuldades financeiras, mas o povo mineiro vai receber o legado”, disse ele. “Iniciamos agora um novo desafio, de darmos início a essas obras que vão gerar 360 mil empregos nos próximos meses e anos”, concluiu o governador.
Alto escalão do governo estadual refuta uso de bônus político
Um dos principais articuladores das negociações para firmar o acordo, o secretário-geral do governo estadual, Mateus Simões, reiterou a fala do chefe, embora considere compreensível o questionamento sobre o possível uso político do tema.
“Até entendo que as pessoas possam ler que haja alguma repercussão eleitoral, mas definitivamente isso nunca foi uma razão para decidirmos as discussões com a Vale”, afirmou Simões.
“Tanto é que negociamos por bastante tempo e forçamos um valor alto, e não estávamos dispostos a faze o acordo se o valor fosse mais baixo”, acrescentou. Ainda segundo Simões, a verba não é para o caixa estadual, “para fazer o que ele (Zema) quiser”. “É um dinheiro para restaurar a região atingida, para tentar de alguma forma recompor os danos econômicos e sociais. E para reforçar o serviço público por conta da perda de arrecadação. E recompor o meio ambiente”, disse.
Fiemg prevê retomada de investimentos a partir das obras
Tenha ou não repercussões eleitorais, o acordo entre o Estado e a Vale gerou uma onda de otimismo entre o empresariado mineiro, que vê nas intervenções programadas, sobretudo as que tratam de melhorias na infraestrutura, uma ponte para a atração de investimentos e geração de empregos.
“Já estamos vendo a sinalização de empresas que não tinham pretensão de ampliar suas plantas em Minas em função do gargalo existente, sobretudo na Grande BH, onde não há espaço para crescimento da área urbana, e que, agora, estão revendo seus planos”, diz o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe.
O dirigente lembra também que alguns grupos, cujos nomes não quis revelar, estariam elaborando projetos para instalar-se, por exemplo, às margens do futuro Rodoanel, que deve ter três alças construídas a partir de 2023, interferindo, inclusive, na região de Brumadinho – e desafogando o Anel Rodoviário.
Segundo Roscoe, embora o acordo de R$ 37,7 bi com a Vale deva, de fato, “dinamizar a economia mineira e destravar investimentos de um Estado que, hoje, não tem capacidade para investir”, ainda é cedo para estabelecer qualquer relação entre isso e a política. Até porque, segundo ele, os recursos devem ser aplicado ao longo de muitos anos, e não apenas agora. “Não vejo correlação entre tais aspectos no momento”, sustenta.
Já para o cientista político Rudá Ricci, uma eventual capitalização eleitoral de Zema a partir do acordo seria improvável, a julgar por uma suposta “incompetência” do gestor. “Ele teria que dar uma guinada de 180 graus na sua atuação para fazer o uso estratégico desse dinheiro”.