O presidente Jair Bolsonaro minimizou mais uma vez nesta segunda-feira (22/03) a gravidade do impacto da covid-19 no Brasil. Em evento no Palácio do Planalto, disse que o país está “dando certo” e “dando exemplo” em meio à pandemia, e que “parece que, no mundo todo, só no Brasil está morrendo gente”.
Os dados brasileiros de novas mortes e casos por covid-19, quando comparados a outros países, porém, mostram que a situação é gravíssima tanto em números relativos como absolutos.
O país tem neste momento uma das maiores incidências de novas mortes por dia por milhão de habitantes, número que já considera o tamanho da população de cada país. Na segunda-feira, essa taxa no Brasil era de 10,9, 60% acima da média da América do Sul e mais que o dobro da registrada na União Europeia.
Em termos absolutos, o Brasil é líder disparado em mortes diárias. Na segunda, 26% das pessoas que morreram no mundo com covid-19 estavam no país, ou uma a cada quatro. Foram 2.300 mortes pela média de sete dias no Brasil, mais que o dobro do segundo colocado, os Estados Unidos, com 978 óbitos.
Variação pelo mundo
De forma geral, o mundo enfrenta desde meados de fevereiro alta no número diário de novos casos de covid-19 e certa estabilidade no número diário de novas mortes. Mas a composição dos dois fatores muda de acordo com o continente.
Na América Latina, há alta de novos casos e mortes, sendo o Brasil o maior responsável por essa trajetória. Na Europa também há alta de novos casos, o que fez diversos países implementarem ou prolongarem lockdowns, mas ainda não foi registrada alta significativa de mortes diárias, com exceção de algumas nações do Leste Europeu.
Na América do Norte, há queda na incidência de mortes e casos, puxada pelos Estados Unidos, enquanto na Ásia e na África a incidência de casos e mortes permanece baixa desde meados de fevereiro, com leve alta de casos nos países asiáticos.
Veja abaixo as incidências de novos casos e mortes por covid-19 em outros continentes, comparadas ao Brasil. Os dados levam em conta a população de cada país, refletem a média móvel dos últimos sete dias e foram compilados pela Universidade de Oxford. Em todos os países, o número de casos confirmados é menor que o número real, devido à subnotificação e testagem limitada.
América do Sul
O continente sul-americano registra alta no número de casos e mortes desde meados de fevereiro, com o Brasil puxando a fila na maior parte desse período. O país também se destaca por ter uma incidência de novas mortes diárias muito superior à dos seus vizinhos.
Em meados de fevereiro, a América do Sul tinha cerca de quatro novas mortes e 160 novos casos por dia por milhão de pessoas. Nesta segunda, foram 6,8 mortes por dia e 251 novos casos.
No Brasil, registravam-se em meados de fevereiro cerca de cinco novas mortes e 220 novos casos por dia por milhão. A incidência evoluiu para 10,9 novas mortes e 355 casos nesta segunda.
A disparada de mortes em relação à população no Brasil foi muito superior à verificada em outros países da América do Sul e é hoje a maior incidência do continente. Essa taxa mais que dobrou no Brasil desde meados de fevereiro, enquanto na América do Sul como um todo cresceu 61%.
No Peru, o número de novas mortes diárias por milhão está em 5,2, no Paraguai, 5, no Chile, 4,4, no Uruguai, 3,9, e na Argentina, 2,6.
Não há uma explicação única sobre o motivo de a incidência de mortes no Brasil ser significativamente mais elevada do que em países vizinhos. Especialistas apontam como fatores a circulação da variante do Amazonas, hospitais trabalhando no limite de sua capacidade e falta de insumos e recursos humanos adequados no sistema de saúde.
Em relação ao número de novos casos por milhão de habitantes, o Brasil hoje só é superado no continente pelo Uruguai, um país com apenas 3,5 milhões de pessoas, que nesta segunda registrou incidência de 467 novos casos por milhão, contra 150 em meados de fevereiro.
O Chile, país com a vacinação mais avançada no continente e referência no mundo, também vem registrando alta na incidência de novos casos, com taxa de 313 por milhão nesta segunda, contra cerca de 180 em meados de fevereiro. No Paraguai, a incidência de novos casos está em 294, e na Argentina, em 159.
América do Norte
Os Estados Unidos, país com o maior número de mortes e casos acumulados de covid-19, lideraram por diversos meses da pandemia a incidência de novos casos e mortes por dia entre as grandes nações.
Isso começou a mudar no início do ano, com um programa de vacinação robusto e novas medidas para incentivar o isolamento implementadas na gestão Joe Biden. Hoje os americanos estão em uma situação muito mais confortável que os brasileiros.
Na incidência de novos casos por dia, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos em 19 de fevereiro. Nesta segunda, os americanos registravam 161 novos casos por dia por milhão, enquanto o Brasil teve 355 – incidência de casos 120% maior.
Na incidência de novas mortes por dia, o Brasil superou os Estados Unidos em 2 de março. Nesta segunda, os americanos registraram três mortes por milhão de habitantes, enquanto o Brasil teve 10,9 – cifra 264% superior.
A incidência de novas mortes segue caindo entre os americanos, mas a de novos casos está estável há cerca de dez dias.
O Canadá teve um bom desempenho ao longo da pandemia e registra queda da incidência de novas mortes diárias desde de meados de janeiro, hoje em 0,8 por milhão. A incidência de novos casos diários, porém, está estagnada desde meados de fevereiro, em torno de 80 por 1 milhão de pessoas, com leve alta na última semana.
Europa
Entre os países europeus, o que obteve queda mais acentuada no número de casos e mortes por covid-19 é o Reino Unido, que implementou um agressivo programa de vacinação combinado com lockdown rigoroso.
Em seu pior momento, em 23 de janeiro, os britânicos registraram 18,5 novas mortes diárias por milhão, incidência 80% maior do que a verificada hoje no Brasil. Nesta segunda, o Reino Unido teve 1,25 nova morte por dia por milhão, e 81,6 novos casos pelo mesmo critério.
A União Europeia, que reúne 27 países, vem registrando trajetória de alta na incidência de novos casos por milhão desde meados de fevereiro, e nesta segunda a taxa era de 336,7, pouco abaixo da brasileira, de 355.
Em muitos países do bloco, a incidência de novos casos é hoje semelhante ou superior à brasileira, como na Bélgica (362,1), Holanda (387,2), Suécia (449), França (462,4), Hungria (834,7) e República Checa (865,9). Na Alemanha, a incidência de novos casos está em 158,5, na Espanha em 103, e em Portugal em 45,7.
A comparação com o Brasil se destaca na incidência de novas mortes diárias. Na União Europeia como um todo, essa taxa nesta segunda era de 5, menos da metade da brasileira, de 10,9. Na França, o número é de 3,9, na Espanha, 3,4, na Alemanha, 2,2 e em Portugal, 1,3.
A diferença na incidência de mortes é mais significativa quando considerado que o percentual de idosos, população mais vulnerável a complicações da covid-19, é muito maior na União Europeia do que no Brasil.
No bloco europeu, as pessoas com 65 anos ou mais representavam 20,3% da população em 2019. Entre os brasileiros, 10,5% estavam nessa faixa etária em 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os países da União Europeia, a pior incidência de novas mortes está na Hungria, que, assim como o Brasil, é liderada por um político de extrema direita, o primeiro-ministro Viktor Orbán. Nesta segunda, os húngaros registraram 20,2 novas mortes por covid por milhão, quase o dobro da atual incidência brasileira.