29 de março de 2024 06:59

Estação Congonhas do Campo – centenário de histórias

Por André Candreva

Desde sua implantação no Brasil, na metade do século 19, a ferrovia teve um papel importante no desenvolvimento do país e em todo o mundo. Fez surgir povoados e impulsionou o crescimento das cidades e suas estações serviram como agência de correios, posto de comunicação e ponto de encontro das pessoas.

Congonhas foi contemplada inicialmente pela Estrada de Ferro Dom Pedro II com seus trilhos passando pelo distrito de Lobo Leite em 1886, distante cerca de 6km do centro do então arraial de Congonhas do Campo. Era por ali que todas as pessoas e mercadorias chegavam até a cidade dos profetas. Pouco depois, em setembro de 1899, era inaugurada a Estrada de Ferro Vale do Paraopeba, um pequeno ramal ferroviário de 8km que ligou diretamente o então Distrito de Congonhas ao restante das ferrovias brasileiras. Esse ramal ficou conhecido pela alcunha de “Trem do Bispo”, em alusão ao apoio financeiro autorizado pelo congonhense Silvério Gomes Pimenta, Bispo (e depois Arcebispo) de Mariana na ocasião. O ramal passou a atender principalmente aos romeiros e peregrinos que afluem anualmente de todas as paragens mineiras para as festividades do portentoso Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A estação de entroncamento se chamava “Jubileu” e ficava distante cerca de 3km da estação de Lobo Leite, pela linha Centro, e a estação final do ramal se chamava “Santuário” e se localizava onde atualmente é o restaurante Brasa Grill, bem na região central de Congonhas. Esse ramal foi desativado em 1917.

Mas somente em 1914, quase três décadas depois da inauguração da estação de Lobo Leite, é que foi construído o ramal do Paraopeba (uma variante ferroviária que encurtou a distância entre a capital mineira e a cidade do Rio de Janeiro) e a uma nova estação ferroviária no centro da cidade começou a ser erguida em 1909 e inaugurada em 14 de novembro de 1914. E seu maior movimento sempre foi durante as duas primeiras semanas de setembro, atendendo aos milhares de romeiros do Jubileu de Congonhas. Por ficar mais próxima do Santuário, a estação desempenhou um papel importantíssimo no funcionamento do Jubileu até o final da década de 1980 quando os trens de passageiros foram, lamentavelmente, desativados.

O transporte ferroviário era o que existia de mais moderno no início do século XX e as estações eram frequentadas por pessoas de todas as camadas sociais gerando histórias e fatos curiosos que merecem ser contados para não se perderem no tempo.

Pelas plataformas da estação congonhense circularam pessoas famosas em seus tempos áureos: artistas do rádio, do cinema, políticos além de jogadores de futebol, nos luxos trens da Central – o “Noturno Mineiro” e o “Vera Cruz”, este, um expresso de alto luxo com seus carros de passageiros fabricados em aço inox. Os vagões do Vera Cruz, por serem prateados, o trem ganhou a alcunha de “Trem de Prata” ou “Trem de Aço”.

Dos viajantes ilustres que passaram por Congonhas destaco o rei da Bélgica Alberto I, fato testemunhado pelo meu bisavô José Vartuli em 1920. O rei belga veio ao Brasil para inicialmente assinar um acordo comercial entre o governo de Minas e a Bélgica para a construção de uma usina siderúrgica – a belgo mineira. Teve uma boa impressão do povo brasileiro e doou à Central do Brasil uma locomotiva a vapor que foi utilizada até meados da década de 1950 e que ficou conhecida como “Zezé Leone”. Durante sua curta permanência em Congonhas – enquanto aguardava a liberação da linha para o trem seguir viagem até Belo Horizonte, José Vartuli cumprimentou-o e manteve um curto diálogo com o rei Alberto I que se mostrou solícito e simpático.

Em 1946 a delegação do Botafogo, que seguia viagem do Rio de Janeiro para Belo Horizonte onde disputaria uma partida de futebol, fez uma breve pausa em Congonhas e os jogadores aproveitaram para fazer um lanche. Foi nesse momento que meu avô Francisco Candreva identificou no meio da multidão o famoso jogador Heleno de Freitas e com ele manteve uma prosa por um bom tempo. Segundo meu avô, Heleno mais parecia um astro do cinema americano do que um jogador de futebol tamanha a sua elegância. Impecavelmente vestido, Heleno usava um chamativo óculos rayban, coisa rara no Brasil daquela época.

Em 1948 o então Presidente da República Eurico Gaspar Dutra foi recepcionado por congonhenses na estação ferroviária – quando rumava para o Rio de Janeiro. A corporação musical Senhor Bom Jesus, sob a regência do maestro Timóteo Machado, fez uma brilhante apresentação. A professora e diretora Maria Marcossi levou para a estação sua classe de alunos na época e brindou o Presidente com um buquê de flores. Dos inúmeros alunos, minha tia Egle Candreva e o amigo Valter Vasconcelos (também conhecido como ‘Neném Dadidô”) guardam lembranças desse episódio.

Segundo meu pai Roberto Candreva, durante sua infância e adolescência, o maior divertimento era esperar a passagem dos trens que transportavam bois (conhecidos como trens ‘boiadeiros’). Vindos do sertão mineiro rumavam para as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo para abastecer os frigoríficos. O trem também transportava os grandes circos que se deslocavam entre as cidades e nos proporcionava uma boa atração e divertimento, pois conhecíamos animais raros e exóticos vindos das mais variadas partes do mundo, relata Roberto Candreva.

Outra recordação de meu Pai ainda viva em sua prodigiosa memória, eram os trens de passageiros conhecidos como ‘baianos’. Vindos do norte rumavam para São Paulo (ou ao Rio de Janeiro) levando centenas de migrantes que, fugindo do flagelo da seca nordestina, sonhavam com uma vida melhor.

No final da década de 1970 testemunhei diversos trens de carga especiais indo em direção ao porto no Rio de Janeiro. Eram os trens “cegonheiros” que transportaram por cerca de três anos os automóveis fabricados pela montadora italiana FIAT, cuja fábrica se localiza no município de Betim. Muitos desses trens paravam nos pátios da estação de Congonhas aguardando a passagem de outro trem no sentido contrário.

A estação ferroviária foi desativada no início de 1980. Acabou sendo utilizada por mais de duas décadas como moradia de funcionários da extinta RFFSA. Em 2001 o Município de Congonhas adquiriu o prédio e seu entorno e o transformou em espaço cultural inaugurado em 2006. Hoje centenário, o prédio que possuiu uma arquitetura ímpar, é um dos destaques como atrativos turísticos na cidade.

Quando foi inaugurada em 1914, foi batizada pela E. F. Central do Brasil como “Estação Ferroviária Congonhas do Campo” e assim permanece com seu nome imponente com letreiros grafados em alto relevo em suas imponentes paredes laterais. A cidade de Congonhas “perdeu” o “Do Campo”  de seu nome em 1948 mas a estação o conserva até hoje, nos remetendo às origens do povoado no início do século XVIII.

Os trens de passageiros não circulam mais pela estação e sua plataforma emudeceu, mas ainda hoje ecoa nas lembranças de muitos o apito das locomotivas e o murmúrio dos passageiros.

Até o próximo ‘trem’, ou melhor, até o próximo relato.

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