Comunidade de Itatiaia vai desenvolver campanha para recuperar outros imagens históricas roubadas da Igreja de Santo Antônio em Itatiaia
Com as bênçãos de Santo Antônio e grande alegria para uma comunidade do interior mineiro, chegará ao fim, hoje, a longa trajetória de uma peça importante do patrimônio sacro do distrito de Itatiaia, em Ouro Branco, na Região Central do estado. Depois de quase 27 anos a partir do furto, retornará ao altar da Matriz Santo Antônio, dedicada ao padroeiro local, o objeto de fé sob guarda do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana nos últimos seis anos. O templo pertence à Paróquia Sagrada Família, que é vinculada à Arquidiocese de Mariana.
Para receber a relíquia, o cônego Tarcísio Sebastião Moreira, titular da paróquia, vai celebrar missa hoje, às 16h, na Matriz Santo Antônio. Devido à pandemia, será necessário agendamento dos fiéis para a celebração na igreja tricentenária. “Todos estão muito felizes. Afinal, trata-se de um elemento da religiosidade popular”, disse o cônego Moreira, que recebeu do diretor do Museu Arquidiocesano, cônego Nédson Pereira, o sinal verde para reintegração do crucifixo ao acervo da matriz. A localização da peça, certamente o altar-mor, será decidida com a comunidade, adianta o pároco.
Entusiasmado está o presidente da Associação Sociocultural Os Bem-te-vis, de Itatiaia, Wilton Fernandes Guimarães. “Estamos na maior expectativa, pois será um momento marcante na nossa história e também na campanha que levamos adiante para recuperar as peças furtadas da igreja em 1994. Então, a comemoração será tripla: dia do padroeiro, retorno do crucifixo e relançamento da campanha, com divulgação de fotos e dados referentes a cada objeto”, diz Wilton, destacando que a Polícia Militar já ofereceu apoio para a cerimônia. Atuante no distrito, Bem-te-vis foi a entidade proponente no processo de restauração da igreja, que dispõe de sistema de alarme, câmeras e outros equipamentos de segurança.
DEVOLUÇÃO
Para entender bem a importância da volta do crucifixo, vale saber que o objeto do fim do século 18, em madeira maciça, medindo 102 centímetros de altura por 46,7cm de largura, foi levado da igreja de Itatiaia em 17 de novembro de 1994, junto a mais 20 peças, incluindo imagens. O conjunto, do qual foram recuperados apenas o crucifixo e as esculturas de São Domingos Gusmão e São João Batista Menino, cumpriu uma via crucis que começou em Ouro Branco, passou por Sete Lagoas e Belo Horizonte, até ser vendido em São Paulo (SP), onde foi adquirido por um colecionador da chamada alta sociedade paulistana – o nome nunca foi divulgado.
Ao fazer a entrega do crucifixo à Arquidiocese de Mariana, em 5 agosto de 2015, o então titular da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MPMG), Marcos Paulo de Souza Miranda, ressaltou que se tratava de uma “questão de segurança”. Naquele ano, a situação da matriz, tombada em 1980 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), era bem diferente e oferecia riscos, daí a ida para o museu em Mariana.
Base serrada para dificultar a identificação
No ano anterior à devolução, o bem cultural e religioso foi trazido a Belo Horizonte, onde passou por perícia minuciosa até ser constatada a procedência. Em duas décadas, houve adulteração, sendo parte da base serrada para dificultar o reconhecimento e identificação. Cadastrado, com fotos e especificações técnicas, no banco de dados do acervo procurado pelo MPMG, o objeto foi encontrado graças a uma denúncia feita de forma anônima, o que levou a equipe da CPPC/MPMG a intensificar a investigação e notificar o colecionador, que fez a devolução sem resistência.
Na conversa com os promotores, o colecionador disse, na época, que o crucifixo fora adquirido em 2008, no Salão Hebraica, na capital paulista, feira famosa pela venda de obras de arte e objetos sacros. O vendedor seria um antiquário de Belo Horizonte, também de nome não divulgado.
Conforme levantamento mais recente da CPPC/MPMG, sob a coordenação do promotor de Justiça Marcelo Maffra, Minas procura 787 bens sacros desaparecidos, a exemplo de imagens de santos, castiçais, sinos, partes de altares e outras.
Na lista há objetos desaparecidos desde 1807. No período da grande campanha, que completará 18 anos em julho, conduzida no estado para resgate de bens desaparecidos de igrejas, capelas, museus e prédios públicos, foram recuperados 463 bens, fruto de apreensões do MPMG, polícias Federal, Militar e Civil ou entregues espontaneamente. E foi restituída ao local de origem a maior parte delas. Aguardam decisão judicial 88 – entre essas há peças atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), o “mestre do Barroco”. (EM)