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Poluição atmosférica, uma pandemia silenciosa

Tratada como um problema ambiental, o que significa ignorar seus impactos na saúde das pessoas e na economia, a poluição do ar mata em média 50 mil pessoas todos os anos no Brasil. Quatro anos seriam suficientes para o país chegar a cifra dramática de 200 mil mortos da Covid-19. A poluição do ar é uma pandemia silenciosa. Ainda que o país tenha uma Política Nacional de Controle da Poluição do Ar (Pronar), ela não é implementada, apresenta fragilidades jurídicas e, pior, não conta com um cronograma de redução dos poluentes.

Os dados fazem parte do estudo “O Estado da Qualidade do Ar no Brasil”, assinado por um conjunto de 14 cientistas, entre eles a médica Evangelina Vormittag, diretora executiva do Instituto Saúde e Sustentabilidade e representante da Coalizão Respirar. A  coordenação é do WRI Brasil.

“A pandemia da Covid-19 poderá ser interrompida com a vacina, mas a poluição do ar continuará matando se nada for feito. Estamos falando de um problema sistêmico, profundo e extremamente letal, para o qual a vacina são políticas públicas adequadas”, alerta Carolina Genin, diretora do programa de Clima do WRI Brasil. Sob coordenação do WRI, o estudo privilegiou fontes nacionais, evidenciando um relevante acúmulo de produção científica na área, em especial na interface com a saúde e seus impactos na vida das pessoas.

Projeções do estudo apontam que, de 2018 a 2025, seis regiões metropolitanas brasileiras, onde vivem 23% da população total do país, vão registar 128 mil mortos devido a poluição do ar. É como se cidades inteiras fossem riscadas do mapa, como Sertãozinho (SP), Uruguaiana (RGS), ou Guarapari (ES).

Sem esse contingente de 128 mil pessoas, as perdas de produtividade chegariam a R$ 51,5 bilhões. Sem falar nas internações provocadas pela poluição do ar: cerca de 70 mil internações públicas, o que custarão ao Sistema Único de Saúde  (SUS) quase R$ 130 milhões. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), os índices de qualidade do ar na maioria das grandes cidades brasileiras estão fora dos parâmetros da instituição.

E voltará ao topo do ranking quando o vírus for combatido. Para piorar ainda mais este cenário, estudos correlacionam o ar tóxico como um fator de agravamento da Covid-19 e de sua letalidade

Evangelina Vormittagmédica, diretora executiva do Instituto Saúde e Sustentabilidade e representante da Coalizão Respirar

A má qualidade do ar foi apontada, segundo Evangelina Vormittag, como o segundo maior perigo ambiental global à vida humana, perdendo apenas para a Covid-19: “E voltará ao topo do ranking quando o vírus for combatido. Para piorar ainda mais este cenário, estudos correlacionam o ar tóxico como um fator de agravamento da Covid-19 e de sua letalidade”. A médica completa: “Apesar disso, o setor de saúde é notoriamente ausente da governança da gestão da qualidade do ar em nível nacional. O combate à poluição do ar é transdisciplinar, deve ter a gestão compartilhada”.

O estudo aponta ainda que o Brasil não dispõe de inventários nacionais completos e atualizados das emissões de poluentes atmosféricos pelas diferentes fontes. Com base na compilação de dados, os cientistas concluíram que as principais fontes de poluentes atmosféricos no país são o setor de transportes, os processos industriais e queima de biomassa – neste último caso, com poluentes que viajam de Norte a Sul do país pelas correntes de ar.

O estudo alerta que a queima de biomassa decorrente das áreas desmatadas e da manutenção de pastos tem sido um dos principais causadores de doenças do aparelho respiratório que ocorrem no período de seca na Amazônia. Entre julho e outubro de 2019, ocorreram  mais de duas mil internações por doenças respiratórias diretamente relacionadas a queimadas. Bebês e pessoas acima de 60 anos são os mais afetados.

Em agosto de 2019, por exemplo, quando foi registrado um dos maiores picos no número de focos de calor no mês desde 2010, cerca de três a quatro milhões e meio de pessoas foram expostas ao material particulado fino gerado pelas queimadas além dos limites estabelecidos como nocivos para a saúde. A poluição do ar relacionada às queimadas e ao desmatamento implicou um custo para o SUS de cerca de US$ 1,5 milhão em 2019.

As queimadas e incêndios florestais são a principal fonte de poluição do ar no Brasil Central e na Amazônia. Os níveis da poluição do ar gerada pelas queimadas na região amazônica chegam a atingir valores de PM10 de 500 micrograma/m3, o que representa cerca de 25 vezes mais poluição do que a média normal da região (20 micrograma/m3). O desmatamento da Amazônia é também a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil.

Atualmente, com a pandemia de Covid-19, a poluição do ar é considerada a segunda maior causa ambiental de doenças e mortes prematuras em todo o mundo. Os impactos da poluição do ar na saúde humana estão conectados com doenças pulmonares, cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais, disposição ao câncer e ao diabetes, prejuízo no desenvolvimento cognitivo em crianças e demência em idosos.

O transporte rodoviário de cargas e pessoas é outra importante fonte de poluentes do ar. Cerca de 63% dos deslocamentos urbanos em cidades com mais de 1 milhão de habitantes em 2018 e 65% da movimentação de cargas em 2015 se deu sobre quatro rodas. Nos últimos dez anos, o segmento de transportes apresentou a maior taxa média de crescimento de consumo de energia, tornando-se a partir de 2018 o principal consumidor de energia do país.

“Não se trata apenas de quantidade, mas de (má) qualidade. Ou melhor, de ineficiência energética: os automóveis, que representam apenas 25% do total de viagens no país, consomem 60% do total de energia destinada à mobilidade urbana”, concluiu Carolina. O mesmo se aplica ao transporte de carga. O consumo de combustível para transportar uma tonelada de carga por caminhões é 2,7 vezes maior do que o consumo dos trens.

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