O TEMPO visitou distrito em que até ligar para a polícia é uma dificuldade para a população; governo de Minas promete ampliar sinal em parceria com operadoras
Na manhã de uma quarta-feira de sol quente, a caixa de supermercado Silvânia de Souza Lima, de 48 anos, aproveita o wifi da mercearia onde trabalha para ter notícias dos filhos, que moram em outra cidade, e se informa sobre o mundo além de onde vive, em Medeiros, distrito de Piedade dos Gerais, na região Central de Minas. De segunda a sábado, quando trabalha, mantém-se conectada. Fora dali, seu celular não tem qualquer sinal de telefonia ou internet.
Na era do 5G, em que se alardeia a revolução que a nova rede provocará em diversos setores, quase 6% dos brasileiros não têm acesso à internet, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022. Outras, como Silvânia, têm algum acesso, mas vivem em locais sem sinal de 4G, o principal disponível atualmente, e são reféns de contratar serviços precários de internet fixa. Ainda segundo o instituto, 8% dos domicílios brasileiros não têm telefonia móvel.
Internet é questão de dinheiro: o rendimento médio por pessoas nas casas onde há internet é quase o dobro daquelas onde não há: R$ 1.760 contra R$ 944, mostra o IBGE. E internet também é questão de geografia. Em Minas Gerais, 1.159 localidades rurais, 35,2% das 3.292 do Estado, não estão cobertas pelo 4G, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O resultado é um prejuízo à cidadania dessa população na educação, na saúde e no bolso. Assista ao vídeo e entenda:
Para participar de uma audiência judicial online para tratar de um divórcio, a caixa Silvânia precisou segurar o celular na calçada durante duas horas e meia, aproveitando o wifi de uma lan house que ainda não tinha aberto naquele dia, mas cedeu a senha a ela. “Toda hora, o sinal caía. Imaginei que fossem acabar com a audiência. Tive que fazer na rua, toda hora passava um trator. Você sabe que essas coisas são sigilosas, né? E eu fazendo em um lugar aberto”.
Ela paga R$ 62 por mês em um plano de internet no celular, mas em sua casa não chega 3G, 4G e, muito menos, 5G. No supermercado onde trabalha, a internet basta para os funcionários conectarem o celular, utilizarem a maquininha de cartão ou para os clientes acessarem a conta bancária e fazer um Pix. Se tudo for feito ao mesmo tempo, ela fica sobrecarregada e cai. As consequências da conexão instável podem ser mais graves que esse tipo de transtorno. Silvânia conta que um dia ouviu uma briga em uma casa da vizinhança e não tinha recursos para chamar a polícia rapidamente, por exemplo.
Em Piedade dos Gerais, que tem cerca de 5.000 moradores, há antenas de grandes operadoras no centro da cidade entre casinhas de um pavimento. Em dez minutos de carro se afastando do centro rumo a Medeiros, que, de acordo com a prefeitura, concentra 10% da população, o sinal desaparece. A opção que os moradores encontram é contratar serviços de internet fixa por satélite ou rádio, em geral instáveis e com um custo de instalação que pode chegar a quase R$ 1.000, mais R$ 249 mensais, sem a opção de banda larga das maiores operadoras do país. É graças ao plano dos vizinhos que o posto de saúde do distrito consegue se comunicar com o mundo para solicitar uma ambulância, por exemplo, pois não tem rede própria. Ligação, só pelo WhatsApp. SMSs, importante para o envio de códigos de confirmação de alguns serviços, não chegam.
Embora não esteja expresso na Constituição, o direito de acesso à internet é considerado básico por especialistas de diferentes áreas. “O acesso à internet e à telefonia são fundamentais para diversas oportunidades, desde as profissionais, como conseguir um trabalho ou gerar renda empreendendo. Várias outras necessidades são muito facilitadas com a conexão, inclusive determinados serviços públicos. Para não falar em acesso à informação, a fontes importantes de conhecimento e educação. São uma série de oportunidades que são muito limitadas ou até suprimidas entre pessoas que não têm acesso à internet ou um acesso de má qualidade”, reflete o diretor de pesquisa quantitativa do Instituto Locomotiva, que produz estudos sobre o tema, João Paulo de Resende Cunha.
Falta de internet barra futuro de estudantes
Em Medeiros, quem estuda a distância acostumou-se a assistir às videoaulas só de madrugada, quando a demanda pela internet na vizinhança é menor. Na sala de aula da professora Josélia Maria de Souza, de 44 anos, na escola municipal do distrito, ainda se utiliza quadro negro com giz, mas uma TV na parede promete um mundo de aprendizado multimídia. Na prática, o wifi da escola não consegue reproduzir vídeos. Quando a televisão, hoje estragada, funcionava, a alternativa era voltar a hábitos de uma década atrás. “Para trazer alguma coisa de mídia para sala, precisamos, primeiro, baixar esses vídeos usando uma internet melhor e com tempo, colocar em um pen drive ou em um CD e depois passar na sala”.
Ao chegar cansada do trabalho, Josélia não consegue relaxar no sofá com uma série ou vendo stories de amigos no Instagram. “A gente nem coloca Netflix, porque não vai abrir. Às vezes, você quer ver um status de uma pessoa no WhatsApp e não consegue, porque demora muito a abrir”. A precariedade da internet a preocupa muito além disso, e coloca em jogo a educação de sua filha, prestes a se formar no ensino médio. “Minha filha tem intenção de fazer uma faculdade. Ela poderia fazer a distância, mas, se não melhorar a internet, não vai ter condições. Ou vai ter que ir embora para outro lugar, ou ir de ônibus para outra cidade todo dia. Isso atrapalha os estudos”.
Programa tenta levar sinal ao interior, mas depende da vontade das operadoras
É o dinheiro, e não necessariamente questões técnicas, que fica entre as zonas rurais e o pleno acesso à internet. É o que avalia o pró-diretor de pós-graduação e pesquisa do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), José Marcos Câmara Brito. “A questão é meramente econômica, e não técnica. Há um custo de instalação e de operação, e alguém tem que pagar por isso. Em uma região rural, com baixa densidade populacional, a quantidade de pessoas que seriam clientes do sistema é muito pequena. Então, economicamente, a equação não para de pé”, diz.
Ainda assim, ele reforça que a internet é uma necessidade básica. “Sem ela, há uma divisão digital que leva a uma desigualdade social brutal. As pessoas precisam de informação para poder evoluir e competir. É um item de primeira necessidade, infelizmente”, diz. O próprio governo do Estado concorda que o acesso à rede é, hoje, primordial. “Ele faz parte da cidadania. A internet traz informação, acesso ao serviço público, cultura, turismo, desenvolvimento econômico. A expansão dela é benéfica para todos os envolvidos”, enfatiza o superintendente Central de Governança Eletrônica da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG), Fabrício de Barros Salum.
O programa “Alô, Minas!”, do governo do Estado, é uma parceria com as operadoras para levar internet a áreas rurais ou remotas. Por meio de um edital, o governo isenta as operadoras de pagar ICMS pela instalação de antenas de telefonia e 4G nessas regiões. O limite, até então, é de R$ 500 mil — isto é, se a instalação custar R$ 500 mil, a empresa deixa de pagar esse valor de ICMS relativo a ela.
Na primeira fase do programa, foram identificadas 297 localidades que precisavam de rede, das quais 157 atraíram interesse das operadoras. Em 130, as antenas foram instaladas. Nas restantes, a previsão é concluir o trabalho até junho deste ano. O governo selecionou mais 68 locais, cujo edital de convocação de operadoras ainda será aberto. Entre eles, está Medeiros, visitado pela reportagem. Mais 61 locais serão contemplados no edital do leilão do 5G da Anatel, que prevê fornecimento de rede em rodovias federais e áreas remotas.
Empresas locais garantem alguma internet a distritos sem sinal
Com um bezerro passeando próximo, no meio do mato alto, em uma escada que sai da carroceria de uma caminhonete, um homem manuseia cabos em um poste de madeira. É a esperança de uma conexão melhor para os cerca de 300 clientes da empresa local de internet fixa de Medeiros. Primeiro, ela ofereceu internet por satélite, que ela própria admite não ter funcionado bem; depois, por rádio, reclamação constante dos moradores; agora, será fibra ótica.
“Tem muito eucalipto atrapalhando o sinal de rádio aqui. Mas, hoje em dia, o pessoal fica sem água, mas não fica sem internet. Em uma cidade, em uma casa tinha uma tomada, uma lâmpada, buscavam água no balde, mas instalaram internet”, diz o dono da empresa, Glauber Geraldo Dias Martins, 33.
O professor do Inatel José Marcos Câmara Brito argumenta que as empresas locais são uma opção essencial nas pequenas cidades de Minas: “quem resolve o problema no interior são os empreendedores locais, e não as grandes operadoras. A questão continua sendo o custo. O acesso à internet custa R$ 70, R$ 200, dependendo do plano, e isso é muito dinheiro para uma parcela da população”.
Nem em BH internet cobre todos os bairros
A situação é mais dramática na zona rural, mas também existem vácuos de internet na capital. Aos pés da Serra do Curral, no bairro Pirineus, na região Leste de Belo Horizonte, a motorista de aplicativo Alexandra Queles de Jesus, 25, conta que só tem sinal de telefone “em um círculozinho no quintal”.
“É um bairro residencial, perto do centro, não fica isolado, mas não pega internet. Além de não ter sinal no celular, não tem internet fixa da Net, da Vivo… Televisão aberta também não pega”, conta. Ela reclama, ainda, que a luz cai frequentemente, o que deixa a família incomunicável por telefone, já que ela só consegue realizar ligações com o wifi ligado, fornecido por uma empresa local.
“No mês passado, quando choveu muito, fiquei sem internet e sem luz. Tenho um filho de dois anos, fui com ele para casa com uma lanterninha, peguei kits de higiene básicos e desci até o Vera Cruz, na casa da minha tia. Ficamos lá até a hora de dormir, para voltar para casa só para deitar na cama. Quase 24 horas sem luz e internet”, conclui.
O que dizem as operadoras
A reportagem procurou quatro das principais operadoras do Brasil — Algar, Claro, Tim e Vivo. Em nota, a Algar confirmou que participa do programa “Alô, Minas!” em oito localidades e demonstrou interesse em continuar a levar 4G e telefonia a localidades remotas. A reportagem aguarda retorno das demais operadoras.
A Vivo também atestou que cobre 20 localidades por meio do programa, além de outras 841 em outros programas do governo estadual. A Claro afirmou que abarca 89 cidades no “Alô, Minas!”, além de antenas que cobrem rodovias.
A TIM, por sua vez, disse que cobriu as localidades previstas no programa antes do prazo e que foi a primeira operadora a ativar o sinal 4G na sede de todos os 853 municípios, em junho de 2022.
FONTE O TEMPO