População se une em defesa da preservação ambiental e cultural do território; Ferro+ enfrenta resistência e trabalhadores declaram estado de greve
A comunidade do Pires, em Congonhas, marcou forte presença na audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater o Projeto de Lei nº 1.367, que propõe o a criação do Monumento Natural Serras do Pires. A iniciativa, de autoria da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), busca proteger o patrimônio natural e cultural da região diante da expansão das atividades minerárias no entorno.
Durante o encontro, realizado com ampla participação popular, a deputada destacou que o projeto enfrenta “tramitação difícil devido aos interesses econômicos envolvidos”, mas reforçou a importância da mobilização popular na defesa do meio ambiente e da qualidade de vida dos moradores.

Comunidade protagonista
O secretário municipal de Meio Ambiente de Congonhas, João Luiz Lobo, mestre em biodiversidade da Serra do Pires, enfatizou o empoderamento da comunidade local. Segundo ele, os moradores devem ser protagonistas nas decisões que envolvem a expansão da mineração pela empresa Ferro+, do Grupo J. Mendes. “Como aqui no Pires e em Santa Quitéria, tem se espalhado uma inverdade de que os moradores estão sendo empecilho às mineradoras. Eles têm direitos legítimos sobre seus territórios, e vamos ouvir todas as suas demandas antes de qualquer decisão”, afirmou. “Queremos formar um grupo consultivo para decidir sobre a mineração aqui”, completou o secretário.
No início de agosto, a empresa realizou uma audiência para apresentar o projeto de expansão, que prevê também a disposição de estéril e rejeitos nas áreas próximas à serra — o que gerou forte reação da população local. O objetivo da reunião foi a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), documentos que subsidiam o processo de licenciamento do novo empreendimento minerário. O projeto visa estender as atividades da Ferro+ até o ano de 2052, ampliando sua área de atuação para mais de 170 hectares nos municípios de Congonhas e Ouro Preto, nas proximidades dos distritos de Pires e Mota.

“Enquanto o Pires produz milhões, o povo sofre”
O presidente da Câmara Municipal de Congonhas, Averaldo Pica Pau (PL), comparou a riqueza gerada pela mineração à precariedade enfrentada pela comunidade. “Enquanto o Pires produz milhões em mineração, a localidade padece de falta de água tratada, saneamento básico e infraestrutura. Não podemos abrir mão da Serra do Pires, nem do Esmeril, diante do avanço descontrolado da mineração”, declarou. Ele também chamou atenção para os impactos na qualidade do ar. “Congonhas tem 20 vezes mais poeira do que o preconizado pela Organização Mundial da Saúde.”
Patrimônio natural e cultural ameaçado
O historiador e ambientalista Hugo Cordeiro alertou para os riscos que a expansão minerária representa ao conjunto paisagístico de Congonhas, onde está localizado o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos e as esculturas dos Doze Profetas de Aleijadinho, tombadas pelo Iphan e reconhecidas como Patrimônio Mundial da UNESCO. “A Serra do Pires está bem à frente desse conjunto. Sua destruição ou descaracterização comprometeria a integridade visual, simbólica e histórica de um bem cultural de valor inestimável”, destacou.
A secretária de Desenvolvimento Social, Fátima Sabará, defendeu a soberania dos moradores na decisão sobre o futuro do território, enquanto a professora Lívia Andrade, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ressaltou a importância ecológica da região. A professora Lívia, da Universidade Federal de Ouro Preto, reforçou o bioma do campos rupestres para infiltração da água e diversidade de fauna, única e a maior do mundo. “São mais de 500 espécies existentes e 30, delas em risco de extinção. Vejo que a aqui há um estágio avançado de depredação do patrimônio natural”, considerou. “Defender a preservação do Serra do Pires é um ato de fé”, analisou Padre Claret, liderança do Movimento Atingidos pelas Barragens (MAB).
A professora Maria Márcia lembrou que a serra tem bilhões de anos de formação geológica, e o artista Zezeca resumiu o sentimento da comunidade em tom poético. “Se o ouro nos deixou uma Basílica, o que nos restará com a mineração?”

Trabalhadores em estado de greve
O diretor do Sindicato Metabase, Rafael Duda, informou que os trabalhadores da Ferro+ estão em estado de greve. Segundo ele, 91,84% dos funcionários da empresa rejeitaram a proposta patronal do Acordo Coletivo de Trabalho (2025/2026). “O Pires é um reflexo do que a mineração faz em diversas partes do Brasil”, afirmou, acrescentando que a empresa deve retomar as negociações ainda nesta semana.
“Se acabar com a serra, acabou o Pires”
Os moradores também denunciaram a perda de acesso às nascentes e áreas de convivência, que foram cercadas pelas mineradoras ao longo dos anos. “A comunidade perdeu seu território. Chegamos antes da mineração e exigimos respeito. Preservar nossa serra é um ato de amor”, disse Marlene Alves. “Se acabar com a serra, acabou o Pires”, resumiu a moradora Silvana.
A presidente da Associação de Moradores do Pires lembrou que também tramita na Câmara Municipal um projeto de lei para o tombamento da Serra do Pires, pedindo celeridade na aprovação. “Se estivermos unidos, não tem como a mineração entrar mais no Pires. Aqui é nossa casa, não da mineração”, afirmou. Já Ivana Lopes, moradora da comunidade, criticou a dependência em relação à empresa.

“Até a água é deles. Somos impedidos de entrar nas nossas nascentes. Perdemos diversas fontes de água ao longo dos anos. Aqui é território das mineradoras, e quando mostramos indignação, somos nós que somos taxados de empecilho. Esse discurso é falso.”
Um símbolo de resistência
A audiência marcou mais um capítulo da mobilização popular em Congonhas pela defesa da Serra do Pires — um território que, além de sua relevância ambiental e cultural, simboliza a luta de comunidades inteiras contra o avanço desordenado da mineração em Minas Gerais. A audiência encerrou como uma voz de resisência, pertencimento de uma comunidade, preservação de seus valores culturais e afetivos de um território.
- Foto Capa: Hugo Cordeiro/REPRODUÇÃO