Em março de 2020, por conta da pandemia, Unidades Básicas de Saúde (UBS) interromperam a marcação de consultas para acompanhamento, tratamento e prevenção de novas doenças, no SUS. Foram até 11 meses de paralisação de um serviço essencial do qual 7 em cada 10 brasileiros dependem para receber qualquer tipo de tratamento médico. Os dados recolhidos em 100 dessas Unidades Básicas de Saúde, na Região Sudeste, apontam que o represamento de doenças crônicas causado por essa paralisação pode gerar problemas ainda maiores para a saúde pública ao longo de 2021.
Das 100 UBSs analisadas até fevereiro deste ano, 44 haviam interrompido a marcação de novas consultas por pelo menos cinco meses, 18 funcionaram com redução dos agendamentos, 35 não atendiam ao telefone e nove unidades ainda não haviam retomado o agendamento de novas consultas, totalizando 11 meses de interrupção do sistema. De todas essas unidades, apenas 5% possibilitavam a marcação da consulta pelo telefone ou aplicativo. Nas demais, o agendamento deveria ser realizado apenas presencialmente, contrariando as recomendações da OMS sobre distanciamento social.
Segundo Elyne Engstrom, médica, pesquisadora, doutora e coordenadora do mestrado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a falta de um protocolo para a flexibilização do atendimento pode trazer graves consequências para o quadro clínico de alguns pacientes. “O que está acontecendo é uma barreira de acesso. Quando não há atendimento, a pessoa fica em casa, não se trata e o impacto é que muitas doenças evitáveis acabam aumentando, desde as doenças infecciosas até às doenças crônicas não transmissíveis. Existe uma lista de doenças precoces, diagnosticadas na Atenção Primária, que se você tratar, evitará mais internações. É essencial que a administração municipal acompanhe esse índice porque se o diabético complica, a equipe terá que lidar com a infecção descompensada, que pode gerar amputações do pé sem necessidade. Assim acontece também com o agravamento da hipertensão não assistida, que pode causar derrames, problemas de coração, infarte, doenças mentais, como depressão, e doenças neurológicas, como a epilepsia. Se mantivermos esse represamento sem estabelecer uma prioridade na linha de cuidados e realizar uma gestão de casos, teremos impactos sérios na saúde da população que vão ser sentidos em curto e médio prazo”.
O colápso do sistema, para além da Covid-19
Mesmo com a recomendação da Organização Mundial da Saúde para que fosse respeitado o distanciamento social, em Unidades Básicas de Saúde no Jardim Fortaleza, em Guarulhos, São Paulo, na Gávea e Vila Isabel, no Rio de Janeiro, o paciente era obrigado a estar presente na unidade antes de seu horário de abertura, às 7h da manhã, para disputar uma vaga. Quando conseguia, esse paciente se deparava com locais aglomerados e com fila de espera de até quatro horas.