20 de abril de 2024 10:33

‘Não tem o que festejar, parabenizar ou exaltar’, diz tenente-coronel Adilson Souza sobre caso Lázaro

Lázaro Barbosa foi capturado e morto pela polícia nesta segunda (28) após 20 dias de buscas em Goiás, suspeito de ter cometido cinco homicídios; morte de criminoso foi celebrada por policiais e autoridades

Vídeos de policiais da Rotam (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas) de Goiás comemorando enquanto transportavam Lázaro Barbosa Sousa, 32, da viatura para uma ambulância reverberaram nas redes sociais e na imprensa depois de 20 dias de buscas e de cobertura intensa, principalmente, em telejornais, que acompanhavam em tempo real a movimentação de uma força-tarefa que envolvia cerca de 270 policiais, entre militares, rodoviários, civis, federais, corpo de bombeiros e diretoria penitenciária de Goiás e do Distrito Federal. Fotos do corpo do homem, que morreu nesta segunda-feira (28/6), também foram compartilhadas por aplicativos de mensagem. Ele é suspeito de ter cometido cinco homicídios em Ceilândia (DF) e estaria envolvido em mais de 30 crimes.

De acordo com o secretário de Segurança Pública de Goiás, Rodney Miranda, em coletiva de imprensa, Lázaro “descarregou a pistola” contra policiais. “Não tivemos outra alternativa a não ser revidar”. Ele ainda teria sido socorrido com vida e encaminhado ao Hospital Municipal Bom Jesus, em Águas Lindas de Goiás, mas teria morrido no trajeto. Com Lázaro, disse Miranda, havia R$ 4,4 mil no bolso e que está sendo investigada a possibilidade dele ter recebido ajuda enquanto estava foragido. “Há informação de que ele atuava como jagunço e segurança de algumas pessoas”, declarou. A ex-esposa de Lázaro foi detida por suspeita de tê-lo abrigado e um fazendeiro também foi levado à polícia após o fugitivo ter se escondido por cinco dias na sua propriedade.

Pelo Twitter, o governador do estado Ronaldo Caiado (DEM) comemorou a captura de Lázaro, horas antes de ter sido confirmada a morte. “Era questão de tempo até que a nossa polícia, a mais preparada do país, capturasse o assassino Lázaro Barbosa. Parabéns para as nossas forças de segurança. Vocês são motivo de muito orgulho para a nossa gente. Goiás não é Disneylândia de bandido”, disse.

Em meio a todo o pânico instaurado pelas buscas, um jovem de 23 anos, com deficiência intelectual, foi morto pela Polícia Civil no Maranhão por postar imagem no Instagram supostamente exaltando Lázaro Barbosa. Segundo a família de Hamilton Bandeira, três policiais invadiram a casa e o balearam na frente do avô. “Meu filho entrou no quarto e deitou na cama. Quando o avô dele sentou para comer, os policiais chegaram e perguntaram se tinha mais alguém na casa. Foi quando o avô levantou da cadeira e falou: ‘estou só eu e o meu neto’. Nesse momento, Hamilton se levantou da cama, abriu a cortina [o quarto não tem porta] e, sem poder dizer nada, tomou três tiros seguidos, sem ele poder nem se defender”, relatou à Ponte Ana Maria Lima Dias, 41, mãe do rapaz. 

A morte do jovem gerou revolta no povoado de Calumbi, perto de Presidente Dutra, no interior do estado, distante cerca de 350 km da capital São Luís, e houve protestos. O Ministério Público Estadual pediu a exumação do corpo de Hamilton para investigação do caso.

Especialistas entrevistados pela Ponte também apontaram que todo o cenário que se criou pela imprensa diante da operação de buscas gerou “insegurança pública” diante de selfies de policiais resgatando reféns, narrativas de preconceito com invasão de terreiros de religiões de matriz africana e defesa de armamento civil.

O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) postou em seu Twitter “Lázaro: CPF cancelado!”, um jargão usado em meios policiais para caso de execução para comemorar a morte do fugitivo.

Para o tenente-coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo, mestre em Direitos Humanos e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) Adilson Paes de Souza, o que era para ser uma operação policial, “virou uma caçada”, sem nenhum tipo de planejamento. “Parece que nós estamos assistindo um filme de safári e os caçadores exibiram o corpo do animal morto como troféu”, critica.

Ele, que estuda os motivos para policiais matarem, argumenta que o resultado morte nunca deve ser celebrado e que o objetivo é sempre a preservação da vida. “Esse episódio é mais uma comprovação da falência do nosso sistema de justiça num Estado Democrático de Direito. Nós não vivemos de fato em uma democracia, ainda mais turbinada por falas irresponsáveis da pessoa que ocupa o cargo de presidente da República”.

À reportagem, Adilson analisa a operação das polícias no caso e a repercussão que gerou.

Ponte – Como você avalia a atuação das polícias nas buscas?

Adilson Paes de Souza – Eu critico de forma veemente a atuação das forças de segurança, a atuação de parte da imprensa que criou um clima de caçada e alimentou isso por meio da busca de audiência que colaborou muito para que as pessoas desenvolvessem um pânico para uma situação que já era grave por si só e que foi fortalecida. Isso ajudou a exacerbar os ânimos da opinião pública e das forças policiais também. Na atuação das forças de segurança, faltou competência. Não dá para acreditar que uma pessoa fez o que fez, desapareceu, e os efetivos da polícia não conseguiram localizá-la. Faltou, na minha opinião, uma atuação coordenada, planejada e inteligente do emprego dos recursos da polícia. Ao invés de virar uma operação, virou uma caçada.

Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da PM e pesquisador: ‘Parece que nós estamos assistindo um filme de safári’ | Foto: Reprodução / Facebook

É importante frisar que o Lázaro é uma pessoa que apresentava alto grau de periculosidade para sociedade, cometeu crimes graves, havia todo um cuidado envolvendo a figura do Lázaro enquanto em liberdade, mas, por sua vez, as forças policiais num Estado Democrático de Direito não podem se envolver num clima de caçada e o corpo de qualquer pessoa não pode ser exibido como um animal. Parece que nós estamos assistindo um filme de safári e os caçadores exibiram o corpo do animal morto como troféu. Isso que deu para notar nas imagens.

Mortes de pessoas não se comemoram e mortes de pessoas, por mais perigosas que sejam, devem ser evitadas ao máximo. A morte é aceitável quando é o último recurso, em termos éticos e termos profissionais dentro da escala de proporcionalidade [do uso da força]. Eu vi fotos do corpo do rapaz. Muitos tiros ao redor do peito, muitos deles fazendo um desenho de círculo na região do coração que evidencia que houve execução sumária extrajudicial. Nada permite isso, se é que queremos viver num Estado Democrático de Direito. Não tem nada o que festejar, o que parabenizar, o que exaltar. Morte não se exalta.

Ponte – O que propiciou esse clima de exaltação da morte? O presidente publicou no Twitter ‘Lázaro: CPF cancelado’…

Adilson Paes de Souza – O presidente da República usa linguajar que é de quem pratica extermínio e de marginal miliciano. É triste ver que nosso presidente da República, e eu sinto cada vez mais vergonha de ter uma pessoa com esse tipo de linguajar e com outras práticas sendo presidente, atuando assim. Com essa atuação, ele desonra, a cada momento, o cargo que ele ocupa. Ele não tem noção do que é ser presidente da República. Isso estimula mais violência. Essa fala, além de representar tudo o que ele pensa em relação ao ser humano, tem uma fala de cunho corporativista. Ele está fazendo amplos movimentos em relação às classes policiais, buscando apoio delas, para uma aventura antidemocrática. Essa fala tem essa finalidade também.

Em relação à atuação dos policiais, era nítido que esse rapaz tinha tudo para ser morto porque um clima de caçada se instalou e era uma questão de honra, uma certa honra do grupo de trazer o corpo como troféu pela morte. É isso que a polícia buscou: eliminar, executar mais um inimigo da sociedade. Volto a falar que as fotos mostraram execução. Não dá para sustentar a tese de confronto, mas esperemos o laudo pericial. Toda a pressão e cobrança devem ser exercidas em cima do Ministério Público, que tem a obrigação de apurar convenientemente os fatos, com todo o rigor, e exercer o controle externo da atividade policial.

Ponte – Era possível a busca de uma pessoa de alto grau de periculosidade sem o resultado morte? A morte prejudica as investigações?

Adilson Paes de Souza – Sim, tudo vai depender do contexto final. O contexto que se apresentou, em cima dos festejos, das reações com festa, com euforia dos policiais, se evidenciando que houve uma caçada, e as fotos do corpo do rapaz denotam que houve execução. Uma operação que é bem conduzida e com inteligência poderia, sim, ter conduzido outro resultado. Seria interessantíssimo ter capturado o Lázaro com vida para saber se realmente havia uma rede de suporte a ele, qual a ação e gravidade dessa rede e até mesmo como ele conseguiu fugir [da prisão] e permanecer tanto tempo fugitivo do sistema prisional. Isso ajudaria a esclarecer falhas existentes no sistema, mas optou-se pela morte e não tem como esclarecer.

Eu estive na Noruega durante o doutorado. Em 2011, houve um atentado terrorista lá, um cidadão norueguês matou no total 74 pessoas, sendo 68 adolescentes numa ilha de Utóia. Quando ele se viu cercado por policiais que estavam no matagal, ele se rendeu, ele jogou o fuzil dele no chão. Eu perguntei para os policiais por que eles não o executaram, para entender o limite deles. Eles falaram ‘nós estamos aqui para compor o sistema de justiça, se nós executássemos, não estaríamos atuando nesse sentido’. Eu acho que falta para a polícia [no Brasil] entender o papel dela numa sociedade que se diz democrática. A gente só tem a lamentar esse resultado.

As pessoas que criticam ‘ah, lá vem o pessoal dos direitos humanos’, eu fico pensando o seguinte: tomara que nenhum desses policiais passe por uma situação de alguém da sua família, ou ele mesmo, seja confundido com um marginal, e ser executado achando que é marginal e depois descobre o equívoco, só que não tem volta. A melhor resposta que a gente pode dar para essas pessoas é que não queiram para outros o que não se quer para você.

Ponte – Como não instituir esse clima de caçada nas polícias?

Adilson Paes de Souza – Essa é uma pergunta difícil de responder. Os policiais confundem os papéis deles, se entendem como super-heróis que detêm superpoderes, já escrevi muito sobre isso. Ao se perceberem como super-heróis, eliminar é um desses superpoderes. É uma confusão total dos limites da atuação da polícia e do que é ser de fato policial numa sociedade democrática. Esse episódio é mais uma comprovação da falência do nosso sistema de justiça num Estado Democrático de Direito. Nós não vivemos de fato em uma democracia, ainda mais turbinada por falas irresponsáveis da pessoa que ocupa o cargo de presidente da República.

Ponte – Vi comentários nas redes sociais de que a morte do Lázaro traria mais segurança para a cidade. O próprio governador de Goiás, Ronaldo Caiado, declarou que ‘Goiás não é Disneylândia de bandido’. Como o senhor avalia isso?

Adilson Paes de Souza – Se matar pessoas ditas como inimigas da sociedade ou marginais perigosos resolvesse a situação, o Brasil seria melhor do que a Noruega porque aqui se mata muita gente e cada vez as pessoas estão vivendo com cada vez mais medo e mais insegurança. Essas pessoas, e vamos assistir muita gente falar nesse sentido, parabenizando órgãos de polícia, determinados veículos de imprensa exacerbando a cobertura por esse viés, mostra que populismo dá voto e populismo vende, dá lucro. As pessoas estão preocupadas com isso, não estão preocupadas com a vida de ninguém.

FONTE PONTE ORG

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