Seca e desmatamento aproximam Amazônia do ponto de não retorno

Novos estudos de pesquisadores brasileiros e do exterior lançam um alerta grave sobre o futuro da maior floresta tropical do mundo

A recente seca na Amazônia pode ser o “primeiro sinal de alerta” de que a floresta tropical está se aproximando de um ponto crítico, diz uma nova pesquisa. A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e recebe de 2000 mm a 3000 mm de chuva todos os anos. No entanto, a intensificação das secas e o desmatamento significam que partes da floresta já começar a secar.

O estudo, publicado na Science Advances, conclui que o desmatamento está atrasando o início das monções sul-americanas, levando à redução das chuvas na Amazônia. Os autores alertam que o desmatamento contínuo poderá levar a região a ultrapassar um ponto de inflexão em que a redução adicional e rápida das chuvas mataria vastas áreas de árvores.

Nos últimos 40 anos, a estação seca da Amazônia já se tornou mais longa, constata o estudo. Este pode ser o sinal de alerta precoce de que os sistemas combinados de floresta tropical e de monções da América do Sul estão se aproximando de um limiar crítico, dizem os autores.

Os autores também enfatizam a importância do trabalho experimental em andamento para quantificar os impactos do aumento da temperatura e do CO2 na floresta amazônica, para que os cientistas possam produzir modelos mais precisos das ligações entre o desmatamento e as chuvas.

A região contém cerca de 400 mil milhões de árvores e abriga pelo menos 10% das espécies conhecidas no mundo. É também um importante reservatório de carbono, contendo mais de 120 mil milhões de toneladas de carbono na sua vegetação e solo.

A floresta “recicla” grande parte da chuva de volta à atmosfera por evapotranspiração – o movimento da água da terra para a atmosfera por meio de uma combinação de evaporação e transpiração.

Grande parte dessas chuvas vem das monções sul-americanas, que são impulsionadas em parte pela diferença de temperatura entre a quente floresta amazônica e o oceano Atlântico, mais frio. No entanto, à medida que as secas se tornam mais intensas e frequentes, o clima úmido da Amazônia começa a secar, matando árvores ou tornando-as menos resistentes a mudanças futuras. A tendência contínua de seca é exacerbada pelo desmatamento e pelos incêndios florestais. Cerca de 20% da Amazônia já foi desmatada e outros 6% estão “altamente degradados”.

Estudos anteriores sugeriram que a Amazônia poderia ser empurrada para além do seu ponto crítico se a perda florestal exceder 40%. Neste nível de desmatamento, a evapotranspiração na Amazônia reduziria significativamente, levando mais árvores a morrer por falta de água.

Para investigar a ligação entre o desmatamento na Amazônia e as chuvas, os autores do estudo produziram um modelo de transporte de umidade na América do Sul que simula como o ar se move pela Amazônia. O modelo inclui feedbacks importantes entre a vegetação, a umidade do solo e a atmosfera.

RAFA NEDDERMEYER/AGÊNCIA BRASIL/EBC
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Os autores constatam que o desmatamento reduz a quantidade de água liberada na atmosfera por meio da evapotranspiração. A queda na umidade atmosférica provoca uma redução nas chuvas. Para formar gotas de chuva, o vapor d’água na atmosfera se condensa em água líquida, liberando energia na forma de calor.

Como resultado, a diferença de temperatura entre a quente floresta amazônica e o mais frio oceano Atlântico torna-se menos pronunciada. Isto pode causar atrasos no início da estação chuvosa na Amazônia e um prolongamento da estação seca, resultando em solos mais secos e maior mortalidade de árvores.

O professor Dominick Spracklen, professor de interações biosfera-atmosfera na Universidade de Leeds da Inglaterra, observa que incluir este feedback complexo entre a floresta e a atmosfera torna o sistema floresta tropical-monções “mais sensível ao desmatamento, em comparação com muitos estudos anteriores que não incluíram este feedback”.

Os autores do estudo concluem que se a desmatamento ultrapassar um “limiar crítico”, a precipitação poderá diminuir entre 30-50% em apenas alguns anos, empurrando o sistema para além de um ponto de inflexão e danificando ou matando grandes áreas da floresta.

ALEX PAZUELLO/SECOM-AM
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Se um ponto de inflexão na Amazônia for ultrapassado, grandes seções de floresta tropical exuberante poderão se transformar em uma savana seca. Este processo de “savanização” levaria décadas para surtir pleno efeito, mas uma vez iniciado, o processo é difícil de reverter. Os impactos indiretos para o resto do planeta poderiam ser profundos.

Os autores descobriram que entre 1979 e 2019, o solo na Amazônia tornou-se mais seco. Descobriram também que a estação seca dura agora entre cinco e 15 dias a mais do que costumava – o que significa que a região está a receber menos chuvas, em média, do que há quatro décadas. Isto indica que o sistema monção-floresta perdeu estabilidade nas últimas décadas, afirmam. Este pode ser o primeiro sinal de alerta de que um ponto de inflexão se aproxima, acrescentam.

Outro estudo mostrou como a perda florestal agrava o aquecimento no Norte do Brasil. O desmatamento na Amazônia faz com que superfícies terrestres de até 100 quilômetros de distância fiquem mais quentes, de acordo com um novo estudo. A investigação, realizada por uma equipa de cientistas britânicos e brasileiros, liderada pelo Dr. Edward Butt, da Universidade de Leeds, sugere que as florestas tropicais desempenham um papel crítico no arrefecimento da superfície terrestre – e esse efeito pode ocorrer ao longo de distâncias consideráveis.

Sabe-se que quando as florestas tropicais são desmatadas, o clima nas imediações fica mais quente. Neste último estudo, os investigadores queriam saber se o desmatamento estava causando aquecimento climático mais distante, e o estudo examinou o impacto da perda florestal em locais até 100 quilômetros de distância.

Edward Butt, pesquisador da Escola de Terra e Meio Ambiente de Leeds, disse que “compreender o impacto da perda florestal na Amazônia é de importância crítica”. Segundo ele, “o mundo está mais quente como resultado das alterações climáticas. É importante que compreendamos como a redução da cobertura florestal do ecossistema amazônico está contribuindo para o aquecimento climático”.

GUSTAVO BASSO/NURPHOTO/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Como parte do estudo, os pesquisadores combinaram dados de satélite sobre a temperatura da superfície terrestre e a perda de florestas na Amazônia para o período de 2001 a 2020. O estudo, “O desmatamento da Amazônia causa forte aquecimento regional”, foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Ciências.

Os dados foram analisados em 3,7 milhões de locais em toda a bacia amazônica. Os pesquisadores compararam o aquecimento ocorrido em regiões com níveis variados de desmatamento local e regional. Os pesquisadores classificaram o desmatamento num raio de 2 km de um ponto de coleta de dados como local. Se estivesse mais longe, entre 2 e 100 quilômetros de distância, era classificado como regional.

Analisando os dados, os cientistas descobriram que nas áreas onde houve pouco desmatamento, tanto local como regionalmente, a mudança média na temperatura da terra durante o período de 2001 a 2021 foi de 0,3°C. Locais com 40% a 50% de desmatamento local, mas pouco desmatamento regional, aqueceram em média 1,3°C. Em comparação, em áreas com desmatamento local e regional, o aumento médio da temperatura foi de 4,4°C.

Escrevendo no artigo, os pesquisadores acrescentaram: “O aquecimento regional devido ao desmatamento da Amazônia terá consequências negativas para os 30 milhões de pessoas que vivem na bacia amazônica, muitas das quais já estão expostas a níveis perigosos de calor”.

Os cientistas também analisaram como o desmatamento futuro poderia aquecer ainda mais a Amazônia brasileira ao longo dos 30 anos a partir de 2020. Eles analisaram dois cenários, um em que o Código Florestal é ignorado e as áreas protegidas não são salvaguardadas. A segunda, onde existe alguma proteção. No Sul da Amazônia, onde a perda florestal é maior, a redução do desmatamento teria o maior benefício, reduzindo o aquecimento futuro em mais de 0,5°C no estado do Mato Grosso.

O desmatamento na floresta amazônica em 2023 caiu pela metade em relação ao ano anterior, atingindo o nível mais baixo desde 2018, mostraram dados do governo . De acordo com dados preliminares de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 5.153 quilômetros quadrados da Amazônia foram desmatados em 2023, uma queda de 49,9% em relação a 2022. O número, porém, é ainda muito alto e equivale a dez vezes a área da cidade de Porto Alegre.

FONTE METSUL

Cidades de 2.500 anos são descobertas na Amazônia

Hoje cobertas pela floresta, vilas conectadas por estradas reuniam até 30 mil pessoas no Equador – comparável à população de Londres na era romana. Rede de casas e campos é mil anos mais antiga que achados anteriores.

A ideia de que a Amazônia era pouco habitada antes da chegada dos europeus cai cada vez mais por terra. Arqueólogos descobriram um conjunto de antigas cidades que abrigaram milhares de pessoas há cerca de 2.500 anos – e que estão hoje escondidas debaixo da floresta.

Uma série de estradas enterradas e montes de terra no Equador foi notada pela primeira vez há mais de duas décadas pelo arqueólogo Stéphen Rostain. Mas, à época, “eu não tinha certeza de como tudo se encaixava”, disse o francês, um dos pesquisadores que relataram a descoberta na revista científica Science na quinta-feira (11/01).

Um mapeamento recente realizado com tecnologia de sensor a laser revelou que esses locais faziam parte de uma densa rede de cidades ligadas por estradas e canais, escondida nas encostas arborizadas dos Andes e que durou cerca de mil anos.

“Era um vale perdido de cidades”, afirmou Rostain, que é diretor de pesquisa no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França. “É incrível.”

Os assentamentos no Vale do Upano, no leste do Equador, foram ocupados entre cerca de 500 a.C. e 300 a 600 d.C. – um período mais ou menos contemporâneo ao Império Romano na Europa.

É mais de mil anos antes do que qualquer outra sociedade complexa da Amazônia que se tinha conhecimento. Machu Picchu, no Peru, por exemplo, foi construída no século 15. A descoberta, portanto, muda o que se sabia sobre a história das civilizações antigas amazônicas, que, segundo as evidências até então, teriam vivido como nômades ou em pequenos assentamentos.

“Estamos falando de urbanismo”
Os pesquisadores identificaram cinco grandes assentamentos e dez menores em 300 quilômetros quadrados, cada um densamente preenchido por estruturas residenciais e cerimoniais. Eles encontraram evidências de 6 mil montes de terra que teriam sido a base dessas construções.

As cidades eram intercaladas por campos agrícolas retangulares e cercadas por terraços nas encostas, onde os habitantes plantavam diferentes itens, como milho, mandioca e batata doce – encontrados em escavações anteriores na região.

A área fica à sombra de um vulcão que possibilitou solos ricos para agricultura – mas que também pode ter levado à destruição da sociedade.

Estradas largas e retas ligavam as cidades umas às outras, e as ruas corriam entre as casas e os bairros de cada assentamento. As maiores estradas tinham 10 metros de largura e se estendiam por 10 a 20 quilômetros.

“Estamos falando de urbanismo”, afirma o coautor do estudo Fernando Mejía, arqueólogo da Pontifícia Universidade Católica do Equador.

Uma sociedade complexa

Embora seja difícil estimar as populações, o local abrigava pelo menos 10 mil habitantes, possivelmente até 15 mil ou 30 mil em seu auge, segundo o arqueólogo Antoine Dorison, coautor do estudo. O número é comparável à população estimada de Londres na era romana.

“Isso mostra uma ocupação muito densa e uma sociedade extremamente complexa”, afirmou o arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, que não participou do estudo.

José Iriarte, arqueólogo da Universidade de Exeter, no Reino Unido, disse que teria sido necessário um sistema elaborado de trabalho organizado para construir todas essas estradas e milhares de montes de terra.

“Os incas e os maias construíam com pedra, mas a população na Amazônia geralmente não tinha pedra disponível para construir – construía com lama. Ainda assim, é uma quantidade imensa de trabalho”, afirmou Iriarte, que não participou da pesquisa.

A Amazônia é frequentemente vista como uma “região selvagem intocada com apenas pequenos grupos de pessoas. Mas as descobertas recentes nos mostraram como o passado é realmente muito mais complexo”, completou o arqueólogo.

A tecnologia de mapeamento

A nova descoberta no Equador foi possível graças a uma tecnologia de mapeamento chamada Lidar. Ela permite que os pesquisadores vejam através da cobertura florestal e reconstruam os antigos locais abaixo dela.

“[Lidar] está revolucionando nossa compreensão da Amazônia nos tempos pré-colombianos”, disse Carla Jaimes Betancourt, arqueóloga da Universidade de Bonn, na Alemanha, que não participou do estudo.

A descoberta de uma rede urbana tão antiga no Vale do Upano destaca a diversidade há muito não reconhecida das antigas culturas amazônicas, que os arqueólogos estão apenas começando a reconstruir.

Recentemente, cientistas encontraram evidências de sociedades da floresta tropical que antecederam o contato europeu em outros lugares da Amazônia, inclusive no Brasil e na Bolívia.

“Sempre houve uma diversidade incrível de pessoas e assentamentos na Amazônia, não apenas uma única forma de viver”, disse Rostain. “Estamos apenas aprendendo mais sobre eles.”

ek/bl (AP, Science, ots)

FONTE DW

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