Garimpando- “A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS” – 2

                                  Avelina Maria Noronha de Almeida

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A porta de entrada da casa de Elir e Sebastiana  nunca se fechava. Entravam e

saíam sem parar os vizinhos, acolhidos com muita amizade.

Belos tempos de convivência aqueles em que

as portas podiam ficar abertas…

 

            Continuo a seguir os passos do cronista do princípio do século XX, João do Rio, visitando a alma encantadora das ruas, sendo a primeira escolhida, já comentada no artigo anterior, a rua Duque de Caxias, antiga Chapada. Quando passo por lá, no trecho que vai do início da descida até a subida da Basílica do Sagrado Coração de Jesus – onde naquele tempo se erguia a singela Capela da Paz – entre casas modernas, lojas de roupas e outras especialidades, sapatarias, loja de móveis, salão de beleza, açougue, comércios diversos, consultórios, laboratório, farmácia, posto de gasolina, posto de saúde e tanta coisa mais, vou abstraindo magicamente do presente, mergulhando no passado, a alma encantadora da rua da Chapada, que me envolveu carinhosamente na minha infância, adolescência e mocidade.

            Antes de continuar com a imersão no clima daquela época encantada, vou falar sobre uma curiosidade. Achei, num livro da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, o testamento de um padre, escrito no princípio do século XX, no qual ele cita uma casa na rua da Chapada que,  atualmente, é rua Coronel João Gomes. Também no Museu Perdigão, num livro de impostos, vi registros de casas na rua que até hoje pertencem aos descendentes dos proprietários de então. E o nome estava muito bem posto naquela rua,

sabem por quê?

            Olhando no Google, como é definido o termo “chapada”? É um terreno com grande área plana no alto de um monte ou serra. Acontece que as palavras podem sofrer adulteração de sentido no decorrer dos tempos. E foi o que houve. Aquela rua cresceu, foi se espichando de casas, descendo o morro, até chegar na baixada, carregando o mesmo nome para local geográfico completamente diverso: descida e baixada. E o mais curioso é que, quando, no século XX, trocaram os nomes das ruas, a legítima chapada pela significação geográfica perdeu seu nome para rua Coronel João Gomes e onde não era chapada na característica topográfica continuou com o título, inadequado geograficamente, mas que o tempo consagrou. A mudança de nome para rua Duque de Caxias demorou. E hoje ainda muita gente, inclusive eu às vezes, indica o local com o nome antigo.

O âmago afetivo, a essência da alma da Chapada para mim era a casa citada no artigo anterior, morada de meu bisavô carpinteiro João José dos Santos e de sua família. Muito extensa, muitos metros de frente, um pouco afastada da rua, tendo à frente um gramado, para mim era um palácio. Na década de quarenta e cinquenta era a única casa sem pintura daquela rua. Paredes da frente, paredes do interior e chão, tudo de terra batida. Que cheirinho gostoso quando se entrava nela! Nunca me esqueci! E havia tanta coisa curiosa! Minha bisavó, descendente de índia puri, como dizem,“pega a laço”, tinha um tatu que era como um cachorrinho de estimação e andava atrás dela o dia inteiro. A casa não tinha luz. À noite, acendiam uma fogueira numa cavidade no chão da grande cozinha, e a família e os vizinhos, sentados em volta, ficavam contando casos, principalmente engraçados e muitas vezes de assombração.

O terreno atrás era enorme, hoje cortado pela rua Padre Lobo. Ali minha bisavó plantava amendoim que colhia e, juntamente com os coquinhos de muitos coqueiros, fazia doces para vender.

Um outro lugar encantador era a casa do Sr. Serafim Sana, com longas varandas, onde eu, menina, ia sempre com meu pai. Ficou vívida na minha memória a lembrança do dono da casa caminhando entre os canteiros de um jardim muito lindo.

E a oficina do Sr. Norberto Rocha, no fundo da qual eram feitas lindas quadrilhas?

Os moradores da rua era como se fossem uma grande família. Do lado da casa de paredes de terra, havia um belo bangalô com heras na parede. Uma graça! A porta de entrada dessa casa, cujos donos eram tio Elir e tia Sebastiana, nunca se fechava. Entravam e saíam sem parar os vizinhos como se estivessem na casa deles, sempre acolhidos com muita amizade. Belos tempos de convivência aqueles em que as portas podiam ficar abertas o dia inteiro…

Fico até com pena de sair do clima tão fascinante e cair no asfalto de hoje.

Oh! alma encantadora da antiga Chapada!…

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