Avelina Maria Noronha de Almeida
O SERVO DE DEUS
SEGUNDO CAPÍTULO
O VELHO SÓ VIA os pés de milho mirrados, morrendo devido à seca…
ESCRAVAS PASSARAM com suas trouxas na cabeça, rumo à fonte.
– A sua bença, sinhô!
– A sua bença, sinhô!
– A sua bença, sinhô!
Não respondeu. Nem ao menos balançou a cabeça numa demonstração de ter ouvido.
Passada a porteira, as escravas já podiam conversar livremente.
– Coitado do Coroné Bento! Tá tão tristinho…
– Coitado nada! Eu é qui sei, Joaquina. Aquilo é ruim qui nem cascavel… Tá é pagano as mardade. De Bento ele num tem nada! Só o qui ele fez cum a sinhazinha Francisca, né Belarmina? Já dava pra ele ganhá o inferno.
– Ué… O qui qui ocês sabe qui iô num sei?…
– Num si intrumete, Joaquina. Num é assunto procê. É coisa do capeta.
Um braço de vento forte sacudiu as folhas das bananeiras da margem do caminho.
– Cruz in Credo! Falá nele ele se achega arreliano com as bananeira…
As três se persignaram e saíram correndo.
– AIIIIIII!!!…
Ao ouvir o grito rouco, Severina veio correndo, aflita, e encontrou o velho esparramado na escada que ia para o terreiro.
– Qui é qui ôve, meu Nosso Sinhô Jesus Cristo! Qui qui foi Coroné? Ah!… Pruquê qui o sinhô foi descê a iscada?.. Sabi qui num pode. Sinhazinha Francisca recomendô tanto pru sinhô num descê iscada! Socorro, minha gente! Acode aqui!
Dois escravos que limpavam os chiqueiros vieram correndo.
Agarraram o velho pelos braços e o levaram para o quarto, depositando-o no catre.
O velho estava nervoso.
– Raios! Um homem como eu depender de escravos velhos para viver… Nunca pensei chegar a tal ponto…
A dor ficou forte na perna que já o estava incomodando desde cedo devido ao prurido. A pele brilhava avermelhada.
Severina ajeitou as cobertas e foi embora para a cozinha aprontar o almoço.
O VELHO SENTIU A BOCA SECA, os lábios crestados. Virou-se na cama e pegou a bilha em cima de um banco colocado ao lado do catre. Estava vazia. Não adiantava gritar as escravas. Com a porta fechada e elas lá na cozinha, não iam ouvir.
Conformou-se. O jeito era esperar a hora em que siá Joana viesse trazer o almoço.
Uma abelha entrou pela janela e zumbia… zumbia…
– Mais esta praga!…
O dia passou como os outros.
A rotina de sempre.
Um cheirinho gostoso se evolava do tacho grande, espalhando-se pela cozinha e encaminhando-se para o restante da casa. Doce de laranja da terra. Bastante cravo e canela para dar o gostinho.
Já anoitecia.
A velha Joana levou a tigela de mingau para o Coronel.
Quando voltou à cozinha, foi interpelada pela escravinha Joaquina:
– Vó Joana, qui qui aconteceu nos antigamente com sinhazinha Francisca?
– Num ti interessa. Vai drumi qui é mió.
Joaquina saiu resmungando.
(Continua)