Virgílio de Assis Ribeiro, 30, é frequentador assíduo dos bares no bairro Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte. Na volta para casa, geralmente de madrugada, ele sempre pegou carona com amigos que beberam tanto quanto ele ou até mais. O microempreendedor terá que mudar de comportamento se for aprovado um projeto de lei apresentado pelo senador Cidinho Santos (PR-MT), de número 221/2017, que prevê alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para punir também os passageiros que, de forma consciente, entrarem em um veículo conduzido por motorista que tenha bebido ou usado drogas.
“O objetivo do projeto é que as pessoas que andam como passageiros também sejam fiscais e corresponsáveis por aquele motorista”, explica o senador do Mato Grosso.
O parlamentar afirma que o texto original é apenas um norte. Detalhes, como os critérios de como o passageiro vai “avaliar o estado de embriaguez do motorista” e como o carona será responsabilizado, ainda serão debatidos.
O projeto foi protocolado no Senado em 11 de julho e no mesmo dia foi encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde aguarda designação de relator. Se o texto for aprovado pela comissão, segue diretamente para a Câmara Federal, onde serão definidas as comissões pertinentes. Depois, vai para votação dos deputados em plenário. Se houver mudanças, retorna para o Senado. Caso contrário, vai direto para a sanção ou o veto presidencial.
Punição. Hoje, quem dirige embriagado pode pegar de seis meses a três anos de prisão, além de pagar de multa de R$ 2.934,70, por infração gravíssima, ter sete pontos registrado no prontuário e o documento de habilitação retido. A embriaguez é considerada quando o teste do bafômetro detecta um nível de teor alcoólico por litro de ar expelido igual ou superior de 0,3 mg.
Para o senador, o projeto traz uma inovação simples, mas com potencial de gerar efeitos práticos positivos. O passageiro, acrescenta, tem consciência dos riscos quando entra no carro de um motorista embriagado e pode impedi-lo de assumir a direção. “O objetivo do projeto é que os passageiros também sejam fiscais responsáveis por aquele motorista, que, estando alcoolizado ou drogado, usa seu veículo para atropelar, matar, cometer crimes”, justificou. “A proposta tem efeito educativo e pode reduzir acidentes em vias públicas”, completou.
“Se passar, vou ter que colocar o motorista para fazer o ‘teste do quatro’ com as pernas”, brincou o microempresário Virgílio Ribeiro. Semelhante. No ano passado, o deputado federal Flávio Augusto da Silva (PSB-SP) apresentou um projeto que proibia que pessoas embriagadas se sentassem ao lado de motorista, como forma de impedir que a condução do veículo seja comprometida pelo passageiro. A proposta foi arquivada após ser rejeitada nas comissões da Câmara.
Provas. Para Dimas Gazolla, especialista em trânsito da UFMG, o projeto de lei ainda precisa definir critérios para a avaliação da embriaguez do condutor. “É preciso prova substancial”, disse.
SAIBA MAIS
Alterações. O Projeto de Lei 221/2017, de autoria do senador Cidinho Santos, altera o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23 setembro de 1997). Ela passa a prever a responsabilização do passageiro pelo crime de condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, quando concorre para o fato e conhece a condição do condutor.
Punição. O passageiro maior de 18 anos passaria a ser punido com as mesmas penas previstas para o condutor. Mesmo não estando ao volante e sóbrio, ele seria responsabilizado.
Hoje.De acordo com a lei atualmente em vigor, a pena para quem dirige sob o efeito de álcool ou drogas é de seis meses a três anos de prisão, multa de R$ 2.934,70 e suspensão da carteira por um ano. Mas, de acordo com o senador do Mato Grosso, a pena do passageiro e os critérios de avaliação do estado de embriaguez do condutor ainda serão definidos, durante a tramitação ou, caso aprovada a proposta, durante a regulamentação da nova lei.
O projeto de lei do senador Cidinho Santos é inconstitucional na avaliação do advogado constitucionalista Flávio Boson. “Ele tenta transferir para o particular o poder/dever do Estado, que é a fiscalização. Amplia a responsabilidade para quem não cometeu o delito. Acaba por violar o caráter personalíssimo da pena e o princípio de culpabilidade”, explica o especialista.
Além disso, ainda segundo o advogado, o projeto vai exigir que o passageiro faça o que somente um perito médico poderia atestar.
Para o professor do Departamento de Engenharia e Trânsito da UFMG Dimas Alberto Gazolla, a proposta ainda será bastante questionada juridicamente, inclusive porque o passageiro não tem como avaliar se o condutor estará embriagado ou drogado.
“Só será possível avaliar se o condutor apresentar sintomas visíveis, como não ter equilíbrio, ter a voz alterada, exalar cheiro de álcool. Mas, e quando o condutor estiver com o teor mínimo? O condutor pode estar com os reflexos alterados e não apresentar sintomas visíveis a olho nu”, explica. “A ideia do projeto é criar uma fiscalização além da do Estado, mas com critérios muito subjetivos”, concluiu.
Só 10% dos embriagados são flagrados em blitze efetuadas por embriaguez no trânsito de Belo Horizonte no ano passado, apenas 10% foram em blitze. Todas as demais ocorreram em acidentes ou em flagrantes por direção perigosa. Das 903 detenções, 92 foram nas ações da campanha “Sou pela vida, dirijo sem bebida”, conforme dados do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).