Na encruzilhada institucional
O Papa Francisco nesta última quarta-feira tocou num assunto que nos atinge a todos, sobretudo nestes tempos de redes sociais e neste território sem lei, chamado internet ou rede mundial de computadores. Ninguém sabe mais distinguir a verdade das tão comentadas “fake News”. O bicho está pegando e ninguém sabe para onde ir. Desde 1972, o Papa Paulo VI escolhera para o Dia das Comunicações Sociais o tema da informação “a serviço da verdade”. Precisamos de um jornalismo que “não queime as notícias”, mas busque sempre a verdade e seja sempre “comprometido a indicar soluções alternativas às “escalation” do clamor e da violência verbal”. A desinformação desacredita as pessoas e fomenta conflitos nos lembra o sumo pontífice. Sobre as falsas notícias, observa o Papa, elas visam “enganar e até mesmo manipular o destinatário”. Observa que às vezes sua difusão visa “influenciar as escolhas políticas e favorecer os lucros económicos”. Hoje em dia, sua difusão “pode contar com um uso manipulador das redes sociais” que tornam “virais” as notícias falsas. E não temos muito o que fazer e o drama da desinformação, adverte Francisco, é “o descrédito do outro, a sua representação como inimigo” que pode até mesmo “fomentar conflitos”. Francisco destaca que esta atitude muitas vezes afunda suas raízes “na sede de poder” que “se move de falsidade em falsidade para nos roubar a liberdade do coração”. Uma dolorosa constatação é que as Fake news baseiam-se na “lógica da serpente”, nunca são inofensivas e miram atingir a honorabilidade e a dignidade das pessoas. Todossomos chamados a contrastar essas falsidades e chamar a atenção para as “iniciativas educativas” que ajudam a “não ser divulgadores inconscientes de desinformação, mas atores do seu desvendamento”. E aqui o Papa, voltando ao Livro do Gênesis, observa que, na base das notícias falas, há a “lógica da serpente” que, de alguma forma, tornou-se “artífice da primeira fake news”. O tentador, lembra o Sumor Pontífice, “assume uma aparência credível” e concentra-se “na sedução que abre caminho no coração do homem com argumentos falsos e sedutores”. Precisamente como as notícias falsas. Este episódio bíblico mostra que “nenhuma desinformação é inofensiva; antes pelo contrário, fiar-se daquilo que é falso produz consequências nefastas”, já que também “uma distorção da verdade aparentemente leve pode ter efeitos perigosos”. A busca da verdade é o mais radical antídoto ao vírus da falsidade “Quem mente a si mesmo e escuta as próprias mentiras – escreve Francisco, citando Dostoevskij, autor que muito aprecia – chega ao ponto de já não poder distinguir a verdade”. E precisamente a verdade sublinha o Papa é o antídoto mais radical ao “vírus da falsidade”. Portanto, ampliando o horizonte, o Papa enfatiza que a “libertação da falsidade e a busca do relacionamento” são os “dois ingredientes que não podem faltar, para que as nossas palavras e os nossos gestos sejam verdadeiros, autênticos e fiáveis”. As pessoas e não as estratégias, sublinha o Papa, são o melhor “antídoto contra falsidades”. As pessoas, acrescenta, que “livres da ambição, estão prontas a ouvir e, através da fadiga dum diálogo sincero, deixam emergir a verdade”. Evidencia assim a responsabilidade dos jornalistas ao informar. O jornalista, observa a Mensagem do Papa, é o “guardião das notícias” e tem a tarefa, “no frenesi das notícias e na voragem dos “scoop”, de lembrar que, no centro da notícia, não estão a velocidade em comunicá-la nem o impacto sobre a “audience”, mas as pessoas”. A Mensagem de Francisco termina com um forte apelo para um “jornalismo da paz”. Não se trata, adverte, de um “jornalismo «bonzinho», que negue a existência de problemas graves”, mas de um jornalismo sem fingimentos, hostil às falsidades, a “slogans” sensacionais e a declarações bombásticas”. Serve, escreve o Papa, um jornalismo “feito por pessoas para as pessoas, um jornalismo como “serviço”, que dê voz a quem não tem voz. O documento se conclui com uma oração inspirada em São Francisco. Fazei-nos reconhecer o mal que se insinua em uma comunicação que não cria comunhão, é a invocação do Papa, “onde houver sensacionalismo, fazei que usemos sobriedade; e onde houver falsidade, fazei que levemos verdade”. Nestes tempos de encruzilhada institucional, é bom pensar um pouco mais a fundo o que nos diz o grande líder do mundo católico. Ontem foi um dia em que o picadeiro mais uma vez teve a tentação de ser mais importante que uma sala de Tribunal. Há por aí palhaços que se prestam a isso, sem se preocupar profundamente com a defesa da verdade. Estamos mais para o “domínio do fato” que o fato de domínio.