Esse artigo do “polêmico” Luiz Nassif (aqui) é mais um a respeito da Petrobrás, desta feita, com a colaboração de um jornalista investigativo inglês que está investigando o assunto. Nassif cita empresas muito pouco faladas na grande mídia por aqui mas, pelo que parece, elas são ativíssimas na corrupção mundial da cadeia do petróleo nas três etapas, extração, distribuição e refino. O artigo original é repleto de links que ampliam o leque do assunto. Os vídeos relativos estão na página original. Não assisto novelas. Aliás, como já disse aqui inúmeras vezes, não assisto nem tv. Absolutamente nada! Mas tem coisa que mais se parece novela do que isso? Eu, de minha parte, só tenho a lamentar:
-“ ai, ai …, o trem num acaba nunca, sô?”
“Peça 1 – as investigações sobre a Trafigura
Esta semana fui procurado por um jornalista inglês que veio ao Brasil com uma missão especial: investigar os motivos que levaram a Lava Jato a ignorar as operações da área internacional da Petrobras, poupando das investigações dois dos mais notórios corruptores corporativos do planeta: a Trafigura e a Glencore, tradings de comercialização de petróleo que negociam com a Petrobras.
É um trabalho ao qual dedicará seis meses. Já teve acesso a documentos internos da Petrobras, nos quais se vê Jorge Zelada, ex-diretor da área internacional defendendo propostas da Trafigura, e o presidente José Gabrielli e Almir Barbassa negando.
Não apenas isso.
Sabia-se desde sempre que a área de comercialização de petróleo e derivados é aquela onde corre mais dinheiro.
Na delacão de Nestor Cerveró [2], ele fala dos negócios que aconteciam na área de comercialização. Diz que as tradings de combustíveis movimentavam valores muito maiores do que os afretamentos de navios. Ambas as operações não necessitavam de aprovação prévia da diretoria. A Petrobras chegou a negociar 300 mil barris de petróleo e 400 mil barris de diesel por dia. Segundo ele, centavos nessa operação podem render milhões de dólares em propina ao final do mês.
Na delação, ele aponta Mariano Marcondes Ferraz como o intermediário das propinas da Trafigura. Na época Marcondes Ferraz fazia parte do board internacional da empresa.
Em sua delação, Paulo Roberto Costa, que recebeu mais de US$ 800 mil de Marcondes Ferraz, também liga os valores à Trafigura. Informa que o procurou em nome da Trafigura, pagando inicialmente US$ US$ 600 mil em propinas através de uma conta em nome da off-shore OST Invest & Finance Inc., em um banco em Genebra, Suíça.
Também o operador Fernando Soares [2], o Fernando Baiano, atribui à Trafigura o controle da empresa de tancagem Decal, em Suape, beneficiada pelas propinas de Marcondes Ferraz.
Na busca e apreensão realizada na residência de Paulo Roberto Costa [3], aparecem anotações “Trafigura – Aluguel do Terminal de Tancagem (Suape)”.
A prisão de Mariano ecoou nos principais jornais econômicos do mundo, por jogar a Trafigura no centro da Lava Jato.
A própria Lava Jato sabia estar entrando em um novo terreno “fértil de ilicitudes”.
Segundo um dos porta-vozes da Lava Jato na imprensa;
Com a prisão preventiva do empresário Mariano Ferraz, detido no aeroporto de Guarulhos nesta quarta-feira, 26, quando estava prestes a embarcar para Londres, a força-tarefa da Lava Jato avança sobre uma área ainda não investigada na Petrobrás: o setor de compra e venda internacional de combustíveis e derivados que pode atingir, além do PT, o PMDB e o PSDB.
Segundo a Lava Jato, o grupo internacional Trafigura, do qual Ferraz é executivo, movimentou US$ 8,6 bilhões em compras e vendas de derivados de petróleo com a Petrobrás entre 2003 e 2015. Não é a primeira vez que a área de trading de combustíveis e derivados do petróleo, que é submetida à Diretoria de Abastecimento, aparece na operação.
Em suas delações premiadas, o ex-diretor Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, e o ex-senador Delcídio Amaral relataram que essa área era um “terreno fértil para ilicitudes”, pois os preços poderiam variar artificialmente gerando uma “margem para propina”. O próprio Cerveró disse que a a Trafigura era uma das principais empresas atuantes neste setor na estatal e que as negociações diárias “podem render milhões de dólares ao final do mês em propina”.
Mencionada nos documentos iniciais da Lava Jato, gradativamente a Trafigura some das peças divulgadas, a Lava Jato não aprofunda as investigações sobre a área internacional da Petrobras e os crimes de Marcondes Ferraz ficam restritos à Decal, uma pequena empresa italiana (perto da gigante Trafigura), para quem ele fazia bico.
Essa mesma blindagem se observou na Suiça. As primeiras investigações sobre a corrupção em Angola foram encerradas em 2004 pelo Ministério Público suíço. Uma nova denúncia, em 2006, não levou à retomada das investigações. Mesmo porque envolvia a União de Bancos Suíços (UBS).
A partir de 2013 o Ministério Público da Suíça foi provocado a retormar as investigações sobre o “Angolagate”. A base da nova denúncia foi o dossiê levantado pela Corruption Watch UK, e o grupo anticorrupção angolano Mãos Livres. O relatório implicava diretamente a Glencore, mas também não foi adiante.
Em 21 de novembro de 2016 a Reuters ouviu procuradores suíços sobre o envolvimento da Marcondes Ferraz e da Trafigura na Lava Jato.
“Eu posso confirmar que o Ministério Público abriu uma investigação criminal sobre um funcionário da empresa que você conhece”, disse uma porta-voz em resposta enviada por e-mail para uma consulta sobre relatórios de mídia de tal investigação sobre um ex-executivo sênior da Trafigura. “Esta investigação faz parte do complexo de processos da Petrobras”.
Apesar da estreita colaboração entre Ministérios Públicos brasileiros e suíços, desde então, nada mais se soube sobre as investigações envolvendo a Trafigura. A última notícia que se tem é de 1º de fevereiro de 2017, quando o MPF de Curitiba solicitou autorização para prisão preventiva, bloqueio de bens e busca e apreensão de Jorge Antônio da Silva Luz, Bruno Gonçalves e Apolo Vieira Santana, funcionários da Petrobras que atuavam na área internacional.
É esse o mistério que o jornalista inglês pretende desvendar.
Peça 2 – as comercializadoras de petróleo
Antes de avançar no escândalo, um pequeno levantamento sobre o papel das comercializadoras de petróleo.
Historicamente, o petróleo mundial foi explorado pelas chamadas Sete Irmãs, as grandes petroleiras, as majors que dominaram o setor até os anos 70 e operavam na exploração e na distribuição. A partir de então, começam a crescer as empresas estatais dos países produtores do Oriente Médio, África e América Latina.
As novas companhias não faziam a comercialização e, por isso, passaram a recorrer a tradings. Duas se destacaram como os piores exemplos da financeirização da economia global e do uso da corrupção em larga escala: a Glencore, de cujas entranhas nasceu a Trafigura – montada por ex-operadores da trading mãe.
Ambas deixaram um rastro de corrupção incomparável, especialmente em suas negociações com África e América Latina. Ao contrário da Petrobras, vítima de corrupção, nas duas tradings a corrupção fazia parte de seu modelo de negócio.
Fundador da Glencore, Marc Rich conseguia que ditadores vendessem óleo através da Glencore, pagando um “por fora” de 5 a 10 dólares por barril. Com isso, ocupou o espaço de majors, como a Shell, que não pagavam comissão.
Até então, a negociação era feita com contratos de longo prazo. Rich ajudou a formar o mercado à vista. Foi condenado a 300 anos de prisão nos Estados Unidos por sonegação fiscal. Fugiu dos EUA, se escondeu na Suíça. Como fugitivo, chegou a ser considerado um dos dez mais procurados do planeta.
Como relatou nosso colunista André Araújo,
“seu mandado de captura internacional ficou circulando até 20 de janeiro de 2001, último dia do mandato do Presidente Bill Clinton, que lhe deu completo perdão criminal e fiscal, mandou encerrar todos seus 65 processos. A decisão de Clinton foi legal, mas ele sofreu uma bateria de críticas violentas, especialmente porque Rich e sua esposa Denise foram grandes doadores de campanha para Bill Clinton”.
Hoje em dia, a Glencore negocia US$ 800 bilhões por ano, atuando na área de petróleo e no setor de não ferrosos, através de sua subsidiária Xstrata.
A Trafigura foi montada por um grupo de operadores que havia trabalhado na Glencore, liderados por Claude Dauphin, falecido em 2015, e um corruptor à altura de Rich. Foi condenado na Costa do Marfim por jogar lixo tóxico no mar, passou seis meses na cadeia. Foi acusado de ter desviado recursos de fundos humanitários da ONU.
Nos últimos anos associou-se a fundos russos para investir pesadamente na Índia, em refinarias, tanques de armazenamento e infraestrutura de importação e exportação estrategicamente relevantes para Vladimir Putin.
O auge da corrupção foi a conquista da Angola. E aqui se juntam os destinos da Trafigura e do ex-playboy Mariano Marcondes Ferraz, que se tornou um dos meninos de ouro de Claude Dauphin.
Peça 4 – a disputa pelo petróleo em Angola
Descobertos os campos de petróleo de Angola, imediatamente a UNCTAD enviou um grupo de consultores para preparar o país para a nova realidade que se abria. Ensinaram a montar contratos com empresas estrangeiras, cantaram as vantagens de trazer o capital internacional para ajudar a desenvolver o país.
Nos anos seguintes, o que se assistiu foi o maior processo de corrupção do planeta, conduzido pela Trafigura com o presidente angolano. Foi uma corrupção praticada por majors e até pela estatal norueguesa Statoil. Do lado de Angola, a intermediária de todos os negócios era Isabel dos Santos, filha do presidente,
A vencedora foi a Trafigura. O instrumento de corrupção da Trafigura em Angola foi a Puma Energy, proprietária da distribuidora Pumangol, tendo como acionistas a estatal Sonangol (30%) e a Chochan (15%), cujo diretor- executivo é o general Leopoldino Fragoso do Nascimento ‘Dino’, consultor do general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, antigo ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do ex-Presidente José Eduardo dos Santos.
Santos comandou por quarenta anos a política angolana e montou vários esquemas de corrupção, o mais evidente dos quais foi o de tentar reduzir o refino interno para poder importar todo combustível – beneficiando obviamente as grandes comercializadoras. O Ministro dos Petróleos, José Maria Botelho de Vasconellos, chegou a contratar uma consultoria com a missão específica de elaborar um “estudo de viabilidade técnico-económico de processamento de petróleo bruto angolano numa refinaria fora do país”.
No ano passado, o novo governo decidiu romper de vez com o antigo padrinho. O acordo com a Trafigura foi interrompido e aberta uma nova licitação. E o petróleo de Angola saiu das mãos da Trafigura e foi para as da Glencore e da Total
Peça 5 – Petrobras na África
Quando o pré-sal de Angola foi descoberto, a Petrobras estava em condições de ocupar um espaço privilegiado.
Conforme a delação de Nestor Cerveró (1) a diplomacia brasileira havia sido eficaz. O Brasil foi dos primeiros países a reconhecer a independência de Angola, desde 1975 a Petrobras tinha representação no país, vários engenheiros da estatal angolana Sonangol vieram ao brasil fazer cursos na Petrobras.
Em 2005 a Petrobras participou de leilão do pré-sal angolano, investindo US$ 400 milhões.
Uma joint-venture formada pela Petrobras (50 por cento), BTG Pactual E&P B.V. (40 por cento) e Helios Investment Partners (10 por cento), montou a Petrobras Oil & Gas B.V. Provavelmente o ponto de contato com Isabel Santos foi o BTG-Pactual.
Além de Angola, a empresa adquiriu dois blocos em águas profundas de classe mundial na Nigéria, com início de produção previsto para o fim deste ano.
Com a entrada de Pedro Parente, a Petrobras definiu uma estratégia que caía como uma luva para as comercializadoras de petróleo e derivados.
- A Petrobras reduziu o refino, aumentou as importações de derivados e está colocando suas refinarias à venda.
- Colocou à venda sua participação na África. Segundo a Reuters, empresas nigerianas se candidataram cacifadas pela Vitol (outra comercializadora) e pela Glencore, que está por trás da nigeriana Seplat.
- A Petrobras vendeu seus ativos na Argentina para a empresa Pampa Energia. Algum tempo depois, a Pampa Energia é vendida para a Trafigura.
Obviamente esse desmonte e esses negócios não teriam sido possíveis sem a participação ativa da Lava Jato, destruindo a ofensiva da Petrobras na África, afastando os principais concorrentes da Trafigura (Petrobras e empreiteiras brasileiras) e da mídia, com o fake News de que a empresa estaria quebrada.
Ambos, Parente e Moro, se tornaram comensais constantes nos regabofes bancados pelos grandes centros de lobbies internacionais, como a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, principado de Mônaco etc.
Peça 6 – O caso Angolagate
As semelhanças entre Angola e o Brasil são óbvias e humilhantes para nós, da venda do pré-sal à redução do refino e ao aumento das importações de refinados. Mais ainda, na maneira como as receitas do petróleo não chegaram à população, devido aos cortes dos gastos sociais.
Em 2016, o The New York Times produziu uma reportagem acachapante sobre as riquezas de Angola e as condições de vida de sua população.
Entre cenas chocantes de crianças morrendo, subnutridas, doentes, a informação de que Angola é o país com maior índice de mortalidade no planeta. A mortalidade infantil chega a 12,5 por cada 100 nasciturnos. E tudo isso em um país riquíssimo, com reservas bilionárias de petróleo e diamante.
Na capital, há grandes hospitais modernos, porque construir hospitais permite a cobrança de propinas, mas sem médicos e sem atendimento. A reportagem informava que o governo havia cortado 30% das já escassas verbas para saúde. E mostrava aldeias onde não se via a presença de médicos.
Dizia mais. Só em carros de luxo, os governantes gastam US$ 50 milhões por ano. “Aqui, os juízes conduzem Jaguares enquanto as crianças morrem no ritmo mais acelerado do mundo”, diz o repórter.
Uma das entrevistas mostra uma angolana que perdeu dez filhos para doenças e subnutrição e que usa gasolina para desinfetar a boca. A reportagem acusa as companhias de petróleo ocidentais de terem “as mãos sujas de sangue”.
As informações que chegaram ao mundo partiram de um blogueiro independente, Rafael Marques de Morais, que está sendo processado pelas autoridades angolanas.
Em um grau mais agudo de miserabilidade e contrastes, lembra em muito o Brasil.
Em 2002, a ONG inglesa Global Witness divulgou um trabalho devastador sobre a corrupção das empresas petroleiras e dos traficantes de armas em Angola. Foi um trabalho que durou dois anos e se concentrou no “Angolagate”, o escândalo com venda de armas e exploração do petróleo nacional que atingiu assessores do presidente francês François Miterrand e financiadores da campanha do então presidente norte-americano George Bush Jr.
Nas anotações do trabalho você confere:
[2] Três quartos da população vivem em pobreza absoluta. Apenas em 2001 foram desviados mais US$ 1,4 bilhão em empréstimos bancários ruinosos para um PIB de US$ 5,1 bilhões. Naquele ano, Angola precisou de US$ 200 milhões para ajuda internacional alimentar à sua população.
[3] Um dos principais responsáveis pela corrupção em Angola foi também um dos principais financiadores da campanha de George W. Bush. (Mas, como dizem Barroso e Dallagnol, o Brasil é o país mais corrupto do planeta).
[6] Os indicadores sociais de Angola apontam:
- população 12,4 milhões de habitantes;
- expectativa de vida de 48,9 anos;
- 82,5% da população em pobreza absoluta;
- 76% sem acesso a saúde;
- 62% sem acesso a água potável;
- Taxa de desemprego em 80%.
Peça 7 – ONGs, blogs e a indústria do fake News
Todo o aparato convencional – Ministérios Públicos e Judiciários nacionais, grupos de mídia – tratou de blindar a corrupção das petroleiras e das comercializadoras de petróleo em Angola e até agora no Brasíl.
É uma corrupção que já envolveu, em algum momento, Bill Clinton, George W. Bush, Françoise Miterrand, perto da qual a corrupção brasileira representa trocados. Em Portugal, o esquema conseguiu subornar o então procurador do departamento central de investigação e ação penal (DCIAP).
No Brasil, o tema passou ao largo da Lava Jato, da Procuradoria Geral da República e da cobertura ostensiva da imprensa.
Internacionalmente, as denúncias foram levantadas por ONGs e por sites independentes na Suíça e na Inglaterra. O mesmo ocorreu em Angola, com o blogueiro Rafael Marques de Morais. O jornalista inglês, que veio ao Brasil, foi atraído para o tema devido ao trabalho de blogs, dentre os quais o GGN. E tudo isso foi possível devido aos sistemas de busca na Internet, dentre os quais o Google.
Por aí se entende a estratégia do Atlantic Council – que tem no seu conselho o ex-PGR Rodrigo Janot – em criar uma fantasia em torno dos fake news, para lhe permitir monitorar as redes sociais, conforma denunciamos na reportagem “Xadrez do Jogo Político do Fake News”.
Quanto uma Trafigura, Glencore, Total, Statoil pagariam para que, mediante uma mera indicação de uma agência de checagem, as informações sobre suas atividades fossem excluídas das redes sociais e jogadas no caldeirão dos fake news?
Hoje em dia está em jogo o papel central da imprensa livre para enfrentar os grandes esquemas globais de corrupção. A cooperação internacional envolvendo procuradores de vários países não chegou perto da Trafigura e da Glencore. Mas a cooperação informal entre blogs e ONGs independentes, sim.”