Com o titulo “Ajustes para todos os gostos”, o jornalista de temas econômico André Araújo publica um artigo (aqui) abordando alguns tópicos interessantes. Vamos lá.
“Ajustes para todos os gostos, por André Araújo
Nos cômicos debates entre “conselheiros” econômicos de várias correntes politicas colocam-se na mesa curiosas disjuntivas: ou se faz o ajuste rigoroso em cima dos programas sociais, dos ambulatórios, museus, centros de pesquisas ou “se perderá o controle da dívida” (direitos autorais para Marcos Lisboa). Outros raciocínios bifurcados aparecem na boca do mesmo tipo de economistas de “uma fórmula só”, para eles não há duas maneiras de se fazerem as coisas, há uma só. Que pobreza de cultura da história, da história da economia, da história do pensamento econômico, tão ricas em contextos, propostas e exemplos híbridos.
Há mil e uma maneiras de se resolverem questões econômicas, para o bem ou para o mal. A História não escolhe sempre o melhor caminho, apenas escolhe um caminho, tampouco a história econômica se repete, os ciclos não são iguais, os contextos políticos de cada ciclo são específicos, não há dois momentos sequer parecidos porque as variáveis mudam de lugar.
Já que no Brasil NÃO HÁ CORAGEM para se fazer um ajuste fiscal racional, que começa por um Congresso que gastara em 2018 ONZE BILHÕES DE REAIS, mais que o Congresso dos Estados Unidos, que é suportado por uma economia doze vezes maior que a brasileira, já que nem por sonho se ousa discutir o estratosférico gasto das corporações jurídicas, o maior do mundo em números absolutos e relativos ao PIB, o ajuste se dará em cima dos pobres e da infra estrutura, dos interesses de quem não tem força politica para se defender ou interesses difusos sem rosto, como a infra estrutura, o saneamento, a educação elementar, a saúde pública.
Como também esse ajuste é quase impossível porque já não há mais onde cortar, há outro modo de ajuste simples e tradicional, a inflação, modelo onde o Brasil tem larga tradição e experiência, tecnologia para vender nas indexações sofisticadas. Não é o que se deseja mas é o que vai acontecer porque não há um déspota no Brasil para cortar as mordomias e privilégios do bacharelismo público que paga a advogados dez vezes o que se paga a um médico e vinte vezes o que se paga a um professor de escola elementar e tampouco há o tirano para impedir que se paralisem obras essenciais por causa de um lençol encardido no alojamento ou falta de duas vírgulas em um edital de licitação.
Sem o ditador a solução será a inflação, precisa ser mais claro?
A inflação é a RAINHA DO AJUSTE FISCAL, a inflação foi inventada para se fazer ajuste fiscal.
Como não se faz inflação porque a politica econômica tem como objetivo a proteção da riqueza financeira sobra a saída da recessão, que é a combinação do desajuste fiscal com meta de inflação para resguardar o rentismo que depende da moeda estável.
A POLITICA ECONÔMICA GIRA EM TORNO DA META DE INFLAÇÃO
A partir do Plano Real a TOTALIDADE da politica econômica passou a girar em torno de um único eixo: a meta de inflação. A politica de juros, a de crédito e a de câmbio foram, desde 1994, traçadas para defender a meta de inflação, em prejuízo de todos os demais fatores que constituem o conjunto da politica econômica, ai incluindo a economia produtiva e os empregos que ela gera. Tudo foi sacrificado em nome da meta de inflação, o que é uma politica econômica no mínimo medíocre, preguiçosa e de baixa eficiência com um único objetivo, proteger a riqueza financeira que interessa aos mercados e aos rentistas, mas que tem muito menor importância do que a possibilidade de ter um emprego.
Politica econômica virtuosa consiste na combinação de muitos fatores sempre com uma conta de custo benefício, ajustada continuamente de acordo com as circunstâncias. Não cabem formulas fixas permanentes no manejo de politica econômica, essa é a lição dos grandes economistas políticos a partir de Keynes até Alan Greenspan.
O economista símbolo da fórmula fixa, Milton Friedman não é hoje o exemplo seguido nas economias centrais; O próprio Friedman reconheceu pouco antes de falecer em 2006 que a flexibilidade de Greenspan tinha mais méritos do que a rigidez de sua pregação monetarista.
Após a crise de 2008 as economias centrais partiram para politicas de “quantitative easing” que significa o uso de ferramentas de expansão monetária, dosadas mês a mês, para estimular a economia e manter o nível de emprego. Essas politicas foram uma radical mudança dos conceitos de fórmula rígida propostos pelo monetarismo, que sacralizava a moeda como fetiche abominando a ideia de moeda como instrumento para estimular a economia, marca do keynesianismo original dos anos 30 e dos que seguiram essa escola de inteligência superior, como Albert Hirschman, Celso Furtado, Alan Greenspan, Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Ann Pettifor, Raul Prebish. Já os medíocres preferem as regrinhas fixas que dispensam a atividade de pensar em soluções especificas para cada momento e circunstância.
A crise de 2008 fez com que os bancos centrais das economias ricas ficassem com maior receio da deflação do que da inflação e as políticas de estímulos monetários passaram a ser manejadas para ampliar o poder de compra e evitar a retração e o travamento das economias por falta de crédito. Nesse mesmo período de tempo, o Banco Central do Brasil passou a operar com cada vez maior rigidez em politicas pró-mercado como a liberalização do controle de câmbio em 2013, permitindo liberdade para o capital especulativo. E, a partir de 2016, o BC brasileiro passou a reduzir o centro da meta de inflação e fazer girar a politica de câmbio para atingir a meta como sendo esse o objetivo máximo de toda a politica econômica, valorizando Real, favorecendo as importações e os gastos no exterior, uma recessão contratada que proporcionou a continua desindustrialização e a perda de empregos industriais, tudo em nome da meta de inflação. Uma politica ortodoxa monetarista, arquivada nas economias centrais passou a ser a politica oficial da equipe econômica de Malan a Meirelles.
Dessa fórmula nasce a obsessão dos “economistas de mercado”, no governo e fora dele, pelo ajuste fiscal como meta e mantra de politica econômica, abandonando completamente a noção de que o mega desemprego é O problema central e que o ajuste fiscal por si só não aumenta emprego. Ao contrário, faz criar mais desemprego e não menos, é veneno e não antidoto para a recessão, trava mais a economia ao invés de relançar o crescimento.
O ajuste fiscal é necessário por ser norma de higidez em finanças públicas, mas não ajuda o emprego, muito ao contrário. Então esse ajuste NÃO tem porque ser o problema central da economia, este é o CRESCIMENTO do PIB que só existirá com expansão do poder de compra e o investimento que segue a necessidade de atender essa demanda. Não haverá investimento privado enquanto houver capacidade ociosa na indústria, no comércio e nos serviços. Então não há como sair da recessão sem criação de renda e poder de compra que antecederá o investimento privado e isso só pode ser criado por expansão monetária decorrente de investimentos públicos a serem financiados por nova dívida pública a ser adquirida ou pelo sistema bancário ou pelo Banco Central pela criação de moeda. Nada disso é novidade, mas é preciso coragem politica e autoridade para fazer o País voltar a crescer. A primeira providência seria recolocar o “mercado” no seu lugar e não como centro do País.
Com o crescimento, o AJUSTE necessário se fará com muito maior facilidade e menor custo social porque o crescimento faz crescer a arrecadação e com isso o déficit primário diminui, fazendo com que o ajuste seja mais palatável e mais factível do que em um ambiente recessivo.
Cabe ao Estado olhar para o conjunto do País, inclusive para os que não tem aplicações no mercado financeiro, que são a esmagadora maioria dos brasileiros em busca de emprego.
Politica econômica é uma COMBINAÇÃO de ações com o menor custo social possível, não é e nunca foi uma politica de um só objetivo como a que se pratica hoje no Brasil.”