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Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas

Meus amigos leitores,

Setembro chegou e com ele o Jubileu de Congonhas. Claro que, diante dessa pandemia que nos aflige, os tradicionais festejos do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos não irão acontecer. Creio que somente as missas serão transmitidas pela internet e irradias pela tradicional Rádio Congonhas.

Como o povo mineiro tem no Jubileu de Congonhas um costume de mais de 240 anos, resolvi contar um pouco dessa portentosa festa que celebra a fé e devoção ao Bom Jesus, um costume português que aqui foi introduzido em meados do século 18.

Espero que gostem. Boa leitura…

Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas

Origens do povoado:

A descoberta do ouro final do século 17 provocou uma intensa investida de aventureiros pelo interior do atual estado de Minas Gerais em busca do metal precioso. Dessa forma foram surgindo os pequenos arraiais e depois as vilas no início do século 18. Muitos desses aventureiros iniciaram suas lavras nos ribeirões Soledade, Macaquinhos e Maranhão e se fixaram na região de Congonhas, dando origem ao povoado, cujo nome Congonhas, advém de uma erva nativa e muito comum nessa região. De sua nomenclatura tupi extraímos: “cahã-nhonha = mato desaparecido, lugar desmatado; Congonhas – uma grande extensão de campo com vegetação baixa”.

O pequeno povoado concentrou-se inicialmente do lado direito do rio Maranhão e seguindo uma tradição, ao se descobrir uma lavra era construída uma capela. Congonhas e seus arredores foram palco de atividade intensa de garimpeiros independentes: negros libertos, pardos, mamelucos e brancos que formavam uma massa de aventureiros de parcos recursos a quem o sonho do ouro era o único plausível.                                     

Assim temos uma referência à capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (cuja documentação de sua origem é escassa), que é considerada a primeira a ser erigida no arraial das Congonhas ainda no final do século 17 por escravizados (forros ou não). Já a Matriz de Nossa Senhora da Conceição acredita-se que tenha sido iniciada sua construção no início da segunda década do século 18 e concluída em 1734 com a instalação da Paróquia de Congonhas do Campo como nos diz o Cônego Trindade.

A outra margem do rio Maranhão, seu lado esquerdo, só foi de fato povoada a partir do início da construção do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em meados de 1757. A devoção ao Bom Jesus chegou a Congonhas por meio do português Feliciano Mendes, que se transferiu para as terras mineiras em busca de ouro, como muitos outros patrícios. No entanto, na procura da riqueza, ele perdeu a saúde. Fez, então, uma promessa ao Bom Jesus de Matosinhos, cuja fé trazia do seu torrão natal, esperando restabelecer-se. Feliciano Mendes se curou e debitou tal fato à graça do Bom Jesus.

Em fevereiro de 1757, Feliciano começou seu projeto de construir um templo ao Senhor Bom Jesus. Na busca de cumprir sua promessa, tornou-se ermitão, uma espécie de empreendedor religioso. Requereu todas as licenças necessárias, tanto ao poder espiritual quanto ao civil e com as mesmas em mãos fincou uma cruz no alto do morro Maranhão e construiu um abrigo onde colocou a imagem do Bom Jesus Crucificado, tomou “o hábito, a caixinha e o bordão de Ermitão” e saiu a esmolar pela província, levando consigo seu oratório portátil e a história milagrosa de sua cura.

Rapidamente a construção de uma Capela para o Bom Jesus foi iniciada e no dia 25 de dezembro de 1759 foi celebrada a primeira missa pelo Padre Francisco da Costa e alegrada pelo músico Antônio do Carmo. No ano seguinte Feliciano encomendou em Portugal, uma imagem do tamanho natural articulada do Bom Jesus, que foi colocada no altar-mor da capela recém-construída. As obras prosseguiram e, no final de 1762, Feliciano foi autorizado a colocar sua imagem em um altar na capela. As arrecadações de Feliciano com as esmolas só cresciam. A afluência de romeiros era tanta que as esmolas chegavam “dos extremos pontos de Minas e ainda de outras Capitanias”.

Cumprida a promessa, Feliciano Mendes continuou a esmolar pelas redondezas, mas foi surpreendido pela morte em 23 de setembro de 1765, quando se encontrava no distrito de Antônio Pereira em Mariana.

Feliciano Mendes e seu legado:

Continuaram o projeto da então capela do Bom Jesus após o falecimento de Feliciano Mendes, os ermitões que o sucederam. O primeiro deles foi Custódio Gonçalves de Vasconcelos, entre os anos de 1765 a 1776. Depois Inácio Gonçalves Pereira (1776-1790). Tomás da Maia Brito (1790-1794) foi quem deu forma ao monumental adro, preparando assim o espaço para as futuras esculturas dos Profetas de Aleijadinho que fora contratado por Vicente Freire de Andrada (1794-1809), que encerrou o ciclo dos ermitões na capela. E foi nesse período que realizaram a maioria das obras (artísticas e arquitetônicas) do complexo do Bom Jesus: a Sala dos Milagres, a Residência dos Padres, o primeiro sistema de abastecimento de água, as Romarias (casas para receber e abrigar os romeiros), a primeira capela dos Passos, as estátuas da Via Crucis e os 12 Profetas esculpidos por Aleijadinho e seu ateliê.

Após a morte do último ermitão, Vicente Freire de Andrade em 1809, a Irmandade do Bom Jesus, já constituída, passou a assumir a administração do Santuário por meio de uma Mesa Administradora formada em 1810. A partir daí a Mesa seria a responsável pela escolha dos administradores, controlaria as entradas das esmolas e os gastos. Porém, a primeira administração da Irmandade durou poucos anos até a chegada dos Padres da Missão (Lazaristas) em 1827, que passaram a administrar o complexo do Bom Jesus até 1855.

Com a instituição da devoção ao Bom Jesus de Matosinhos em 1765, iniciou-se uma acanhada peregrinação para o local onde se encontrava uma cruz, instalada por Feliciano Mendes. Esse movimento de fiéis/peregrinos se relacionava com a força que a fé exercia sobre os colonos portugueses. Outro importante aspecto que favorecia a peregrinação era o relato do milagre alcançado por Feliciano e sua admirável dedicação à causa do Bom Jesus. A andança de Feliciano Mendes em busca de esmolas serviu como propaganda e favoreceu a propagação da devoção ao Bom Jesus pelos rincões de Minas Gerais.

A partir de então principiaram-se os festejos para celebrar o Bom Jesus, sempre com a crescente participação dos fiéis. Em setembro de 1775, durante as celebrações dedicadas ao Bom Jesus, Manoel Dias de Oliveira – um dos grandes músicos mineiros da época, foi contratado para tocar durante três dias da festa que daria origem ao tradicional Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.

No ano de 1779 a festa já havia se consolidado quando o Papa Pio VI a oficializou e a transformou em um Jubileu, publicando uma série de brevês que concediam a possibilidade de se conseguir a indulgência plenária para o perdão das penas dos pecados cometidos pelos fiéis. E em agosto do mesmo ano, o Vigário geral de Mariana, Cônego Ignácio Correa de Sá, determinou as datas de 03 de maio (invenção da Santa Cruz) e 14 de setembro (exaltação da Santa Cruz) para as celebrações do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas após os breves concedidos pelo Papa Pio VI.

Em setembro de 1780 era iniciado o primeiro Jubileu oficial em honra do Senhor Bom Jesus de Matosinhos com a realização de várias missas diárias, todas sempre acompanhadas pelo organista e violinista de Ouro Preto, Caetano Rodrigues da Silva, contratado para abrilhantar as solenidades, tocando o órgão recém-adquirido do comerciante João de Miranda ao custo de 100$000. Para realizar as celebrações, onze sacerdotes atenderam os romeiros durante as festividades do Jubileu.

O primeiro relato sobre a devoção e peregrinação à Igreja do Bom Jesus em Congonhas encontramos nas famosas “Cartas Chilenas” do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, que assim escreveu: “Distante nove léguas desta terra/ há uma grande ermida; que se chama/ Senhor de Matosinhos; este templo/ os devotos fiéis a si convoca/ por sua arquitetura, pelo sítio/ e, ainda muito tempo mais; pelos prodígios/ com que Deus enobrece a Santa Imagem”.

Crença e devoção se desenvolveram atreladas à fé no poder de cura do Bom Jesus, decorrente das promessas feitas a ele.

O Jubileu:

Desde sua instituição oficial em 1779, o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas já podia ser considerado como um pujante processo de peregrinação no ainda Brasil colonial. E esse processo continuou a tomar vigor no transcorrer do século 19.

Os administradores/organizadores do portentoso Jubileu convidava de outras paragens diversos sacerdotes para auxiliar os capelães nas inúmeras práticas religiosas. E esse costume segue ainda nos dias atuais.

Em seus primórdios o Jubileu acontecia com a prática de novenas e missas cantadas com o acompanhamento musical de bandas da região. A primeira missa era celebrada às 6h da manhã e seguiam-se as demais de duas em duas horas até as 17h quando se realizava a missa final. Após às 18h os padres faziam suas pregações aos romeiros finalizando com a procissão do terço em volta da igreja. A missa de encerramento do Jubileu acontecia dia 14 onde eram dadas bênçãos e proferido o sermão da despedida.

Após a autorização do Cônego Ignácio Correa de Sá em 1780, o Jubileu passou ter duas festas anuais: a primeira em uma na semana que terminasse em 3 de maio (dia da Santa Cruz), e a segunda que terminasse na semana do dia 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz). Mas já na década seguinte os festejos do Jubileu do mês de maio foi sofrendo com a perda significativa da presença dos fiéis que eram desencorajados pelas chuvas que deixavam os precários caminhos ainda piores, e por isso foi extinto.

Em um outro momento de sua história, com a presença da Congregação dos Padres Redentoristas em Congonhas, o Jubileu de maio foi reativado a partir do ano de 1926, sendo festejado com novena dedicada ao Bom Jesus de Matosinhos e sua imagem crucificada conduzida ao redor da igreja em solene procissão. Mas essa nova tentativa de realizar o jubileu no mês maio não atraiu grande número de fiéis e poucos anos depois foi novamente extinto.

A prática da procissão no mês de setembro também era realizada como relatada no ano de 1908 pela administração diocesana do Santuário. Consistia na reza do terço em procissão no entorno da igreja no primeiro domingo de setembro tendo à frente a imagem de Nossa Senhora com o Capelão levando atrás do andor o Crucifixo com a imagem do Cristo crucificado que, com o passar dos anos, também se perdeu.

Os Padres Lazaristas (Congregação da Missão), administraram o Santuário entre os anos de 1827 a 1855 e eram destacados pela ênfase que davam em suas pregações, notadamente severas e sempre recorrendo a prática da punição dos pecados com ações mais elevadas de fé. Jornais do século 19 noticiavam existir o cumprimento de promessa por parte dos peregrinos como a de serem arrastados, presos a correntes ou cordas, e até pelos cabelos, pela ladeira até o altar em atos de autoflagelação como demonstração de se repetir o sofrimento vivido por Jesus Cristo. Somente no ano de 1939 tais atos foram terminantemente proibidos pelas autoridades eclesiásticas.

Entre os anos de 1896 a 1903 os Padres Maristas administram somente o Colégio Matosinhos e não interferiram na organização do Jubileu.

A partir de 1924 (até 1971) coube aos Padres Redentoristas a administração do Santuário e do Colégio Santo Afonso sendo estes muito influentes na comunidade através de suas ações religiosas e sociais.

As práticas religiosas e profanas do Jubileu:

Foram os próprios peregrinos que moldaram a festa dedicada ao Bom Jesus e que, de maneira particular, criaram suas práticas religiosas.

São cinco atos indispensáveis ao peregrino que define sua presença em Congonhas na semana de setembro que reverencia o Bom Jesus de Matosinhos.

O primeiro ato é subir a ladeira que leva ao sacro monte. Em seguida passar pelo abrigo dos pobres e desvalidos e deixar lá sua contribuição em auxílio dos mesmos. O terceiro ato é se confessar diante do Padre. A passagem pela fila do “beijo”, para beijar a fita vermelha diante da imagem do Senhor Morto e sair direto na Sala dos Milagres, constitui o quarto ato de sua peregrinação. E por fim, em seu último ato, o romeiro/peregrino assisti a missa final recebendo assim a bênção dos objetos pelo celebrante com água benta.

Cabe ressaltar que não é exatamente nessa ordem que o romeiro cumpre sua passagem por Congonhas, mas ele as cumpre para garantir válida a sua presença e para renovar os votos para o próximo Jubileu. E até o final da década de 1980 ainda era comum os romeiros se despedirem de Congonhas entoando um cântico ao Bom Jesus.

Mas o que não pertence ao âmbito do sagrado também acontecia concomitantemente com as celebrações de fé do Jubileu e se realizavam do outro lado da ponte sob o rio Maranhão. Bailes, jogos e diversas atrações mundanas, inclusive os prostíbulos temporários, eram constantes até meados dos anos 1980.

A presença das mulheres ciganas era constante e se posicionavam estrategicamente no “pé” da ladeira para “ler as mãos” dos desavisados. E com o passar do tempo essas práticas quase que cessaram. Também sempre foi comum a presença de larápios e espertalhões que abusavam (e ainda abusam) da boa-fé dos mais incautos peregrinos para auferir alguma vantagem.

A diversão: circos e parques:

Durante as primeiras décadas do século 20 vinham de longe inúmeros artistas e os mais famosos circos que apresentavam atrações antes vistas somente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, com variadas atrações no picadeiro. A abertura dos espetáculos era feita com musicais da época e diversos eram os números artísticos com palhaços, trapezistas, equilibristas, mágicos e dançarinas de rumba. O palhaço Carequinha, um dos mais famosos do Brasil, se apresentou em diferentes números circenses no Jubileu de Congonhas durante anos.

Animais, em sua maioria exóticos, também faziam suas apresentações sob o comando dos domadores. Até museus de cera ambulantes eram vistos. Outra atração grandiosamente aguardada pelo público eram as lutas livres promovidas pelas mulheres da família paulista Zumbano que fizeram história pelo Brasil. Elas desafiavam homens da plateia para lutarem no picadeiro.

Por fim, o momento mais aguardado nos circos eram os shows que encerravam os espetáculos. Grandes artistas da música popular brasileira se apresentaram em Congonhas nessa época: Francisco Petrônio, Orlando Silva, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Adelaide Chiozo e seu acordeom e muitos outros.

A partir do final da década de 1960 uma nova prática de diversão se estabeleceu no Jubileu: os parques de diversões; uma novidade que cativou principalmente crianças e jovens que se divertiam, e ainda divertem, na roda gigante, chapéu mexicano e tantos outros brinquedos.

As hospedarias:

Uma preocupação que sempre existiu por parte dos organizadores/administradores do jubileu era a de acolher bem os romeiros. Desde o início da construção da capela foram investidos também recursos para abrigar os trabalhadores já que a margem esquerda do rio Maranhão era desprovida de construções. Pouco tempo depois essas casas, antes destinadas aos trabalhadores, passaram a servir de pouso aos peregrinos que iniciavam o costume de, anualmente, dobrar seus joelhos diante do Cristo Crucificado em Congonhas. Costume esse que se transformou em um histórico evento enraizado na tradição dos católicos, especialmente, os mineiros.

A trajetória dos festejos do Jubileu foi se alterando gradualmente até as três primeiras décadas do século XX quando a administração dos Padres Redentoristas promoveu significativas mudanças para receber os peregrinos.

As casas de hospedagem “sertão” e “varandas” foram demolidas do entorno da igreja assim como a parte frontal do seminário que sofreu um recuo de 8 metros, com o objetivo de permitir um melhor fluxo da multidão que, até então, se espremia durante as missas campais.

E para suprir essa aparente diminuição na oferta de vagas em hospedagem, decidiram construir um grande complexo para abrigar os romeiros, surgindo então as casas no formato oval com um pórtico de entrada para controle. Esse local tempos depois iria ficar conhecido como “romaria”.

As novas hospedarias circulares funcionaram entre 1936 a 1966 quando foram desativadas em definitivo. Nessa época (década de 1960) Congonhas já era bem servida pela estrada de ferro e pela recém-inaugurada BR-3, a atual BR040, permitindo que os romeiros pudessem ir e vir no mesmo dia, como acontece atualmente.

Vale destacar que durante a existência dos abrigos para os romeiros, diversos problemas sociais foram surgindo. Um desses problemas era: como muitos romeiros ou pobres não iam embora depois da festa, criava-se um ambiente muitas vezes deteriorado socialmente. Este fato, juntamente com as transformações nos transportes que permitiu a ida e o retorno do romeiro no mesmo dia, levou à desativação de todas as romarias e até mesmo à demolição de algumas delas.

Todavia, ficou no imaginário dos antigos romeiros as casas de hospedagens que os abrigavam durante os festejos do jubileu.

A viagem:

Em seus primeiros 120 anos de festejos, o jubileu atraia os romeiros que viam a pé ou em lombo de animais por caminhos tortuosos e precários.

Mas após a inauguração da estação ferroviária do Distrito de Lobo Leite em 25/08/1886 pela Estrada de Ferro Dom Pedro II, um novo transporte de massa iria alterar a dinâmica do jubileu e mudaria de maneira significativa o comportamento dos peregrinos durante o século 20.

Distante apenas a 8km do Santuário, a estação de Lobo Leite passou a ser o destino dos romeiros que anualmente se dirigiam ao Santuário do Bom Jesus. Passou a ser alí a ‘porta de entrada’ do jubileu pois os trens de passageiros traziam milhares deles diariamente.

E como o número de peregrinos aumentava ano a ano, um ramal férreo, de iniciativa privada, foi construído a partir de 1897 e inaugurado em 01/09/1899. Para atender a iniciativa foi constituída a Estrada de Ferro Congonhas do Campo que posteriormente foi rebatizada para Estrada de Ferro Vale do Paraopeba tendo o Santuário do Bom Jesus se tornado um investidor no projeto e custeado 1/3 do valor das obras e aquisição de equipamentos ferroviários. Em pouco tempo essa pequena ferrovia de 8km de extensão ganhou a alcunha de “Trem do Bispo” em alusão à atitude do então Bispo Dom Silvério Gomes Pimenta em autorizar o administrador do Santuário, Padre Cândido Veloso, a investir no transporte de romeiros. Essa atitude do Bispo de Mariana a fez única todo o Brasil: a Igreja Católica ser sócia/investidora em um ramal férreo.

O ponto de partida do “Trem do Bispo” era no km 479 da E. F. Dom Pedro II (rebatizada após a proclamação da república para E. F. Central do Brasil) que fica 3km antes da estação de Lobo Leite. Nesse local foi construída a estação “Jubileu”. E seu ponto final, após margear grande parte do rio Maranhão, era na estão “Santuário”, onde atualmente funciona o banco Santander e o restaurante Bell Freezer, região central de Congonhas.

O “Trem do Bispo” funcionou até 1917 quando foi desativado após a inauguração da estação “Congonhas do Campo” no ramal do Paraopeba pela E. F. Central do Brasil, permitindo assim que os romeiros chegassem/partissem diretamente desse ponto e não mais terem que fazer baldeações na antiga estação “Jubileu”.

Foi a partir da oferta dos trens de passageiros que se iniciaram as grandes caravanas de romeiros nos meses de março e junho (antecedendo ao jubileu de setembro) a partir do ano de 1900. Relatos em jornais nos mostram que, somente em um único dia do mês março de 1901, desembarcaram em Congonhas uma caravana de mais de 500 peregrinos provenientes da zona da mata mineira. E após cumprirem seus atos devocionais, embarcaram no fim do dia de volta para seus lares.

No final da década de 1940, intensificou-se o transporte de romeiros em caminhões, ônibus e carros. E essa maior abundância dos automóveis e transportes coletivos acabou por modificar a celebração do Jubileu, aumentando o fluxo diário de peregrinos.

O Jubileu é para muitos romeiros a grande oportunidade de realizarem a única viagem do ano.

O comércio:

         Desde o surgimento da festa do Jubileu já encontramos relatos do comércio em paralelo à festa religiosa. Comerciantes, em sua grande maioria vindos de São Paulo se estabeleceram na ladeira Bom Jesus ainda no final do século 18 e criaram uma referência no local que, passadas várias gerações, permanece até os dias atuais.

         A partir da década de 1920, as ruas da estação e da poeira, assim chamadas as ruas Governador Valadares e Dr. Paulo Mendes, se tornaram o ponto de confluência das pessoas que vinham de trens, caminhões, no lombo de animais e mesmo a pé para dali, num movimento frenético, subirem a ladeira em direção a Basílica e aos pés do Bom Jesus pagarem suas promessas e renovarem sua fé.

Por mais de 200 anos as barracas eram instaladas entre a praça da Matriz até a Basílica do Bom Jesus. Também eram vistas na rua da estação. Vendiam (e ainda vendem) todo tipo de mercadorias inclusive frutas – maçãs e peras argentinas, uma grande novidade introduzida na década de 1940 e que tempos depois daria origem à afamada ‘maçã do amor’. Só para ilustrar, a barraca de “churros” marca presença no Jubileu a mais de 40 anos.

Dos comerciantes que vinham anualmente à Congonhas dois eram folclóricos e populares e se tornaram lendas para os romeiros: o turco Chaim que vendia joias e relógios e mascava cebola o dia todo e o inesquecível Sr. Abrahão das rendas. Até as estimadas Violas de Queluz somente eram comercializadas no Jubileu pelos membros das famílias Salgado e Meirelles, afamados fabricantes desse instrumento que encantou Dom Pedro II e ganhou o Brasil através dos romeiros.

O Jubileu lançava e ditava a moda e os costumes do povo mineiro até meados dos anos 1970.

A organização do Jubileu:

Vale destacar que o início da participação da prefeitura municipal de Congonhas na organização da festa foi outro fator importante nas transformações do Jubileu. Até os finais dos anos 1930, a festa era organizada pela Igreja; a partir dos anos 1940, ela foi dividida: a parte religiosa e assistencial continuou a ser organizada pela Igreja, enquanto o restante ficou a cargo do Poder Público.

As doenças e as “fake News”:

         O Jubileu também já sofreu (e ainda sofre) com surtos de doenças. Relatos em jornais nos mostram que esses surtos já comprometeram diversas celebrações. Um deles foi no início da década de 1890 quando a varíola se espalhou pela região causando temor no fieis. A organização do Jubileu contou na época com médicos vindos de várias cidades para garantir a festa.

         A gripe “espanhola” foi outro temor entre os anos de 1919 a 1922. Mas mesmo assim as celebrações aconteceram normalmente.

         E mais recentemente, em 2009, não tivemos as celebrações em função da “gripe suína”. As autoridades municipais e eclesiásticas entenderam ser mais prudente suspender os festejos do Jubileu. Assim como deverá acontecer neste ano devido a pandemia da Covid-19.

         Já as notícias falsas, as “fake news” que conhecemos atualmente, também já atrapalharam o Jubileu em outros tempos. Em 1895, devido a uma disputa entre a Mesa da Irmandade do Bom Jesus e a Diocese de Mariana pela organização da festa, foi noticiado em jornais de grande circulação em Minas Gerais que o Jubileu não aconteceria devido ao novo surto de varíola, fato este que não aconteceu.

A Rádio Congonhas:

         Criada sob a inspiração do então Arcebispo de Mariana Dom Oscar de Oliveira iniciou suas atividades em 19/11/1961 logo se tornando um marco em todo a região do Alto Paraopeba, sendo administrada em seus primeiros anos pelos padres Redentoristas. É uma rádio aberta a todos os segmentos da comunidade e inclinada aos ensinamentos católicos ficando conhecida como a “emissora do Bom Jesus”.

         E de imediato o romeiro logo se identificou com seus microfones criando um vínculo forte que perdura até os dias atuais. Se tornou um meio de comunicação com os familiares e amigos que não puderam vir a Congonhas durante o Jubileu.

         Assim que chegam diante da Basílica do Bom Jesus o romeiro logo procura os microfones da rádio para “deixar seu recado” àqueles de quem tem estima e consideração, levar a mensagem da fé e devoção, relatar a graça alcançada e também relatar como está sendo a sua passagem por Congonhas.

O Jubileu de Congonhas é mágico, se inventa e reinventa, mas ainda mantém preservada a sua essência: a fé no Bom Jesus.

Fontes consultadas:

Relação Chronologica do Santuário e Irmandade do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo no Estado de Minas Gerais de autoria do Padre Júlio Engracia, editado em São Paulo em 1908 pela Editora Escolas Profissionais Salesiana.

A Basílica do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo – Edgard de Cerqueira Falcão – 1953

Turismo religioso: Jubileu do Senhor Bom Jesus de Congonhas de Matosinhos – Congonhas do Campo – Flávio Vitarelli – 1997.

Manual do Romeiro do Bom Jesus de Congonhas de autoria de Fábio França em 2001.

A espacialidade na construção da identidade: a Feira do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em. Congonhas do Campo/MG de autoria de Thiago Duarte Pimentel. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

O Jubileu do Bom Jesus em Congonhas entre a tradição e a reforma ultramontana – Ítalo Domingos Santirocchi – 2011.

O Jubileu do Senhor Bom Jesus em Congonhas: discursividades religiosas e relações de poder (1780-1809) – Herinaldo Oliveira Alves – 2013.

Arte e Paixão – Congonhas de Aleijadinho – Fábio França – 2017

Congonhas – Da fé de Feliciano à genialidade de Aleijadinho – Domingos Teodoro da Costa – 2020

Jornais: O Pharol, O Dia, Minas Gerais, O Bom Jesus, Jornal de Queluz, O Bem Público, Diário de Minas e Correio Oficial de Minas –editados/publicados entre 1850 e 1960.

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