A Cruz de Mármore Da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas/MG

André Candreva

Sócio Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas – IHGC – cadeira nº 8

Sócio Efetivo da Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas – ACLAC – cadeira nº 39

Sócio Correspondente da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete – ACLCL

Sócio Efetivo da Academia de Letras Brasil – RMBMG – cadeira nº 39

Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG – cadeira nº 11

A Cruz de Mármore da Basílica de Congonhas

Marcel André Félix Gautherot, renomado fotógrafo franco-brasileiro, esteve em Congonhas em três oportunidades. Na primeira delas, em 1947, fotografou a cidade por vários ângulos e em especial o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos e o fervor devocional dos peregrinos durante os festejos do Jubileu.

Em sua primeira permanência em Congonhas abusou dos cliques com sua máquina fotográfica e, em alguns desses registros, capturou um símbolo na parede frontal da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, bem à direita da porta de entrada do templo.

A foto abaixo (figura 1) nos revela esse símbolo e desde que vi essa imagem, ficava a perguntar: o que seria esse símbolo? Recentemente indagado por um amigo sobre esse objeto que lhe foi apresentado pelo Padre Paulinho (Pe. Paulo Barbosa) quando administrava interinamente o Santuário de Congonhas, em fins de 2022, o que me motivou a desfazer essa curiosidade.

Figura 1 – Jubileu de Congonhas – 1947 – Marcel Gautherot

Inclinado a “desvendar o mistério”, iniciei uma intensa varredura aos acervos de jornais e almanaques disponíveis, quando me deparei com uma matéria publicada no “Jornal do Commércio” em fins do ano de 1900. Matéria essa que foi reveladora, desfazendo-se assim a dúvida quanto a esse símbolo.

Trata-se de uma cruz de mármore doada por comerciantes de Juiz de Fora (MG), devotos do Bom Jesus de Matosinhos, no limiar do ano de 1900, aos administradores do Santuário (leia-se Mesa da Irmandade do Bom Jesus e o Padre Cândido Ferreira Velloso).

Abaixo, trecho da matéria do “Jornal do Commércio”:

O texto do recorte acima é de autoria do Dr. Moreira Filho, correspondente do Jornal do Commercio (RJ), na edição de nº 354 em 21 de dezembro de 1900, quando esteve em Congonhas logo após as festividades do Jubileu do mesmo ano.

O correspondente Moreira faz uma narrativa do que viu em Congonhas, descrevendo a Basílica como “feia” e as esculturas de Aleijadinho como obras “grosseiras”. Como podemos observar, a genialidade do toreuta ouropretano ainda não havia sido reconhecida, tampouco o esplendor da Basílica e seu monumental adro…

Figura 2 – Peregrinos em Congonhas – Santuário do Bom Jesus de Matosinhos – 1947 – Foto de Marcel Gautherot

A cruz de mármore foi uma doação dos comerciantes de Juiz de Fora, devotos do Bom Jesus de Matosinhos, no qual destaco que logo após a inauguração, em setembro de 1899, do ramal férreo da companhia “Estrada de Ferro Vale do Paraopeba” – ramal esse que ficou popularmente conhecido como “Trem do Bispo”, a cidade de Juiz de Fora foi a primeira a organizar caravanas de devotos para visitarem o Santuário do Bom Jesus através dos trens de passageiros. Em março de 1900 chegavam a Congonhas cerca de 500 peregrinos em um trem especial da Central do Brasil. Essas caravanas logo se popularizaram e eram mais concorridas nos meses de março, junho, agosto e outubro, além, claro, do mês de setembro – eternizado pelas celebrações do Jubileu em Congonhas.

Figura 3 – Matéria do Jornal do Brasil de 1º/04/1900 sobre a caravana de devotos de Juiz de Fora a Congonhas

         A cruz, esculpida em mármore, foi inspirada nas comemorações do Ano Santo (1900 – 1901) pelos católicos conforme decretado pelo Sumo Pontífice, o Papa Leão XIII.

Figura 4 – Desenho da cruz de mármore – Jornal do Brasil – 1º/04/1900

Em meados da década de 1950, após um período de reformas, a cruz de mármore foi retirada da parede frontal do templo pelos técnicos do DPHAN (atual IPHAN), e a peça encontra-se atualmente no acervo da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas. Uma verdadeira relíquia.

Figura 5 – Cruz de mármore – Doada por peregrinos – Igreja do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas – Foto: Edson Adriano Santos – 2022

Abaixo, a cruz de mármore pelas lentes de Marcel Gautherot em ângulos diferentes durante os festejos do portentoso Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos no ano de 1947.

Referências consultadas:

Jornal do Commércio – RJ – edição de nº 354 – 21 de dezembro de 1900;

Jornal do Brasil – RJ – edição de nº 91 – 1º de abril de 1900;

Instituto Moreira Salles – www. https://ims.com.br/;

A Cruz de Mármore Da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas/MG

André Candreva

Sócio Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas – IHGC – cadeira nº 8

Sócio Efetivo da Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas – ACLAC – cadeira nº 39

Sócio Correspondente da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete – ACLCL

Sócio Efetivo da Academia de Letras Brasil – RMBMG – cadeira nº 39

Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG – cadeira nº 11

A Cruz de Mármore da Basílica de Congonhas

Marcel André Félix Gautherot, renomado fotógrafo franco-brasileiro, esteve em Congonhas em três oportunidades. Na primeira delas, em 1947, fotografou a cidade por vários ângulos e em especial o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos e o fervor devocional dos peregrinos durante os festejos do Jubileu.

Em sua primeira permanência em Congonhas abusou dos cliques com sua máquina fotográfica e, em alguns desses registros, capturou um símbolo na parede frontal da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, bem à direita da porta de entrada do templo.

A foto abaixo (figura 1) nos revela esse símbolo e desde que vi essa imagem, ficava a perguntar: o que seria esse símbolo? Recentemente indagado por um amigo sobre esse objeto que lhe foi apresentado pelo Padre Paulinho (Pe. Paulo Barbosa) quando administrava interinamente o Santuário de Congonhas, em fins de 2022, o que me motivou a desfazer essa curiosidade.

Figura 1 – Jubileu de Congonhas – 1947 – Marcel Gautherot

Inclinado a “desvendar o mistério”, iniciei uma intensa varredura aos acervos de jornais e almanaques disponíveis, quando me deparei com uma matéria publicada no “Jornal do Commércio” em fins do ano de 1900. Matéria essa que foi reveladora, desfazendo-se assim a dúvida quanto a esse símbolo.

Trata-se de uma cruz de mármore doada por comerciantes de Juiz de Fora (MG), devotos do Bom Jesus de Matosinhos, no limiar do ano de 1900, aos administradores do Santuário (leia-se Mesa da Irmandade do Bom Jesus e o Padre Cândido Ferreira Velloso).

Abaixo, trecho da matéria do “Jornal do Commércio”:

O texto do recorte acima é de autoria do Dr. Moreira Filho, correspondente do Jornal do Commercio (RJ), na edição de nº 354 em 21 de dezembro de 1900, quando esteve em Congonhas logo após as festividades do Jubileu do mesmo ano.

O correspondente Moreira faz uma narrativa do que viu em Congonhas, descrevendo a Basílica como “feia” e as esculturas de Aleijadinho como obras “grosseiras”. Como podemos observar, a genialidade do toreuta ouropretano ainda não havia sido reconhecida, tampouco o esplendor da Basílica e seu monumental adro…

Figura 2 – Peregrinos em Congonhas – Santuário do Bom Jesus de Matosinhos – 1947 – Foto de Marcel Gautherot

A cruz de mármore foi uma doação dos comerciantes de Juiz de Fora, devotos do Bom Jesus de Matosinhos, no qual destaco que logo após a inauguração, em setembro de 1899, do ramal férreo da companhia “Estrada de Ferro Vale do Paraopeba” – ramal esse que ficou popularmente conhecido como “Trem do Bispo”, a cidade de Juiz de Fora foi a primeira a organizar caravanas de devotos para visitarem o Santuário do Bom Jesus através dos trens de passageiros. Em março de 1900 chegavam a Congonhas cerca de 500 peregrinos em um trem especial da Central do Brasil. Essas caravanas logo se popularizaram e eram mais concorridas nos meses de março, junho, agosto e outubro, além, claro, do mês de setembro – eternizado pelas celebrações do Jubileu em Congonhas.

Figura 3 – Matéria do Jornal do Brasil de 1º/04/1900 sobre a caravana de devotos de Juiz de Fora a Congonhas

         A cruz, esculpida em mármore, foi inspirada nas comemorações do Ano Santo (1900 – 1901) pelos católicos conforme decretado pelo Sumo Pontífice, o Papa Leão XIII.

Figura 4 – Desenho da cruz de mármore – Jornal do Brasil – 1º/04/1900

Em meados da década de 1950, após um período de reformas, a cruz de mármore foi retirada da parede frontal do templo pelos técnicos do DPHAN (atual IPHAN), e a peça encontra-se atualmente no acervo da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas. Uma verdadeira relíquia.

Figura 5 – Cruz de mármore – Doada por peregrinos – Igreja do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas – Foto: Edson Adriano Santos – 2022

Abaixo, a cruz de mármore pelas lentes de Marcel Gautherot em ângulos diferentes durante os festejos do portentoso Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos no ano de 1947.

Referências consultadas:

Jornal do Commércio – RJ – edição de nº 354 – 21 de dezembro de 1900;

Jornal do Brasil – RJ – edição de nº 91 – 1º de abril de 1900;

Instituto Moreira Salles – www. https://ims.com.br/;

Os tradicionais “barraqueiros” do secular Jubileu de Congonhas

* Por André Candreva

O Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas certamente é considerado uma das maiores festas cristã católica de Minas Gerais. Foi instituído oficialmente pelo Papa Pio VI em 1779, mas já era realizada muito antes dessa data. E em paralelo aos festejos religiosos, comerciantes, em sua maioria vindos do estado de São Paulo, sempre marcaram presença em Congonhas durante o mês de setembro.

Muitos deles ficaram no imaginário de milhares de pessoas que passaram pela ladeira Bom Jesus nesses últimos dois séculos.

Das lembranças de milhares de fiéis que freneticamente subiam e desciam, entre as décadas de 1940 e 1970, a tradicional “rua da calçada”, também conhecida como “ladeira Bom Jesus”, ficaram imortalizados os tradicionais “barraqueiros”, comerciantes que vinham a Congonhas anualmente e que criaram laços de amizade com muitos moradores da lendária “rota da fé”.

“Chaim”, de origem turca, era um caixeiro viajante e muito popular. Sempre se instalava em uma casa no início da ladeira que era de propriedade dos irmãos “Totonho” e “Chiquinho” Cassemiro. Vestia-se com um paletó enorme que servia para carregar todo tipo de quinquilharias e bugigangas além de relógios, pulseiras, anéis, brincos e colares. O turco Chaim foi o primeiro barraqueiro a comercializar no Jubileu de Congonhas um pequeno radinho portátil de pilha e que se tornou uma febre entre os mineiros. Sua “marca registrada” era mascar cebolas o dia todo. Chaim frequentou o jubileu por mais de 30 anos.

Foto/acervo: Museu da Imagem e Memória de Congonhas – Jubileu – década de 1950

O carioca Godinho Pereira foi outro barraqueiro famoso por aqui que vendeu sombrinhas e guarda-chuvas por mais de 20 anos.

Francisco Oliveira, também carioca de São Cristóvão, vendia calçados “ponta de estoque” e os tratava como “xuxu”. Depois da festa voltava para o Rio de Janeiro levando pássaros, carneiros e cabritos para revender na feira de São Cristóvão. Se tornou grande amigo dos italianos José Vartuli e Francisco Candreva, renomados comerciantes em Congonhas. Francisco marcou presença no Jubileu por mais de 40 anos.

Outro barraqueiro que vinha do Rio de Janeiro era o turco “Zazá”, que comercializava roupas femininas feitas. Eram roupas finas e foi ousado ao vender as calças compridas femininas pela primeira vez em Congonhas na década de 1950, para espanto das tradicionais famílias mineiras.

Manoel Vieira vinha de Nilópolis (RJ) e vendia produtos religiosos, imagens de santos além de ser vidraceiro. Durante 60 anos frequentou o jubileu de Congonhas.

De São Paulo vinha Marcos Benjamin, que tinha ascendência judaica, e vendia roupas feitas, tornando-se o primeiro barraqueiro a comercializar no Jubileu as famosas “capa Ideal” da marca “3 Coqueiros” que eram perfeitas para o trabalhadores rurais. Foram mais de 20 anos em Congonhas.

O folclórico turco “Abraão das Rendas” também vinha de São Paulo. Era uma figura muito popular e muito engraçada. Tratava todas as mulheres por “Sá Chica”. Vendia suas mercadorias para as freguesia conhecida e só cobrava no ano seguinte. Fez isso por mais de 30 anos em Congonhas.

Pedro Abúdi, também de origem turca, vinha de São Paulo para vender roupas feitas e confecções finas. Ele era uma pessoa exótica e só comia carne de carneiro. Tinha quem criasse carneiros para quando ele chegasse a Congonhas no início de setembro.

Do distrito de Santo Antônio do Leite, em Ouro Preto, vinham os irmãos José e Ramiro dos Santos que vendiam arreios e utensílios para montaria. Ficavam instalados em frente a casa da família Dias Leite na ladeira Bom Jesus e por mais de 40 anos comercializaram seus produtos no jubileu.

Da cidade de Dores de Campos vinha o comerciante Valdemar Nascimento Silva, que durante 40 anos vendeu em Congonhas arreios para animais e botinas que fabricava.

E na esquina da rua Bom Jesus com a rua Feliciano Mendes ficava a Relojoaria Sabará ou Sabarense. Era muito antiga e tradicional em Congonhas. Vendia ouro puro e relógios de todos os tipos e marcas.

Esses são alguns dos comerciantes que o tempo “imortalizou” na memória do povo mineiro, seja pelos modos “exóticos”, seja pelos produtos que vendiam.

O fervor devocional do Jubileu transcende a compreensão mas a magia do comércio na ladeira Bom Jesus ainda provoca boas lembranças em milhares devotos…

* André Candreva

Membro da ACLAC (Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas), ACL-CL (Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete) e IHGC (Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas).

As Violas de Queluz e o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos…

A vocação musical dos mineiros e, principalmente, a prática de tocar violas é atestada em diversos registros, documentos e publicações já no século XVIII. Os viajantes que por aqui passaram nas primeiras décadas do século XIX como os franceses Auguste Saint Hilaire e Ferdinand Denis dão fartas referências sobre o cenário e costumes provincianos. Estes relatos nos mostram a importância da música no cotidiano da sociedade brasileira recém-liberta do julgo português.

As festas religiosas assim como as reuniões familiares, são os principais espaços para a prática musical popular na primeira metade do século XIX, onde se destacam a presença de violas e rabecas nas apresentações, configurando os principais instrumentos dessa época.

E um fator que contribuiu para isso foi a presença de músicos portugueses em território mineiro no século XVIII, que difundiu a tradição de fabricar a viola na região central de Minas Gerais, inspirada nas “violas toeiras”.

Pelo interior de nosso Estado as violas de cordas tornavam-se cada vez mais populares e instrumento de ofício para celebrações religiosas e festividades domésticas.

E um dos centros produtores de maior fama foi em Queluz (antiga Real Villa de Queluz), atual Conselheiro Lafaiete, região que até 1790 ainda pertencia a Vila de São José del Rei (Tiradentes).

Durante o curso de todo o século XIX Queluz chegou a ter cerca de quinze oficinas de instrumentos musicais. Oficinas essas que se estenderam por um longo período no século seguinte.

1955 – de autoria da revista Alterosa, edição de outubro de 1955, que veio a Congonhas fazer uma reportagem sobre o jubileu… e o fotógrafo captou o momento em que os violeiros faziam uma demonstração das Vilas de Queluz… algo emblemático e mítico da história da música mineira…

Possuindo doze cordas (três duplas e duas triplas), as violas de Queluz traziam elementos em sua composição que acabaram servindo de modelo aos produtores da época. A sua marchetaria adornava as violas ao esculpir artesanalmente formas e desenhos.

Seja símbolos ou desenhos de decantada beleza, a marchetaria tornou-se uma característica ímpar que os fabricantes desenvolveram e que ajudaram a consolidar a reputação de preciosidade artística dos instrumentos fabricados em Queluz.

A família portuguesa dos Meireles, que se estabeleceu como uma das mais antigas do território mineiro chegou a Queluz ainda no século XVIII e ali se estabeleceu. Seus membros tinham diversas habilidades como carpinteiros e marceneiros. Foram os primeiros na confecção e fabricação de violas em Queluz e um dos pioneiros foi Francisco Cândido de Meireles, que ficou conhecido como “Chico Meireles”.

Outro famoso fabricante foi o Ventura; José Meireles ou Juca Meireles como era conhecido.

Uma das particularidades dos Meireles, é que, com raras exceções, quase todos os homens são marceneiros, profissão esta que, ao lado do fabrico das violas, é transmitida de pai para filho.

Benjamim Cândido Meireles e seus filhos possuíam uma das melhores fábricas de Queluz (Conselheiro Lafaiete).

Entre os pertences da família Meireles estava uma caderneta datada entre 1916 a 1929 que contabilizava a produção de 958 violas nesse período. Um número realmente expressivo para o início do século XX.

Outro afamado fabricante da viola de Queluz foi José de Souza Dias que nasceu no ano de 1858 e devido a questões familiares, quando tinha 18 anos alterou, seu nome para José de Souza Salgado, ficando assim conhecido. Não se sabe ao certo mais é provável que José de Souza Salgado tenha aprendido o ofício da fabricação e execução da viola com Antônio Gonçalves Martins.

Em pouco tempo tornou-se o mais famoso fabricante das violas em Queluz, fama essa aumentada pela grande exibição que fez à sua Majestade, o Imperador Dom Pedro II quando de passagem pela cidade no ano 1881. Ao lado do amigo violeiro Luiz Dias de Souza, José de Souza Salgado proporcionou a Dom Pedro II uma inesquecível serenata, fato que o deixara orgulhoso.

A partir de então, as Violas de Queluz ganharam prestígio e valorização na Corte que passou a fazer encomendas dos instrumentos queluzianos devido à boa qualidade do timbre e excelência na fabricação.

E não tardou para que a cidade ficasse conhecida em toda a extensão da Estrada Real como a Terra das Violas.

Vale destacar que José de Souza Salgado manteve por décadas a sua fábrica de violas na antiga rua do Rosário, a atual Assis Andrade. A oficina ficou carinhosamente conhecida como Tenda, local de intensas reuniões de violeiros de toda região. A última viola fabricada pela família Salgado foi feita no ano de 1969.

Em 1908 durante a exposição nacional realizada na Urca, Rio de janeiro, as violas de Queluz ratificaram a fama de serem as melhores violas do Brasil e foram admiradas exaustivamente no pavilhão Minas Gerais, espaço destinado durante a exposição à cultura mineira.

Anos antes, em 1902, as Violas de Queluz já tinham sido premiadas e alcançado fama internacional ao receber o prêmio de melhor instrumento estrangeiro durante a exposição anual realizada na Pensilvânia, nos EUA.

As violas de Queluz foram ainda premiadas no Congresso Internacional de Folclore em 1954 realizado na cidade de São Paulo.

Diante da fama alcançada pelas violas produzidas em Queluz desde a aurora do século XIX até a segunda metade do século XX – sobretudo pelas famílias Salgado e Meirelles – uma pergunta paira sempre. Como pôde o instrumento alcançar tal projeção por toda Minas Gerais e o Brasil numa época provinciana com meios de comunicação e transporte bastante limitados? A resposta é o pujante Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.

A festa religiosa atraía, e ainda atrai, milhares de romeiros devotos do Bom Jesus de Matosinhos que também propiciou um forte e diversificado comércio nas ladeiras de Congonhas. Entre as inúmeras barracas e seus produtos, a viola de Queluz era exposta e comercializada no Jubileu onde luthiers realizavam rodas de violas para chamar a atenção dos romeiros. Assim, as violas de Queluz encontravam muitos compradores e o instrumento chegava a “rincões distantes de Minas Gerais, Bahia, Goiás, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados”.

Em Congonhas destacamos o Sr. Geraldino Navarro, autodidata, que passou a fazer instrumentos de corda ainda em sua juventude em Caranaíba, sua terra natal. Mudou-se para Congonhas onde montou sua oficina e foi professor e maestro da Corporação Musical Senhor Bom Jesus. Fabricou as violas de Queluz para os Meireles. Seu trabalho de marchetaria era considerado magnífico, arrematado pelo singular cavalete-bigode. Geraldino Navarro faleceu aos 52 anos e seu filho, Jair Navarro herdou o saber e continua fabricando instrumentos em seu atelier em Congonhas. Geraldino Navarro é avô do afamado escultor congonhense Luciomar.

As violas de Queluz, hoje seculares, continuam encantando gerações com destaque para Chico Lobo, Max Rosa e Claudio Alexandrino, músicos e luthiers, que ao fazerem suas coleções preservam a alma desse instrumento mágico e que, desde 2007, foram reconhecidas por lei como patrimônio cultural de Conselheiro Lafaiete.

A importância das Violas de Queluz como patrimônio histórico e cultural de Conselheiro Lafaiete está diretamente ligada a história musical brasileira e desde 2018 se tornaram também patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais.

Viva a “Viola de Queluz”.

* André Candreva

Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas (IHGC)

“Trem do Bispo – nos trilhos da fé”

Meus amigos leitores,

O presente artigo, assim como o anterior aqui publicado, nos remete às solenidades dedicadas ao Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas. A fé e a devoção expressas em seu portentoso Jubileu motivaram até, dentre a realização de várias obras, a construção de um ramal férreo em Congonhas. Feito único da Igreja Católica no Brasil como parceira empreendedora de uma estrada férrea.

Depois de pronta, essa ligação ficou popularmente conhecida como ‘trem do Bispo’ e possibilitou que romeiros e devotos do Bom Jesus de Matosinhos, alunos e professores do Seminário, padres do Santuário, além dos moradores congonhenses, tivessem um meio de transporte célere com as principais cidades mineiras (e até de outros estados brasileiros) através da estrada de ferro.

Após sua construção e efetiva operacionalização, o ramal desempenhou um marcante papel transformador e modernista, pois alavancou o crescimento de Congonhas permitindo que aqui chegassem levas de empreendedores que apostaram em um novo limiar no então arraial, no descortinar do século 20, além de transformar significativamente o comportamento dos peregrinos e fieis durante os festejos anuais do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

Embarquem nessa leitura e façam uma viagem pela história no “Trem do Bispo – nos trilhos da fé”. Espero que gostem. Boa leitura ou boa viagem…

“Trem do Bispo – nos trilhos da fé”

Congonhas, em seus vários ciclos de desenvolvimento, tem na chegada da estrada de ferro um novo momento em sua história.

Conheça agora um capítulo marcante de sua história ainda desconhecido da maioria dos congonhenses.

A estrada de ferro Dom Pedro II próxima a Congonhas

A Estrada de Ferro Dom Pedro II, fundada em 1858, tem seu ponto de partida na cidade do Rio de Janeiro e segue em direção a Minas Gerais transpondo a serra das Araras, e daí em diante passando por Juiz de Fora, Santos Dumont e Barbacena. E em 1883 chegou a Queluz (Conselheiro Lafaiete) com bitola (distância entre os trilhos) de 1,60m.

A partir de 1884 seguiu sua construção lentamente de Conselheiro Lafaiete em direção ao sertão mineiro até atingir as margens do rio São Francisco e a divisa com o estado da Bahia na década de 1930. Passou próximo da futura capital mineira (Belo Horizonte) em 1891. Porém esse trecho de Conselheiro Lafaiete em diante foi construído com a bitola de 1,00m em razão da diminuição de custos e também do menor raio das curvas, criando assim uma ‘quebra’ em Lafaiete entre os trens obrigando os passageiros que seguiam viagem a realizar a baldeação de um trem para o outro.

E dessa forma, no final do século 19, o então distrito de Congonhas passou a contar de maneira indireta com os serviços da EFDPII após a inauguração da estação ‘Soledade’, no distrito de mesmo nome, em 25 de agosto de 1886.

O distrito de Soledade (hoje Lobo Leite) foi incluído no projeto ferroviário que conectou a então capital mineira Ouro Preto – através do ramal que partia de São Julião (atual Miguel Burnier) – e a cidade do Rio de Janeiro (capital federal à época), por ser o primeiro povoado do vale do Paraopeba depois de Lafaiete, em direção a Ouro Preto e Itabirito, considerado local ideal para iniciar o contorno da serra de Ouro Branco e também para atender aos distritos de Ouro Branco e Congonhas (ambos ainda pertencentes a Ouro Preto).

Como o distrito de Lobo Leite está distante cerca de 8 km do centro de Congonhas, o viajante que desembarcasse na estação ‘Soledade’ teria ainda que completar sua viagem a pé ou em lombo de animal através do caminho velho da Estrada Real.

Com a proclamação da República em 1889 a EFDPII foi rebatizada para Estrada de Ferro Central do Brasil e a estação ‘Soledade’ teve seu nome alterado para ‘Congonhas’ por atender ao distrito de Congonhas.

Origens do ramal férreo de Congonhas

Com o crescente desenvolvimento ferroviário no país no final do século 19, a província de Minas Gerais e seu vasto território tornaram-se rapidamente alvo de negociantes interessados em investir na construção de ramais férreos para integrar com maior rapidez suas localidades através de concessões públicas.

Nessa época Congonhas já possuía um grande fluxo de peregrinos em constante visitação ao Santuário do Senhor Bom Jesus, em particular no tradicional Jubileu do mês de setembro e também por alunos do Colégio Matosinhos.

Diante desse cenário e vislumbrando a grandiosa oportunidade em conseguir uma concessão férrea, os sócios e investidores ouro-pretenses José Pinto Penna Firme Ramos e Antônio Mathias da Silva protocolaram em agosto de 1884 na Comissão de Poderes e Obras Públicas de Minas Gerais em Ouro Preto um requerimento pleiteando a construção e exploração de uma ‘linha de bondes com tração a vapor’ entre a estação ‘Soledade’ e o arraial de Congonhas.

Nessa época José Pinto Penna Firme Ramos era Capitão do 1º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional da comarca de Ouro Preto, e gozando de muito prestígio, resolveu pouco antes de sua aposentadoria enveredar-se como investidor, conseguindo a concessão após a aprovação da lei estadual nº 3.651 em 1º/09/1888, que o autorizou a construir um ramal férreo que provesse o arraial de Congonhas com um serviço diário de trens para atender a demanda de seus usuários e também oferecer um serviço de transporte de mercadorias e serviço postal.

Destarte, o projeto inicial previa que o ramal da estrada de ferro de Congonhas, assim chamado inicialmente, empregasse a bitola de 0,76m. Porém essa bitola era inferior à utilizada pela EFCB em sua linha em uso no distrito de Soledade. Tecnicamente essas medidas não permitiriam que um mesmo trem trafegasse em bitolas diferentes.

Autorizado, José Pinto Penna Firme Ramos constituiu no final de 1888 a Companhia Estrada de Ferro Congonhas do Campo e seu próximo objetivo seria a captação dos recursos necessários para iniciar a construção do ramal e colocar os trens para funcionar. No entanto recebeu uma vantajosa oferta e abdicou de seu projeto, transferindo o empreendimento a um grupo de investidores do Rio de Janeiro uma vez que a lei lhe facultava essa possibilidade.

O curioso é que, cerca de três anos depois de outorgada essa concessão, os senhores Randolpho Augusto Baêta Neves e José Calesina de Moares protocolaram em 1891 um pedido semelhante na Câmara Municipal de Queluz (Conselheiro Lafaiete) solicitando a concessão do mesmo ramal, porém sem sucesso.

Nova proposta para a Companhia E.F. Congonhas do Campo

Voltando a José Pinto Penna Firme Ramos e seu sócio, ambos receberam no início de 1889 uma vantajosa proposta e transferiram a concessão da empresa (Cia Estrada de Ferro Congonhas do Campo) para os investidores do Rio de Janeiro Olegário Antônio Coelho, João Vieira da Cunha Guimarães e Sebastião Guillobel que em 26 de junho do mesmo ano, após deliberação de seus acionistas, alteraram a denominação da empresa para ‘Companhia Estrada de Ferro Vale do Paraopeba’.

Detentora da concessão, a empresa estava autorizada a construir o ramal férreo a partir da estação ‘Soledade’ da E.F. Central do Brasil até Congonhas (com extensão de 12 km) e seu diretor-gerente, Antônio Martins Marinhas, convocou todos os acionistas a partir de julho de 1890 e oficializou a construção do ramal férreo.

Iniciado o processo de captação de recursos para a empreitada, a companhia recebeu outra proposta do governo mineiro para também construir um ramal férreo que margeasse o rio Paraopeba até chegar ao rio São Francisco. Essa proposta acabou gerando uma grande discussão sobre qual seria o novo traçado, atrasando por mais de 8 anos o início das obras do ramal de Congonhas.

O Santuário do Bom Jesus entra na sociedade do ramal férreo

Durante o transcorrer da década de 1890 o Santuário do Bom Jesus vivia uma grave crise organizacional e financeira. A Mesa da Irmandade estava em ‘rota de colisão’ com a Diocese de Mariana a qual pertencia e para quem deveria prestar contas.

Crise essa que foi muito bem detalhada na obra do Monsenhor Júlio Engrácia, “Relação Chronológica do Sanctuário e Irmandade do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo (1903)”. Engrácia cita, por exemplo, que em 1895 a situação do Padre Flávio Ribeiro de Almeida, Secretário da Irmandade do Senhor Bom Jesus, ‘era delicada e diante de tantos desacatos achava-se em perigo de morte nas mãos dos desesperados credores, obrigando-o a seguir um sistema paliativo para contornar o problema: realizar constantes empréstimos a altos juros, contraindo dívidas em toda casa onde lhe quisessem vender a prazo, complicando sucessivamente a saída deste labirinto administrativo, preparando fatalmente a queda da Irmandade com grande decepção e vergonha para o Bispo Dom Silvério Gomes Pimenta’.

Júlio Engrácia deixou a paróquia de Itabira do Mato Dentro (atual Itabirito) em março de 1900 com a incumbência e ordem expressa do Bispo Dom Silvério Gomes Pimenta para assumir o compromisso em Congonhas de realizar um minucioso levantamento da situação administrativa e financeira da Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Após 20 dias de trabalhos ininterruptos e várias noites sem dormir, Júlio Engrácia concluiu que a Irmandade estava em sérias dificuldades financeiras em virtude do total desequilíbrio das contas e da falta de seriedade com o dinheiro arrecadado das esmolas durante o Jubileu a pelo menos uma década.

Segundo Júlio Engrácia faltava tudo, menos ‘projetos arriscados’ dentro da Irmandade do Senhor Bom Jesus. O Santuário, apesar da decadência financeira descrita, tinha ainda uma ‘tábua de salvação’, que dadas suas economias, podia colocá-lo a salvo do colapso financeiro: possuía 200 apólices entre gerais e estaduais e cadernetas de poupança da caixa econômica. Uma vultuosa quantia para a época.

Júlio Engrácia faz uma citação, no mínimo, curiosa a respeito do que encontrou em sua auditoria: ‘lembrou-se’ a administração do Santuário de empregá-las na construção de um ramal férreo, que partindo de um ponto mais conveniente da Central do Brasil, fosse ao arraial de Congonhas e que sua exploração comercial poderia reequilibrar as finanças da administração do Santuário.

A Irmandade enfrentava uma calamitosa crise organizacional por um lado, e por outro, uma empresa constituída ensejava construir um ramal férreo em Congonhas. Não demorou e seus empresários procuraram a Mesa da Irmandade para propor uma parceira que poderiam tirá-los da dita ‘crise financeira/administrativa’.

Engrácia assim descreveu o ocorrido: ‘o ano era 1895 e ao tornar pública a situação de desespero da Irmandade do Bom Jesus, logo apareceram sem demora os pretendentes à obra, entrando o Santuário com 200:000$ (duzentos contos de réis) de auxílio. Era uma quantia bem apreciável a exploradores, que nessa época esvoaçavam por toda a parte a cata de fortuna rápida e fácil’.

O Bispo Dom Silvério enxergou o perigo de entregar, dessa maneira, o patrimônio constituído da Igreja a aventurosas empresas: relutou o quanto pode, mas foi convencido de que ofereciam ao Santuário as maiores e melhores vantagens, onde lhe foi descrito com maestria os resultados ‘excepcionais’ que o ramal férreo traria aos cofres da Irmandade, como sabem fazer os mercadores de praça pública.

Três propostas foram apresentadas pelos empresários: a primeira comprometia-se a construir o ramal férreo por 350:000$000 entrando o Santuário com 200:000$000, porém não foi aceita. A segunda proposta o fazia por 500:000$000 nas mesmas condições e também foi rejeitada. Uma terceira proposta, que tomava o mesmo compromisso, sob idênticas condições foi ofertada por 750:000$000 sendo essa a proposta que agradou a Dom Silvério, pois aumentava a margem de garantia do empreendimento no qual o Santuário do Bom Jesus custearia somente 1/3 da construção do ramal.

O contrato entre as partes foi celebrado por escritura pública no final de 1895, entrando o Santuário com as 200 apólices que foram entregues na sede da empresa no Rio de Janeiro pelo correspondente da Irmandade, Dom João Duarte, a Francisco Antônio da Silva e seu sócio José Martins Pollo, os novos representantes da Companhia Estrada de Ferro Vale do Paraopeba, detentora da construção e operação do ramal.

No período em que ficou como administrador do Santuário (1895 a 1900) o padre Cândido Veloso viveu dias penosos diante da situação lastimável de desordem administrativa e financeira que vivia a instituição religiosa. As reclamações e queixas quotidianas dos credores e suas exigências levaram ao conhecimento de Dom Silvério a triste e verdadeira situação do Santuário que por sua vez entrou em litígio com a Mesa da Irmandade a tal ponto de anos mais tarde extingui-la judicialmente e empossar o Padre Júlio Engrácia como administrador provisório do Santuário, fato ocorrido em meados de 1900.

Dom Silvério ao ser convencido da construção deste importante e incipiente meio de transporte coletivo não teve alternativa senão apoiar sua construção.

O ramal férreo, inaugurado em 1899, ganhou logo a popular alcunha de ‘trem do Bispo’.

A construção do ramal

Resolvidas as questões de ordem financeira, ficou definido que o ponto inicial do ramal seria o km 479 da EFCB e não mais a estação “Congonhas” (em Lobo Leite) como anunciado anos antes. As obras iniciaram-se em 12/09/1898 com a mobilização e contratação da mão de obra além da aquisição de materiais sendo o gestor da empreitada o engenheiro Antônio A. Horta Barbosa.

No km 479 da linha Centro foi erguida a estação “Jubileu”, ponto de partida do ramal. Seu ponto final seria a estação “Santuário”.

Outro fato importante durante sua construção foi a alteração da bitola para 1,00m compatibilizando com a EFCB, o que permitiu a manutenção dos equipamentos nas oficinas de locomotivas e vagões em Queluz (Conselheiro Lafaiete).

Em seu percurso foram empregadas modernas técnicas de engenharia com destaque para as pontes de 9m e 3m de extensão, cortes e taludes, além de várias obras de arte (bueiros, galerias e canaletas para escoamento de águas pluviais). O engenheiro responsável pelos projetos foi Vicente de Carvalho, que realizou os estudos do traçado dez anos antes, em 1889.

O trajeto do ramal

O ramal foi construído, em toda sua extensão, na margem direita do rio Maranhão dentro dos limites do município de Ouro Preto (Congonhas só seria emancipada em 1938). Do seu ponto inicial, seguiu pela margem direita do ribeirão Soledade até se aproximar, também pela margem direita, do rio Maranhão, continuando seu trajeto pelos atuais bairros Ipiranga e Jardim Profeta e cruzar o córrego ‘Macaquinhos’. Em seguida se aproximava novamente da margem direita do rio Maranhão, transpunha o córrego ‘Goiabeiras’ em direção ao centro de Congonhas margeando o rio com seu leito passando próximo de onde atualmente se localiza o prédio do INSS até seu término entre a praça JK e a esquina das ruas Pe. João Pio e Getúlio Vargas, totalizando aproximadamente 9 km de extensão.

Após sua desativação em 1917, um trecho do leito do ramal férreo foi aproveitado como base para a futura abertura e construção de parte das avenidas Marechal Floriano e Júlia Kubitschek.

As estações

A estação ‘Jubileu’ foi construída seguindo o padrão da época em alvenaria de tijolos e telhas estilo francês. De acordo com uma publicação do jornal “O Paiz” de 18/09/1899, era uma ‘estação elegante’. Após a desativação do ramal a mesma foi demolida. No local ainda podemos ver as ruínas do que foi um dia a estação ‘Jubileu’.

A estação ‘Santuário’ seguiu o mesmo padrão de construção em alvenaria de tijolos. Possuía três linhas, sendo uma principal e duas para manobras além da caixa d’água para abastecimento e uma caixa para depósito das cinzas da fornalha da locomotiva.

A locomotiva e vagões

A E. F. Vale do Paraopeba arrendou uma locomotiva da companhia que construiu a nova capital mineira, Belo Horizonte, no final de 1898. De origem norte-americana, foi fabricada pela Baldwin Locomotive Works em 1896. Era da classe 6 1/3-C com o tipo de rodas 0-4-2 (sem rodas guia, 4 rodas de tração e 2 rodas de apoio para a cabine) com força de tração variando entre 18t a 50t.

Foi rebocada de General Carneiro (próximo a Belo Horizonte) até Congonhas como relatado no jornal ‘O Pharol’ em 24/08/1899.

Os vagões eram do tipo ‘bonde’ e foram fabricados na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1898 e 1899 com o emprego de imbuia, uma madeira abundante e nobre de nossa floresta tropical. Foram construídos pela Companhia Edificadora da Ponta do Cajú cujo responsável era o afamado Comendador Casimiro Costa, conhecido pela alcunha de ‘O Maneta’.

A Diretoria e Funcionários

A diretoria era formada pelo seu Diretor-Presidente José Martins Pollo, o Vice-Presidente Francisco Antônio da Silva e pelo Diretor Tenente-Coronel Sabino de Almeida Magalhães. O engenheiro responsável pelos projetos era Vicente de Carvalho e o engenheiro responsável pela construção e manutenção do ramal, o Sr. Antônio A. Horta Barbosa. Porém, diante da escassez de documentos referentes à empresa não foi possível identificar os funcionários (agente de estação, foguista, fiscal de trem, bilheteiro e equipe de manutenção) que trabalharam no ramal. A exceção fica por conta do congonhense Luiz Saint Clair Vasconcelos que, segundo sua neta Rosa de Vasconcelos Magalhães, foi auxiliar de maquinista da companhia e um dos responsáveis por conduzir o trem entre as estações durante vários anos. E também, ainda de acordo com relatos orais, o agente da estação ferroviária ‘Santuário’ teria sido o português Alberto Teixeira dos Santos (pai do primeiro prefeito de Congonhas, Dr. Albertinho) nos primeiros anos de funcionamento do ramal.

A inauguração do ramal

Após quase 12 meses de obras o ramal estava concluído e pronto para entrar em operação durante o jubileu de 1899 suprindo assim a grande expectativa dos moradores de Congonhas e localidades vizinhas em usufruir do novo e moderno meio de transporte coletivo.

Congonhas entrava definitivamente no rol das localidades atendidas pelas ferrovias brasileiras quando em 1º de setembro de 1899 era oficialmente aberta ao tráfego de trens a estação ‘Jubileu’ – ramal de Congonhas, da Estrada de Ferro Vale do Paraopeba.

Em nota o jornal “A Imprensa” do Rio de Janeiro, cujo diretor-chefe era o notável Ruy Barbosa, destacou em 02/09/1899 a inauguração da estação ‘Jubileu’:

O conhecido comerciante de nossa praça, sr. José Pollo, enviou-nos o seguinte telegrama, de Jubileu:

Jubileu.1 – peço-lhes que deem notícia da abertura, realizada hoje, da estação de Jubileu, correspondência do ramal de Congonhas do Campo.

Houve grande regozijo. O povo veio esperar o S1, primeiro trem de passageiros que aqui parou, tendo à sua frente as principais autoridades, outras pessoas importantes e uma banda de música.

A visita de Dom Silvério e do Diretor da Central do Brasil

Apoiador da construção do ramal férreo, Dom Silvério Gomes Pimenta esteve em Congonhas para celebrar a benção final do Jubileu aos fiéis e também para conhecer o funcionamento e os serviços prestados pela Companhia Estrada de Ferro do Paraopeba.

Sua visita foi notícia no jornal ‘Minas Gerais’ na edição do dia 15/09/1899:

Terminaram ontem os tradicionais festejos de Congonhas do Campo, que foram este ano imensamente concorridos.

As esmolas que os fieis deixaram nas salvas, segundo nos informaram, elevaram-se à algumas dezenas de contos de reis.

O sr. Dom Silvério, bispo desta diocese, presidiu aos últimos atos, ministrando o sacramento da eucaristia e dando a benção episcopal.

Não nos consta que tenha havido a menor perturbação da ordem pública, correndo tudo na melhor ordem e estiveram muito animadas as feiras.

Dizem-nos que foi tal a concorrência de fieis que houve necessidade de se estabelecer no arraial de Congonhas um serviço contínuo de trens para dar vazão aos passageiros.

À disposição do Bispo, que chegou em Congonhas no dia 12, foi posto um carro especial pelo Dr. Alfredo Maia, diretor da E. de Ferro Central, que o conduziu à estação do Jubileu.

Outra presença ilustre foi a do Diretor Geral da E. F. Central do Brasil, Alfredo Eugênio de Almeida Maia (no cargo entre abril de 1899 a janeiro de 1900), que viajou à Minas Gerais para inspeção das linhas férreas sob sua responsabilidade, chegando em Congonhas no dia 10 de setembro de 1899 logo após a inauguração do ramal. Foi recebido pela população local com um grande festejo. Em sua comitiva estava o Ministro da Bélgica, sr. Alberic Fallon, diversos engenheiros da EFCB além de vários repórteres da imprensa fluminense que durante a permanência em Congonhas visitaram o Santuário do Senhor Bom Jesus ficando todos extasiados diante das magníficas obras de arte e de tamanha demonstração de fé e devoção dos romeiros. A visita de Alfredo Eugênio a Congonhas foi destaque nas páginas do jornal ‘O Paiz’, do Rio de Janeiro, na edição de 18/09/1899.

Da intenção inicial em se construir o ramal férreo em 1884 até seu efetivo funcionamento no final de 1899, se passaram mais de 15 anos devido as dificuldades financeiras, incertezas técnicas e dos múltiplos objetivos de seus empreendedores iniciais.

Mas agora era realidade e o ‘trem do Bispo’ funcionava a todo vapor cortando o vale do rio Maranhão (tributário do Rio Paraopeba), transformando o ir e vir dos romeiros em direção ao Santuário Bom Jesus.

As peregrinações de romeiros à Congonhas

Tão logo se deu a inauguração do ramal ferroviário de Congonhas, as peregrinações de romeiros em direção ao Santuário, que antes eram feitas a pé, em lombo de animais ou em carros de bois (quando era possível), se intensificaram rapidamente após a oferta do novo meio de transporte. Essas peregrinações passaram a serem noticiadas com galhardia pelos jornais da época. Cabe ressaltar que quase a totalidade da população brasileira tinha no catolicismo sua principal religião em fins do século 19.

A primeira grande peregrinação de romeiros após a inauguração do ramal partiu da estação central de Juiz de Fora com um número estimado de 500 pessoas e teve a cobertura do jornal ‘O Pharol’ que a estampou em sua edição do dia 27/03/1900.

Coordenada pelo padre Júlio Maria foram distribuídos estandartes e entoado o hino dos peregrinos. A locomotiva foi devidamente ornamentada e a Central do Brasil disponibilizou 5 vagões de 1ª classe além de outros 5 vagões de 2ª classe para a viagem, com os peregrinos dando um belo exemplo de fé até à estação Jubileu, quando todos ali fizeram a baldeação para o ‘trem do Bispo’ para concluírem a peregrinação.

O Santuário entra em litígio com a Companhia E.F. Vale do Paraopeba

Assim que o ramal entrou em operação e de acordo com as cláusulas contratuais firmadas entre as partes, a Mesa da Irmandade deveria receber mensalmente os percentuais estipulados, mas a Diretoria da EFVP não honrou sua parte contratual obrigando a Irmandade do Senhor Bom Jesus a realizar várias tentativas, sem êxito, em receber o que lhe era devido.

Após um breve período em que as negociações não obtiveram sucesso a Mesa da Irmandade ‘declarou guerra’ e foi buscar na Justiça reaver o que lhe era de direito entrando em litígio com a EFVP. Padre Júlio Engrácia descreveu com clareza em sua obra o ocorrido:

O ramal férreo, em má hora e piores auspícios iniciado era outro espinho da administração do Santuário.

Os empresários, que por documento se tinham obrigado ao juro de 8% sobre o capital recebido, ao passo de entrega, e a 10% dos lucros da exploração da estrada, ainda não tinham feito nenhum repasse ao Santuário no início de 1900.

Estavam eles de posse de tudo como se fora próprio, e explorando a sós e apesar da formula convencional de desejar qualquer resolução que não lesasse o Santuário e na verdade lesando-o só faziam pretextar prejuízos.

A Irmandade, depois de tentativas pacíficas, sem possibilidade de solução e vendo que o Santuário era ludibriado, tomou por advogado o Exmo. Sr. Senador Virgílio de Mello Franco e sequestrou-lhes todo o material fixo e rodante e a lide levada aos tribunais, tem sempre triunfado nos interesses e direitos do Santuário.

O assunto tomou proporções inesperadas e fugiu dos domínios da Irmandade sendo o fato explorado pelo jornal ‘O Pharol’ em sua edição de 27/10/1900.

Júlio Engrácia destacou que a boa-fé que presidia a empresa, sem que prove o contrário, foi revelada pela brilhante façanha praticada pelo empregado dos empresários, carregando consigo e remetendo aos patrões do Rio de Janeiro ou a outro local sem o devido conhecimento, os livros por onde constam os rendimentos da companhia férrea, esquecendo-se, como acontece com pessoas com esse intento, de que tudo o que está em seus livros se acha também por força da lei no arquivo do engenheiro residente e este é público à necessidade da parte lesada.

A companhia ao agir dessa forma criou uma enorme dificuldade para a administração do Santuário em receber a parte devida sendo necessária a intervenção da Justiça para solucionar a questão. E em sua incansável luta para reaver o que foi acordado e investido na EFVP, Júlio Engrácia acabou sendo designado judicialmente como fiel depositário do ramal férreo em 1903. As divergências entre a empresa e a administração do Santuário se arrastaram por longos anos até que, em 1912, o padre João Pio sucedeu a Júlio Engrácia na administração do Santuário e iniciou uma nova era organizacional que equilibrou suas finanças. Enérgico, João Pio aumentou ainda mais o rigor no cumprimento das obrigações contratuais da companhia férrea para com o Santuário. Rigor este mantido até a desativação do ramal no final de 1917.

O auge e o declínio do ramal

Na primeira década de seu funcionamento o ramal férreo experimentou dias gloriosos ao oferecer aos peregrinos e fieis que se dirigiam a Congonhas, comodidade e rapidez entre as estações Jubileu e Santuário. Os maiores fluxos de passageiros aconteciam em setembro, mês em que se celebra o concorrido Jubileu. Mas as caravanas de peregrinos se avolumaram em diversos outros períodos do ano gerando movimentação no ramal, como nos meses de março e junho e também durante a Semana Santa.

Com fluxo ascendente, em 1905 foi necessária a criação de uma linha do Correio solicitada pelo Padre Júlio Engrácia visando maior celeridade no envio e recebimento das correspondências do Colégio Matosinhos e da administração do Santuário. E em 1909 foi registrado um aumento extraordinário de passageiros que embarcaram nos trens da Central com destino à Congonhas em razão das festividades de mais um Jubileu. No ano seguinte, e mesmo com o aumento dos custos operacionais e reajuste no preço das passagens, o movimento de peregrinos continuou crescendo como registrou o jornal ‘Pharol’ em sua edição de 13/09/1910 fazendo crítica à Central do Brasil:

Nesses últimos dias têm passado por esta cidade (Juiz de Fora) numerosas levas de romeiros, que vão assistir às tradicionais festas de Congonhas do Campo.

Os trens passam repletos de tal maneira que até nos para-choques dos carros se empoleiram viajantes.

A Central, como sempre, prima em não melhorar seu serviço nesses dias em que há tanta concorrência em seus trens.

Mas a partir de 1910 a E. F. Central do Brasil e o governo de Minas iniciaram a construção do ramal do Paraopeba (partindo de Joaquim Murtinho até Belo Horizonte margeando o rio Paraopeba), obra essa que utilizou uma leva muito grande de mão-de-obra estrangeira no qual muitos espanhóis, italianos e portugueses chegaram e fixaram residência em Congonhas através do ‘trem do Bispo’. Após a inauguração do ramal do Paraopeba em 1917 o movimento do ramal férreo de Congonhas foi rapidamente ‘engolido’ pela concorrência e sua desativação se deu no final de 1917.

Após 18 anos de atividades, a Estrada de Ferro Vale do Paraopeba era desativada por não mais oferecer celeridade e comodidade no transporte de passageiros e romeiros. Como seus usuários eram obrigados a fazer a baldeação entre os trens na estação Jubileu, após a inauguração do novo ramal da Central, o passageiro desembarcava diretamente na estação ‘Congonhas do Campo’, mais próxima da ladeira que os levaria ao Santuário.

Legado

O Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas representa um dos mais importantes patrimônios imateriais não só de Minas, mas também de todo o Brasil. E esse patrimônio cultural e seus bens intangíveis são portadores de elementos que definem uma coletividade e sua história. Trazem consigo uma enorme riqueza de práticas, usos, costumes e musicalidade. O Jubileu transmite a imaterialidade produzida pela cultura de um povo representando sua identidade e história.

A relação da cidade de Congonhas e de seu povo com o Jubileu é intensa. O surgimento do arraial se deu de duas formas: a mineração do ouro e a fé ao Bom Jesus. O lado direito do rio Maranhão foi desenvolvido pelas atividades de mineração e seu lado esquerdo floresceu diante da devoção ao Bom Jesus. A peregrinação crescente e constante de pessoas criou a necessidade de se investirem infraestrutura. Assim, para servir ao Jubileu, foram construídas casas de hospedagem (as romarias) para os peregrinos, ruas foram calçadas, construídos aterros e reforços nas encostas dos morros, aquedutos, colégio e o resultado é o imponente complexo arquitetônico religioso da Basílica do Bom Jesus, que abriga obras dos maiores artistas mineiros dos séculos 18 e 19.

Mas um dos maiores investimentos feitos pela Igreja Católica em Congonhas foi a participação na construção do ramal férreo que conectou o então arraial ao restante do sistema ferroviário do país permitindo que um número cada vez maior de romeiros viesse à Congonhas demonstrar sua fé e práticas religiosas populares que, apesar de se transformarem no tempo, ainda hoje conservam o seu cerne – a fé ao Bom Jesus.

O ‘trem do Bispo’ circulou por quase duas décadas e modificou o cotidiano do arraial, principalmente no que diz respeito a permanência dos romeiros durante as festividades do secular Jubileu.

Foi idealizado e construído em uma época de parcos recursos e grande dificuldade técnica sendo por si só um destacado e audacioso projeto que, ao final de suas negociações, teve o aval do Bispo Dom Silvério Gomes Pimenta – grande incentivador do desenvolvimento de sua terra natal.

Fontes consultadas:

Livros:

  • Almanack Administrativo, Mercantil, Industrial, Scientifico e Litterario do Município de Ouro Preto – Anno I – 1890 – Typographia A Ordem
  • Revista Industrial de Minas Gerais – 1897 – Setembro/Novembro – nºs 28 a 32 – Ouro Preto
  • Relação Chronológica do Sanctuário e Irmandade do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo no Estado de Minas Geraes –1905 – Pe. Júlio Engracia
  • Memória Histórica da Estrada de Ferro Central do Brasil – 1908 – Manuel Fernandes Figueira – Rio de Janeiro – Imprensa Nacional
  • Revista Eu Sei Tudo – Edição nº 9 –1925 – Rio de Janeiro – Companhia Editora Americana
  • Anuário Minas Gerais – 1925 – Belo Horizonte – Imprensa Oficial
  • A Estrada de Ferro Central do Brasil – 1928 – Max Vasconcelos – Rio de Janeiro – Typographia Pimenta de Mello & C.
  • Bom Jesus – 1948 – Djalma Andrade – Congonhas – Tipografia Senhor Bom Jesus
  • Arte e Paixão – Congonhas do Aleijadinho – 2016 – Fábio França – Congonhas – Editora C/Arte

Sites:

  • Site Estações Ferroviárias – www.estacoesferroviarias.com.br/
  • Portal Educação – História das Ferrovias no Brasil – www.portaleducacao.com.br
  • Site Instituto Moreira Sales – Brasiliana Fotográfica

Museus e Bibliotecas:

  • Museu da Imagem e Memória de Congonhas/MG
  • Museu da Mineração de Congonhas/MG
  • Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa – Belo Horizonte/MG
  • Hemeroteca Histórica de Minas Gerais
  • Arquivo Público Mineiro

Jornais e revistas:

  • A Província de Minas – Ouro Preto/MG, edições: 04/01/1884, 01/10/1887, 14/08/1888 e 22/08/1888 
  • A União – Ouro Preto/MG, edições: 10/03/1888 e 17/03/1888
  • Liberal Mineiro – Ouro Preto/MG, edição: 12/11/1884
  • Minas Gerais – Ouro Preto/MG, edições: 12/03/1890, 19/05/1892, 22/05/1892, 10/01/1893, 16/01/1896, 20/08/1896, 24/07/1897, 30/07/1897, 14/08/1897, 30/08/1897, 15/01/1898, 14/03/1898, 17/09/1898, 18/01/1899, 22/08/1899, 15/09/1899, 05/10/1899 e 06/10/1899
  • O Pharol – Juiz de Fora/MG – edições: 09/08/1888, 17/08/1895, 17/09/1895, 24/08/1899, 29/09/1899, 17/03/1900, 25/03/1900, 27/03/1900, 27/10/1900, 29/01/1904, 30/12/1904, 07/04/1905, 11/09/1909, 10/12/1909, 25/08/1910, 28/09/1910, 13/09/1911 e 17/07/1919
  • Diário de Minas – Juiz de Fora/MG – edição: 25/01/1889
  • Correio de Minas – Juiz de Fora/MG – edição: 30/08/1898
  • A Imprensa – Rio de Janeiro/RJ – edições: 02/09/1899, 13/09/1899, 14/09/1899, 18/09/1899, 25/10/1899 e 28/11/1911
  • Jornal do Commercio – Rio de Janeiro/RJ – edições: 05/10/1890, 25/01/1891, 28/12/1892 e 29/08/1898
  • O Paiz – Rio de Janeiro/RJ – edições: 24/01/1889, 18/07/1890, 14/09/1899, 18/09/1899 e 22/06/1917
  • A União – Rio de Janeiro/RJ – edições: 27/09/1914, 23/02/1919, 03/09/1922 e 02/11/1922
  • O Cruzeiro – Rio de Janeiro/RJ – edição: 10/09/1890
  • Gazeta da Tarde – Rio de Janeiro/RJ – edição: 08/10/1889
  • Gazeta de Notícias – Rio de Janeiro/RJ – edições: 25/08/1899, 17/01/1901, 08/06/1904, 13/01/1906, 16/09/1907, 20/09/1907 e 04/05/1910
  • Jornal do Brazil – Rio de Janeiro/RJ – edições: 15/05/1891, 04/09/1893, 14/08/1902 e 20/06/1905
  • Correio da Manhã – Rio de Janeiro/RJ – edição: 30/05/1903
  • Relatório Presidência de Minas – Belo Horizonte/MG – edições de 1911 e 1917
  • Anuário Estatístico de Minas Gerais – Belo Horizonte/MG – edições: 1906 e 1911
  • Revista de Estradas de Ferro – Rio de Janeiro/RJ – edição nº 49 – 31/01/1889
  • Revista de Engenharia – Rio de Janeiro/RJ – edições: 14/03/1890, 14/04/1890 e 14/06/1890

Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas

Meus amigos leitores,

Setembro chegou e com ele o Jubileu de Congonhas. Claro que, diante dessa pandemia que nos aflige, os tradicionais festejos do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos não irão acontecer. Creio que somente as missas serão transmitidas pela internet e irradias pela tradicional Rádio Congonhas.

Como o povo mineiro tem no Jubileu de Congonhas um costume de mais de 240 anos, resolvi contar um pouco dessa portentosa festa que celebra a fé e devoção ao Bom Jesus, um costume português que aqui foi introduzido em meados do século 18.

Espero que gostem. Boa leitura…

Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas

Origens do povoado:

A descoberta do ouro final do século 17 provocou uma intensa investida de aventureiros pelo interior do atual estado de Minas Gerais em busca do metal precioso. Dessa forma foram surgindo os pequenos arraiais e depois as vilas no início do século 18. Muitos desses aventureiros iniciaram suas lavras nos ribeirões Soledade, Macaquinhos e Maranhão e se fixaram na região de Congonhas, dando origem ao povoado, cujo nome Congonhas, advém de uma erva nativa e muito comum nessa região. De sua nomenclatura tupi extraímos: “cahã-nhonha = mato desaparecido, lugar desmatado; Congonhas – uma grande extensão de campo com vegetação baixa”.

O pequeno povoado concentrou-se inicialmente do lado direito do rio Maranhão e seguindo uma tradição, ao se descobrir uma lavra era construída uma capela. Congonhas e seus arredores foram palco de atividade intensa de garimpeiros independentes: negros libertos, pardos, mamelucos e brancos que formavam uma massa de aventureiros de parcos recursos a quem o sonho do ouro era o único plausível.                                     

Assim temos uma referência à capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (cuja documentação de sua origem é escassa), que é considerada a primeira a ser erigida no arraial das Congonhas ainda no final do século 17 por escravizados (forros ou não). Já a Matriz de Nossa Senhora da Conceição acredita-se que tenha sido iniciada sua construção no início da segunda década do século 18 e concluída em 1734 com a instalação da Paróquia de Congonhas do Campo como nos diz o Cônego Trindade.

A outra margem do rio Maranhão, seu lado esquerdo, só foi de fato povoada a partir do início da construção do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em meados de 1757. A devoção ao Bom Jesus chegou a Congonhas por meio do português Feliciano Mendes, que se transferiu para as terras mineiras em busca de ouro, como muitos outros patrícios. No entanto, na procura da riqueza, ele perdeu a saúde. Fez, então, uma promessa ao Bom Jesus de Matosinhos, cuja fé trazia do seu torrão natal, esperando restabelecer-se. Feliciano Mendes se curou e debitou tal fato à graça do Bom Jesus.

Em fevereiro de 1757, Feliciano começou seu projeto de construir um templo ao Senhor Bom Jesus. Na busca de cumprir sua promessa, tornou-se ermitão, uma espécie de empreendedor religioso. Requereu todas as licenças necessárias, tanto ao poder espiritual quanto ao civil e com as mesmas em mãos fincou uma cruz no alto do morro Maranhão e construiu um abrigo onde colocou a imagem do Bom Jesus Crucificado, tomou “o hábito, a caixinha e o bordão de Ermitão” e saiu a esmolar pela província, levando consigo seu oratório portátil e a história milagrosa de sua cura.

Rapidamente a construção de uma Capela para o Bom Jesus foi iniciada e no dia 25 de dezembro de 1759 foi celebrada a primeira missa pelo Padre Francisco da Costa e alegrada pelo músico Antônio do Carmo. No ano seguinte Feliciano encomendou em Portugal, uma imagem do tamanho natural articulada do Bom Jesus, que foi colocada no altar-mor da capela recém-construída. As obras prosseguiram e, no final de 1762, Feliciano foi autorizado a colocar sua imagem em um altar na capela. As arrecadações de Feliciano com as esmolas só cresciam. A afluência de romeiros era tanta que as esmolas chegavam “dos extremos pontos de Minas e ainda de outras Capitanias”.

Cumprida a promessa, Feliciano Mendes continuou a esmolar pelas redondezas, mas foi surpreendido pela morte em 23 de setembro de 1765, quando se encontrava no distrito de Antônio Pereira em Mariana.

Feliciano Mendes e seu legado:

Continuaram o projeto da então capela do Bom Jesus após o falecimento de Feliciano Mendes, os ermitões que o sucederam. O primeiro deles foi Custódio Gonçalves de Vasconcelos, entre os anos de 1765 a 1776. Depois Inácio Gonçalves Pereira (1776-1790). Tomás da Maia Brito (1790-1794) foi quem deu forma ao monumental adro, preparando assim o espaço para as futuras esculturas dos Profetas de Aleijadinho que fora contratado por Vicente Freire de Andrada (1794-1809), que encerrou o ciclo dos ermitões na capela. E foi nesse período que realizaram a maioria das obras (artísticas e arquitetônicas) do complexo do Bom Jesus: a Sala dos Milagres, a Residência dos Padres, o primeiro sistema de abastecimento de água, as Romarias (casas para receber e abrigar os romeiros), a primeira capela dos Passos, as estátuas da Via Crucis e os 12 Profetas esculpidos por Aleijadinho e seu ateliê.

Após a morte do último ermitão, Vicente Freire de Andrade em 1809, a Irmandade do Bom Jesus, já constituída, passou a assumir a administração do Santuário por meio de uma Mesa Administradora formada em 1810. A partir daí a Mesa seria a responsável pela escolha dos administradores, controlaria as entradas das esmolas e os gastos. Porém, a primeira administração da Irmandade durou poucos anos até a chegada dos Padres da Missão (Lazaristas) em 1827, que passaram a administrar o complexo do Bom Jesus até 1855.

Com a instituição da devoção ao Bom Jesus de Matosinhos em 1765, iniciou-se uma acanhada peregrinação para o local onde se encontrava uma cruz, instalada por Feliciano Mendes. Esse movimento de fiéis/peregrinos se relacionava com a força que a fé exercia sobre os colonos portugueses. Outro importante aspecto que favorecia a peregrinação era o relato do milagre alcançado por Feliciano e sua admirável dedicação à causa do Bom Jesus. A andança de Feliciano Mendes em busca de esmolas serviu como propaganda e favoreceu a propagação da devoção ao Bom Jesus pelos rincões de Minas Gerais.

A partir de então principiaram-se os festejos para celebrar o Bom Jesus, sempre com a crescente participação dos fiéis. Em setembro de 1775, durante as celebrações dedicadas ao Bom Jesus, Manoel Dias de Oliveira – um dos grandes músicos mineiros da época, foi contratado para tocar durante três dias da festa que daria origem ao tradicional Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.

No ano de 1779 a festa já havia se consolidado quando o Papa Pio VI a oficializou e a transformou em um Jubileu, publicando uma série de brevês que concediam a possibilidade de se conseguir a indulgência plenária para o perdão das penas dos pecados cometidos pelos fiéis. E em agosto do mesmo ano, o Vigário geral de Mariana, Cônego Ignácio Correa de Sá, determinou as datas de 03 de maio (invenção da Santa Cruz) e 14 de setembro (exaltação da Santa Cruz) para as celebrações do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas após os breves concedidos pelo Papa Pio VI.

Em setembro de 1780 era iniciado o primeiro Jubileu oficial em honra do Senhor Bom Jesus de Matosinhos com a realização de várias missas diárias, todas sempre acompanhadas pelo organista e violinista de Ouro Preto, Caetano Rodrigues da Silva, contratado para abrilhantar as solenidades, tocando o órgão recém-adquirido do comerciante João de Miranda ao custo de 100$000. Para realizar as celebrações, onze sacerdotes atenderam os romeiros durante as festividades do Jubileu.

O primeiro relato sobre a devoção e peregrinação à Igreja do Bom Jesus em Congonhas encontramos nas famosas “Cartas Chilenas” do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, que assim escreveu: “Distante nove léguas desta terra/ há uma grande ermida; que se chama/ Senhor de Matosinhos; este templo/ os devotos fiéis a si convoca/ por sua arquitetura, pelo sítio/ e, ainda muito tempo mais; pelos prodígios/ com que Deus enobrece a Santa Imagem”.

Crença e devoção se desenvolveram atreladas à fé no poder de cura do Bom Jesus, decorrente das promessas feitas a ele.

O Jubileu:

Desde sua instituição oficial em 1779, o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas já podia ser considerado como um pujante processo de peregrinação no ainda Brasil colonial. E esse processo continuou a tomar vigor no transcorrer do século 19.

Os administradores/organizadores do portentoso Jubileu convidava de outras paragens diversos sacerdotes para auxiliar os capelães nas inúmeras práticas religiosas. E esse costume segue ainda nos dias atuais.

Em seus primórdios o Jubileu acontecia com a prática de novenas e missas cantadas com o acompanhamento musical de bandas da região. A primeira missa era celebrada às 6h da manhã e seguiam-se as demais de duas em duas horas até as 17h quando se realizava a missa final. Após às 18h os padres faziam suas pregações aos romeiros finalizando com a procissão do terço em volta da igreja. A missa de encerramento do Jubileu acontecia dia 14 onde eram dadas bênçãos e proferido o sermão da despedida.

Após a autorização do Cônego Ignácio Correa de Sá em 1780, o Jubileu passou ter duas festas anuais: a primeira em uma na semana que terminasse em 3 de maio (dia da Santa Cruz), e a segunda que terminasse na semana do dia 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz). Mas já na década seguinte os festejos do Jubileu do mês de maio foi sofrendo com a perda significativa da presença dos fiéis que eram desencorajados pelas chuvas que deixavam os precários caminhos ainda piores, e por isso foi extinto.

Em um outro momento de sua história, com a presença da Congregação dos Padres Redentoristas em Congonhas, o Jubileu de maio foi reativado a partir do ano de 1926, sendo festejado com novena dedicada ao Bom Jesus de Matosinhos e sua imagem crucificada conduzida ao redor da igreja em solene procissão. Mas essa nova tentativa de realizar o jubileu no mês maio não atraiu grande número de fiéis e poucos anos depois foi novamente extinto.

A prática da procissão no mês de setembro também era realizada como relatada no ano de 1908 pela administração diocesana do Santuário. Consistia na reza do terço em procissão no entorno da igreja no primeiro domingo de setembro tendo à frente a imagem de Nossa Senhora com o Capelão levando atrás do andor o Crucifixo com a imagem do Cristo crucificado que, com o passar dos anos, também se perdeu.

Os Padres Lazaristas (Congregação da Missão), administraram o Santuário entre os anos de 1827 a 1855 e eram destacados pela ênfase que davam em suas pregações, notadamente severas e sempre recorrendo a prática da punição dos pecados com ações mais elevadas de fé. Jornais do século 19 noticiavam existir o cumprimento de promessa por parte dos peregrinos como a de serem arrastados, presos a correntes ou cordas, e até pelos cabelos, pela ladeira até o altar em atos de autoflagelação como demonstração de se repetir o sofrimento vivido por Jesus Cristo. Somente no ano de 1939 tais atos foram terminantemente proibidos pelas autoridades eclesiásticas.

Entre os anos de 1896 a 1903 os Padres Maristas administram somente o Colégio Matosinhos e não interferiram na organização do Jubileu.

A partir de 1924 (até 1971) coube aos Padres Redentoristas a administração do Santuário e do Colégio Santo Afonso sendo estes muito influentes na comunidade através de suas ações religiosas e sociais.

As práticas religiosas e profanas do Jubileu:

Foram os próprios peregrinos que moldaram a festa dedicada ao Bom Jesus e que, de maneira particular, criaram suas práticas religiosas.

São cinco atos indispensáveis ao peregrino que define sua presença em Congonhas na semana de setembro que reverencia o Bom Jesus de Matosinhos.

O primeiro ato é subir a ladeira que leva ao sacro monte. Em seguida passar pelo abrigo dos pobres e desvalidos e deixar lá sua contribuição em auxílio dos mesmos. O terceiro ato é se confessar diante do Padre. A passagem pela fila do “beijo”, para beijar a fita vermelha diante da imagem do Senhor Morto e sair direto na Sala dos Milagres, constitui o quarto ato de sua peregrinação. E por fim, em seu último ato, o romeiro/peregrino assisti a missa final recebendo assim a bênção dos objetos pelo celebrante com água benta.

Cabe ressaltar que não é exatamente nessa ordem que o romeiro cumpre sua passagem por Congonhas, mas ele as cumpre para garantir válida a sua presença e para renovar os votos para o próximo Jubileu. E até o final da década de 1980 ainda era comum os romeiros se despedirem de Congonhas entoando um cântico ao Bom Jesus.

Mas o que não pertence ao âmbito do sagrado também acontecia concomitantemente com as celebrações de fé do Jubileu e se realizavam do outro lado da ponte sob o rio Maranhão. Bailes, jogos e diversas atrações mundanas, inclusive os prostíbulos temporários, eram constantes até meados dos anos 1980.

A presença das mulheres ciganas era constante e se posicionavam estrategicamente no “pé” da ladeira para “ler as mãos” dos desavisados. E com o passar do tempo essas práticas quase que cessaram. Também sempre foi comum a presença de larápios e espertalhões que abusavam (e ainda abusam) da boa-fé dos mais incautos peregrinos para auferir alguma vantagem.

A diversão: circos e parques:

Durante as primeiras décadas do século 20 vinham de longe inúmeros artistas e os mais famosos circos que apresentavam atrações antes vistas somente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, com variadas atrações no picadeiro. A abertura dos espetáculos era feita com musicais da época e diversos eram os números artísticos com palhaços, trapezistas, equilibristas, mágicos e dançarinas de rumba. O palhaço Carequinha, um dos mais famosos do Brasil, se apresentou em diferentes números circenses no Jubileu de Congonhas durante anos.

Animais, em sua maioria exóticos, também faziam suas apresentações sob o comando dos domadores. Até museus de cera ambulantes eram vistos. Outra atração grandiosamente aguardada pelo público eram as lutas livres promovidas pelas mulheres da família paulista Zumbano que fizeram história pelo Brasil. Elas desafiavam homens da plateia para lutarem no picadeiro.

Por fim, o momento mais aguardado nos circos eram os shows que encerravam os espetáculos. Grandes artistas da música popular brasileira se apresentaram em Congonhas nessa época: Francisco Petrônio, Orlando Silva, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Adelaide Chiozo e seu acordeom e muitos outros.

A partir do final da década de 1960 uma nova prática de diversão se estabeleceu no Jubileu: os parques de diversões; uma novidade que cativou principalmente crianças e jovens que se divertiam, e ainda divertem, na roda gigante, chapéu mexicano e tantos outros brinquedos.

As hospedarias:

Uma preocupação que sempre existiu por parte dos organizadores/administradores do jubileu era a de acolher bem os romeiros. Desde o início da construção da capela foram investidos também recursos para abrigar os trabalhadores já que a margem esquerda do rio Maranhão era desprovida de construções. Pouco tempo depois essas casas, antes destinadas aos trabalhadores, passaram a servir de pouso aos peregrinos que iniciavam o costume de, anualmente, dobrar seus joelhos diante do Cristo Crucificado em Congonhas. Costume esse que se transformou em um histórico evento enraizado na tradição dos católicos, especialmente, os mineiros.

A trajetória dos festejos do Jubileu foi se alterando gradualmente até as três primeiras décadas do século XX quando a administração dos Padres Redentoristas promoveu significativas mudanças para receber os peregrinos.

As casas de hospedagem “sertão” e “varandas” foram demolidas do entorno da igreja assim como a parte frontal do seminário que sofreu um recuo de 8 metros, com o objetivo de permitir um melhor fluxo da multidão que, até então, se espremia durante as missas campais.

E para suprir essa aparente diminuição na oferta de vagas em hospedagem, decidiram construir um grande complexo para abrigar os romeiros, surgindo então as casas no formato oval com um pórtico de entrada para controle. Esse local tempos depois iria ficar conhecido como “romaria”.

As novas hospedarias circulares funcionaram entre 1936 a 1966 quando foram desativadas em definitivo. Nessa época (década de 1960) Congonhas já era bem servida pela estrada de ferro e pela recém-inaugurada BR-3, a atual BR040, permitindo que os romeiros pudessem ir e vir no mesmo dia, como acontece atualmente.

Vale destacar que durante a existência dos abrigos para os romeiros, diversos problemas sociais foram surgindo. Um desses problemas era: como muitos romeiros ou pobres não iam embora depois da festa, criava-se um ambiente muitas vezes deteriorado socialmente. Este fato, juntamente com as transformações nos transportes que permitiu a ida e o retorno do romeiro no mesmo dia, levou à desativação de todas as romarias e até mesmo à demolição de algumas delas.

Todavia, ficou no imaginário dos antigos romeiros as casas de hospedagens que os abrigavam durante os festejos do jubileu.

A viagem:

Em seus primeiros 120 anos de festejos, o jubileu atraia os romeiros que viam a pé ou em lombo de animais por caminhos tortuosos e precários.

Mas após a inauguração da estação ferroviária do Distrito de Lobo Leite em 25/08/1886 pela Estrada de Ferro Dom Pedro II, um novo transporte de massa iria alterar a dinâmica do jubileu e mudaria de maneira significativa o comportamento dos peregrinos durante o século 20.

Distante apenas a 8km do Santuário, a estação de Lobo Leite passou a ser o destino dos romeiros que anualmente se dirigiam ao Santuário do Bom Jesus. Passou a ser alí a ‘porta de entrada’ do jubileu pois os trens de passageiros traziam milhares deles diariamente.

E como o número de peregrinos aumentava ano a ano, um ramal férreo, de iniciativa privada, foi construído a partir de 1897 e inaugurado em 01/09/1899. Para atender a iniciativa foi constituída a Estrada de Ferro Congonhas do Campo que posteriormente foi rebatizada para Estrada de Ferro Vale do Paraopeba tendo o Santuário do Bom Jesus se tornado um investidor no projeto e custeado 1/3 do valor das obras e aquisição de equipamentos ferroviários. Em pouco tempo essa pequena ferrovia de 8km de extensão ganhou a alcunha de “Trem do Bispo” em alusão à atitude do então Bispo Dom Silvério Gomes Pimenta em autorizar o administrador do Santuário, Padre Cândido Veloso, a investir no transporte de romeiros. Essa atitude do Bispo de Mariana a fez única todo o Brasil: a Igreja Católica ser sócia/investidora em um ramal férreo.

O ponto de partida do “Trem do Bispo” era no km 479 da E. F. Dom Pedro II (rebatizada após a proclamação da república para E. F. Central do Brasil) que fica 3km antes da estação de Lobo Leite. Nesse local foi construída a estação “Jubileu”. E seu ponto final, após margear grande parte do rio Maranhão, era na estão “Santuário”, onde atualmente funciona o banco Santander e o restaurante Bell Freezer, região central de Congonhas.

O “Trem do Bispo” funcionou até 1917 quando foi desativado após a inauguração da estação “Congonhas do Campo” no ramal do Paraopeba pela E. F. Central do Brasil, permitindo assim que os romeiros chegassem/partissem diretamente desse ponto e não mais terem que fazer baldeações na antiga estação “Jubileu”.

Foi a partir da oferta dos trens de passageiros que se iniciaram as grandes caravanas de romeiros nos meses de março e junho (antecedendo ao jubileu de setembro) a partir do ano de 1900. Relatos em jornais nos mostram que, somente em um único dia do mês março de 1901, desembarcaram em Congonhas uma caravana de mais de 500 peregrinos provenientes da zona da mata mineira. E após cumprirem seus atos devocionais, embarcaram no fim do dia de volta para seus lares.

No final da década de 1940, intensificou-se o transporte de romeiros em caminhões, ônibus e carros. E essa maior abundância dos automóveis e transportes coletivos acabou por modificar a celebração do Jubileu, aumentando o fluxo diário de peregrinos.

O Jubileu é para muitos romeiros a grande oportunidade de realizarem a única viagem do ano.

O comércio:

         Desde o surgimento da festa do Jubileu já encontramos relatos do comércio em paralelo à festa religiosa. Comerciantes, em sua grande maioria vindos de São Paulo se estabeleceram na ladeira Bom Jesus ainda no final do século 18 e criaram uma referência no local que, passadas várias gerações, permanece até os dias atuais.

         A partir da década de 1920, as ruas da estação e da poeira, assim chamadas as ruas Governador Valadares e Dr. Paulo Mendes, se tornaram o ponto de confluência das pessoas que vinham de trens, caminhões, no lombo de animais e mesmo a pé para dali, num movimento frenético, subirem a ladeira em direção a Basílica e aos pés do Bom Jesus pagarem suas promessas e renovarem sua fé.

Por mais de 200 anos as barracas eram instaladas entre a praça da Matriz até a Basílica do Bom Jesus. Também eram vistas na rua da estação. Vendiam (e ainda vendem) todo tipo de mercadorias inclusive frutas – maçãs e peras argentinas, uma grande novidade introduzida na década de 1940 e que tempos depois daria origem à afamada ‘maçã do amor’. Só para ilustrar, a barraca de “churros” marca presença no Jubileu a mais de 40 anos.

Dos comerciantes que vinham anualmente à Congonhas dois eram folclóricos e populares e se tornaram lendas para os romeiros: o turco Chaim que vendia joias e relógios e mascava cebola o dia todo e o inesquecível Sr. Abrahão das rendas. Até as estimadas Violas de Queluz somente eram comercializadas no Jubileu pelos membros das famílias Salgado e Meirelles, afamados fabricantes desse instrumento que encantou Dom Pedro II e ganhou o Brasil através dos romeiros.

O Jubileu lançava e ditava a moda e os costumes do povo mineiro até meados dos anos 1970.

A organização do Jubileu:

Vale destacar que o início da participação da prefeitura municipal de Congonhas na organização da festa foi outro fator importante nas transformações do Jubileu. Até os finais dos anos 1930, a festa era organizada pela Igreja; a partir dos anos 1940, ela foi dividida: a parte religiosa e assistencial continuou a ser organizada pela Igreja, enquanto o restante ficou a cargo do Poder Público.

As doenças e as “fake News”:

         O Jubileu também já sofreu (e ainda sofre) com surtos de doenças. Relatos em jornais nos mostram que esses surtos já comprometeram diversas celebrações. Um deles foi no início da década de 1890 quando a varíola se espalhou pela região causando temor no fieis. A organização do Jubileu contou na época com médicos vindos de várias cidades para garantir a festa.

         A gripe “espanhola” foi outro temor entre os anos de 1919 a 1922. Mas mesmo assim as celebrações aconteceram normalmente.

         E mais recentemente, em 2009, não tivemos as celebrações em função da “gripe suína”. As autoridades municipais e eclesiásticas entenderam ser mais prudente suspender os festejos do Jubileu. Assim como deverá acontecer neste ano devido a pandemia da Covid-19.

         Já as notícias falsas, as “fake news” que conhecemos atualmente, também já atrapalharam o Jubileu em outros tempos. Em 1895, devido a uma disputa entre a Mesa da Irmandade do Bom Jesus e a Diocese de Mariana pela organização da festa, foi noticiado em jornais de grande circulação em Minas Gerais que o Jubileu não aconteceria devido ao novo surto de varíola, fato este que não aconteceu.

A Rádio Congonhas:

         Criada sob a inspiração do então Arcebispo de Mariana Dom Oscar de Oliveira iniciou suas atividades em 19/11/1961 logo se tornando um marco em todo a região do Alto Paraopeba, sendo administrada em seus primeiros anos pelos padres Redentoristas. É uma rádio aberta a todos os segmentos da comunidade e inclinada aos ensinamentos católicos ficando conhecida como a “emissora do Bom Jesus”.

         E de imediato o romeiro logo se identificou com seus microfones criando um vínculo forte que perdura até os dias atuais. Se tornou um meio de comunicação com os familiares e amigos que não puderam vir a Congonhas durante o Jubileu.

         Assim que chegam diante da Basílica do Bom Jesus o romeiro logo procura os microfones da rádio para “deixar seu recado” àqueles de quem tem estima e consideração, levar a mensagem da fé e devoção, relatar a graça alcançada e também relatar como está sendo a sua passagem por Congonhas.

O Jubileu de Congonhas é mágico, se inventa e reinventa, mas ainda mantém preservada a sua essência: a fé no Bom Jesus.

Fontes consultadas:

Relação Chronologica do Santuário e Irmandade do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo no Estado de Minas Gerais de autoria do Padre Júlio Engracia, editado em São Paulo em 1908 pela Editora Escolas Profissionais Salesiana.

A Basílica do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo – Edgard de Cerqueira Falcão – 1953

Turismo religioso: Jubileu do Senhor Bom Jesus de Congonhas de Matosinhos – Congonhas do Campo – Flávio Vitarelli – 1997.

Manual do Romeiro do Bom Jesus de Congonhas de autoria de Fábio França em 2001.

A espacialidade na construção da identidade: a Feira do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em. Congonhas do Campo/MG de autoria de Thiago Duarte Pimentel. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

O Jubileu do Bom Jesus em Congonhas entre a tradição e a reforma ultramontana – Ítalo Domingos Santirocchi – 2011.

O Jubileu do Senhor Bom Jesus em Congonhas: discursividades religiosas e relações de poder (1780-1809) – Herinaldo Oliveira Alves – 2013.

Arte e Paixão – Congonhas de Aleijadinho – Fábio França – 2017

Congonhas – Da fé de Feliciano à genialidade de Aleijadinho – Domingos Teodoro da Costa – 2020

Jornais: O Pharol, O Dia, Minas Gerais, O Bom Jesus, Jornal de Queluz, O Bem Público, Diário de Minas e Correio Oficial de Minas –editados/publicados entre 1850 e 1960.

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Coluna André Candreva

Congonhas e os visitantes estrangeiros no século 19

Congonhas e os visitantes estrangeiros no século 19

Caro leitor,

Fiquei honrado diante do convite feito pelo amigo Guilherme, diretor-chefe do conceituado Correio de Minas para integrar o “time” de colunistas e levar até você a minha coluna intitulada “Congonhas do Campo” que se inicia hoje contando um pouco da história da “cidade dos profetas”.

Início com um relato sobre a presença dos estrangeiros durante o século 19 e como alguns deles relataram em seus diários de viagens o que viram em Congonhas e região.

Espero que gostem. Boa leitura.

Congonhas e os visitantes estrangeiros no século 19

O Brasil colonial vivia a passos lentos em seu desenvolvimento e progresso como determinava o domínio português cujo objetivo maior era extrair da colônia suas riquezas minerais e leva-las para o reino além mar.

Os portos eram fechados. Só entravam na colônia quem os portugueses autorizavam. Tudo era restrito e mesmo com o intenso comércio com a Inglaterra e o constante tráfico de pessoas escravizadas da costa africana, a presença de estrangeiros em terras brasileiras era restrita e muito bem controlada.

Esse cenário só iria mudar após a vinda da corte portuguesa para o Brasil no ano de 1808. Dom João VI ao se estabelecer em terras tupiniquins passou a exigir melhorias na condição de vida das províncias, principalmente no Rio de Janeiro.

E uma de suas ações foi promover a abertura dos portos à nações amigas de Portugal, principalmente a Inglaterra.

Assim inicia-se a vinda para cá dos viajantes europeus ávidos em desbravar e conhecer melhor o Brasil, atraindo pesquisadores e naturalistas ingleses, alemães e franceses desejosos em pesquisar nosso modo de viver.

E por estar localizada em uma região que durante o século 18 produziu uma estrondosa riqueza mineral em ouro e pedras preciosas, Congonhas foi de imediato o destino de alguns desses estrangeiros no qual compilamos vários relatos destes intrépidos viajantes que aqui passaram durante o século 19.

A vinda da Corte Portuguesa ao Brasil trouxe consequências não esperadas para a história de Congonhas, onde as reservas de ferro já haviam sido notadas por diversos naturalistas como o inconfidente José Álvares Maciel e pelo naturalista Vieira Couto, tornou-se possível a elaboração de um projeto vultuoso para a superação da condição colonial. Congonhas recebeu grande influência dos progressos desse período com destaque para, próximo de seu centro, a instalação de uma das fábricas de ferro que iniciaria a siderurgia industrial no Brasil do século 19.

Barão de Eschwege

Dom João VI contratou diversos profissionais para auxiliá-lo no desenvolvimento da então colônia brasileira. Um desses profissionais foi o geólogo e metalúrgico alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege, também conhecido como Barão de Eschwege.

Ele chegou ao Brasil em 1811 e aqui permaneceu até o final de 1821 quando retornou à Alemanha. Sua missão inicial era pesquisar o solo da região das minas de ouro.

Em 07/08/1811 ele chegou ao povoado do Redondo, o atual distrito do Alto Maranhão, onde descreveu a vila como um lugar decadente e abandonado. Seguiu pelo caminho real e logo avistou a Basílica do Bom Jesus deparando-se com a monumental obra de Aleijadinho, anotando em seu diário de viagem que as esculturas eram bem trabalhadas, porém feias e foram produzidas por um aleijado. Era de fato o primeiro olhar de um europeu às obras de Aleijadinho em Congonhas.

O barão de Eschwege permaneceria por quase 11 anos instalado entre Congonhas e Ouro Preto. Realizou um grande estudo sobre potencial mineral da então colônia para reanimar a decadente mineração de ouro e para trabalhar na nascente indústria siderúrgica. Ainda em 1811 Eschwege iniciou em Congonhas os trabalhos de construção de uma fábrica de ferro, denominada “Patriótica”, um empreendimento privado sob a forma de sociedade por ações, cujo sócio principal era Romualdo José Monteiro de Barros – o Barão do Paraopeba. Em 1812 sua siderurgia já produzia em escala industrial e é considerada a pioneira do gênero na américa latina colonial.

A fábrica é responsável não só pela introdução de novo método siderúrgico, o método catalão, mas também foi palco de atração de viajantes e introduziu os primeiros alemães a se estabelecerem em Congonhas. E como consequência beneficiou a economia local além de aumentar o impacto da produção de carvão na destruição das matas da região, que já eram usadas para isso, inclusive porque ali existiram algumas forjas pequenas, do modelo de cadinhos e produção artesanal, que produziam algum ferro antes da Fábrica Patriótica.

Auguste de Saint-Hilaire

Pouco depois chegava ao Brasil o botânico e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire em 1817. Sob a influência do Conde de Luxemburgo, embaixador da França, Saint-Hilaire explorou as regiões do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O principal interesse desse viajante em suas excursões recaia em estudos botânicos, chegando a reunir um herbário de 30.000 espécimes, que abrangia 7.000 espécies, muitas das quais até então avaliadas como desconhecidas. Além disso, coletou material de origem zoológica e forneceu impressões sobre aspectos econômicos, políticos e culturais da sociedade em geral.  Percorreu quase todo o interior de Minas Gerais.

Saint-Hilaire passou por Congonhas em 1819 vindo de Ouro Preto pelo caminho entre Cachoeira do Campo e antiga fazenda do Pires no qual anotou: “as encostas dos morros rasgadas e reviradas de todos os modos atestam o trabalho de maior vulto: o garimpo do ouro. Congonhas cai então em decadência, como tantas outras aldeias, vendo-se grande número de casas mal conservadas ou mesmo abandonadas”. Encantou-se pelas obras sacras da Basílica do Bom Jesus descrevendo-as detalhadamente. Seguiu viagem passando pelo Alto Maranhão. Saint-Hilaire ficou no Brasil até 1822.

John Luccock

John Luccock, um comerciante Inglês também visitou o Brasil entre os anos de 1817 e 1818. Relatou em seu diário a hospitalidade do povo mineiro e beleza das serras e montanhas fazendo um especial destaque da peculiar culinária. Em Congonhas percorreu as igrejas barrocas passando por último pela igreja dedicada à Nossa Senhora do Rosário dos Pretos onde logo à frente seguiria pelo caminho primitivo que o levaria à Ouro Preto.

Luccock anotou em seu diário: “o povoamento da margem oposta a Congonhas, Matozinho, é uma pequena vila, bonita, animada e limpa, composta de cerca de cento e cinquenta casas e muitas igrejas. Dependura-se à barranca setentrional do rio Paraopeba, defronte de Caacunha (Congonhas)”. Sobre Congonhas deixou anotado: “Caacunha, situada sobre as íngremes barrancas do rio, apresenta agradável aspecto, quando contemplada pelo norte. Contém cerca de duzentas casas e algumas igrejas. Uma delas, posto que diminuta em tamanho, rivaliza por seus esplêndidos ornatos com os mais admirados dos edifícios eclesiásticos do Brasil. Constituía ela o objeto principal da minha vista à localidade, ocupando-me quase a totalidade da permanência ali. Sob mais um ponto de vista, merece considerar-se como a Loretto deste país”.

Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phillipp von Martius

Os alemães da bavária Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phillipp von Martius também passaram por Congonhas em 1817 e anotaram apenas uma breve descrição da paisagem e alguns morros e cadeias de montanhas da região.

Alexander Caldcleugh

Outro inglês, agora Alexander Caldcleugh, visitou Congonhas em 1820. E ao chegar topou com uma festividade religiosa que tornou difícil até mesmo achar um local para se hospedar.

Era o dia 12 de setembro quando acontecia as celebrações do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Caldcleugh e seus companheiros chegaram por volta das 14h e se depararam com as ruas apinhadas de gente. Anotou em seu diário: “todas as casas se encontravam ocupadas e pessoas estendiam colchões pelas ruas. Sequer encontravam abrigo contra o sol forte. Apenas mais tarde é que conseguimos pouso em uma pequena cabana bem periférica, um pouco mais distante da cidade”.

Durante toda a tarde ele vira os fiéis entrarem e saírem de uma igreja a outra para ouvir sermões, até que por volta das 21h a cidade silenciou por completo.

Charles James Fox Bunbury

Charles James Fox Bunbury, também inglês, passou por Congonhas em janeiro de 1835 e quase nada registrou. Não permaneceu mais que um pernoite.

Richard Francis Burton

Tempos depois passaria por Congonhas e Alto Maranhão o inglês Richard Francis Burton no ano de 1867. Burton era Geógrafo e Diplomata e baseando-se nos escritos do barão de Eschwege e do naturalista Auguste de Saint-Hilaire, teve um olhar especial sobre Congonhas admirando exaustivamente a obra de Aleijadinho. Burton ficou em Congonhas por 2 dias e chegou a se banhar nas águas ainda límpidas do rio Maranhão numa manhã fria do mês de agosto para espanto das mulheres e homens que ali estavam a realizar suas tarefas diárias. E deixou anotado em seu diário que as margens do rio Maranhão ainda tinham as marcas das explorações de ouro feitas no século 18.

Ainda sobre o rio destacou que o mesmo era o divisor natural de Congonhas e Matosinhos que, em sua opinião, eram lugares completamente diferentes. Burton anotou em seu diário a primeira visão que teve da paisagem entre Congonhas e Ouro Branco: “cerca de três horas da tarde, quando a viagem se tornara uma delícia, chegamos à crista de um morro e, de repente, avistamos Congonhas, como Trieste é avistada, ou melhor, como Trieste era avistada, outrora, de uma velha diligência. A localidade se situa na parte meridional de um lindo vale, em oval, cujo longo diâmetro, de nordeste para noroeste, é formado pelo rio Maranhão. A água corre em uma terra coberta de verdura esmeraldina em rico terreno de prados, raro em Minas, onde as depressões são estreitas. Corte e entalhes de argila branca, vermelha e amarela na parte superior do leito são os únicos vestígios das minas de ouro, outrora ricas. Para o norte, fica a vasta e fragosa serra, reta e semelhante a um paredão; é chamada Serra de N. Sra. da Boa Morte, nome de uma aldeia e uma capela dessa invocação; seu ponto culminante é o pico do Itabira, que avistamos então, e, naquele ponto, ela forma um semicírculo que se estende até as montanhas de Congonhas, um maciço a oeste. Para leste, fica a grande cadeia de Ouro Branco, cujo aspecto varia muito, de acordo com os diferentes ângulos em que é observada”.

Burton teve dificuldades de conseguir alojamento devido à quantidade de peregrinos em romaria ao Senhor Bom Jesus. E sobre a religiosidade observou: “À primeira vista, Congonhas parece ser toda uma igreja e um convento. Logo, porém, aparece um segundo templo, mais para o vale ribeirinho; tem duas torres e é pintado de branco e preto…”.

Não deixou de observar as casas “caiadas, ofuscantes à luz solar, espalham-se formando uma linha no eixo transversal entre os dois santuários. Descemos uma ladeira rochosa e calçada, de uma inclinação excessiva, e em breve, nos vimos sob o teto do Alferes Gurgel de Santana…”. Burton se referia à pensão do Alferes Gurgel na ladeira Bom Jesus onde atualmente funciona a secretaria de Cultura.

James Wells

E em 1875 o engenheiro inglês James Wells permaneceu alguns dias em Congonhas ficando também hospedado na pensão do Alferes Gurgel. Wells anotou em seu diário que “a hospedaria era um local limpo e agradável e as refeições servidas deliciosas”.

Descreveu Congonhas como pitoresca e interessante povoação: “no primeiro plano, à esquerda, ficam os prédios espalhados, de considerável pretensão e tamanho, da igreja, convento e colégio, tornando as casas da cidade bem inferiores em comparação; no terreno côncavo a nossos pés ficam os telhados vermelhos e paredes brancas reluzentes das casas e lojas. O rio Maranhão, um curso de águas claras no fundo do vale, meandra sobre cascalho e matacões, por entre margens de relva verde; além dele, na elevação, ficam as casas da vila e a igreja Matozinhos…”.

Não deixou de observar que ainda havia em Congonhas a procura pelo ouro por todos os lados: “ao cruzarmos o rio Maranhão vemos as lavadeiras trabalhando, batendo nas pedras chatas as roupas molhadas e perto delas homens com bateia na mão, cheia de cascalho do leito do rio, garimpando ouro”.

Wells veio para Congonhas com o objetivo de realizar os estudos técnicos para a construção de um ramal férreo que margeasse o rio Paraopeba até sua foz no rio São Francisco estando a serviço da companhia belga de estradas de ferro investidora no Brasil imperial de Dom Pedro II. Wells fez um trabalho primoroso que culminou na construção do ramal férreo do Paraopeba com mais de 140 km de extensão partindo onde atualmente é o bairro de Joaquim Murtinho, passando por Congonhas até chegar em Belo Horizonte.

“Império das festas”

O Brasil durante o século 19 recebeu a visita de muitos outros viajantes estrangeiros que percorreram o interior do país cujo teor era, sobretudo, científico. Paralelamente, vivia-se, em Minas Gerais, uma espécie de “império das festas” como muitos desses viajantes anotaram em seus diários.

Colocando um olhar mais atento aos seus relatos vemos que realizaram um o trabalho de análise arqueológica e cartográfica, destacando a geografia local, a diversidade biológica e os recursos minerais, além de realçarem o rico calendário festivo que engendrava a sociedade mineira nesse período.

Encontramos em seus diários de viagem relatos sobre as festas aqui praticadas destacando as religiosas (missas, procissões, romarias, cavalhadas e celebrações), cívicas (celebrações ao poder político constituído), públicas (carnaval e ano-novo), domésticas (batizados, casamentos e jantares), negras (alforria, coroação, entre outras), indígenas (colheitas, danças e funerais), divertimentos públicos (jogos, teatro e fandangos), divertimentos domésticos (bailes, saraus e almoços), hospitalidade (eventos de acolhimento, gentileza, polidez e despedida) e suspensão do trabalho (lazer, dia de descanso e momento de liberdade para os negros).

Apesar desses relatos narrarem o comportamento afetivo do povo mineiro, vê-se que a sociedade daquele período não se traduzia necessariamente por elementos pacificadores. A opressão também foi relatada pelos viajantes como muito mais cruel em Minas, provocando a rebeldia que culminou na Inconfidência Mineira, fazendo emergir a figura de Tiradentes. O viajante Burton descreve esse movimento classificando-o como uma embrionária tentativa de estabelecer a república além de terem observado o modo cruel como eram tratados e explorados os escravizados.

Os viajantes europeus do século 19 estabeleceram uma estreita relação com o povo mineiro e através de seus relatos é possível conhecer mais a fundo como vivia a nossa sociedade nesse período.

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