28 de março de 2024 17:10

Diário da Covid-19: Pandemia arrefece, mas Brasil vive clima de guerra civil

País, no entanto, ainda lidera o ranking diário de mortes, com 18% dos óbitos que acontecem no mundo

Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. De fato, é comum a alternância de períodos bons e ruins. A história mostra que toda pandemia, por pior que seja ou tenha sido, sempre chega ao fim, pois existe um curso natural de nascimento, crescimento e morte. E isso vale para o Brasil também. Como tudo na vida.

A pandemia da covid-19 tem deixado vítimas pelo mundo afora há mais de um ano e meio. O número global de pessoas infectadas já ultrapassou 185 milhões e a Organização Mundial de Saúde (OMS) já registrou mais de 4 milhões de vidas perdidas. A boa notícia é que o volume diário de mortes está diminuindo. Os países que tomaram medidas corretas de prevenção e avançaram com o processo de vacinação estão apresentando bons resultados na redução do impacto da doença. Até o Brasil conseguiu reduzir o número de mortes para menos de 1,5 mil óbitos diários. As curvas epidemiológicas estão na fase descendente. Mas com o surgimento de novas variantes do coronavírus o número de infectados ainda se mantém no elevado patamar de 400 mil casos e o número de vítimas fatais ainda é mais alto do que o pico da 1ª onda.

O panorama global da pandemia

O mundo apresentou a menor média de mortes do ano nos últimos dias. Com o avanço da vacinação, parece que o pior já passou. O cume mais elevado da pandemia global ocorreu na semana de 22 a 28 de janeiro com 14.510 óbitos diários e na semana de 28/06 a 04/07 ficou em 7.695 óbitos diários. Desta forma, a média mundial de mortes da covid-19 atingiu o valor mais baixo do ano e permanece com tendência de queda para o segundo semestre de 2021, como mostrado no gráfico abaixo do jornal Financial Times.

Pandemia: a terceira onda global de covid-19

Desta maneira, felizmente, a média de vidas perdidas caiu pela metade entre janeiro e julho e em breve pode ficar abaixo do valor do pico da 1ª onda que ocorreu em meados de abril de 2020. A Europa e a América do Norte, que foram destaque na 1ª e na 2ª onda, agora apresentam números de óbitos bastante baixos em relação aos picos anteriores. A Índia que chegou a registrar 4,6 mil óbitos diários em meados de maio de 2021 tem números abaixo de 900 óbitos diários em julho. A queda das mortes globais só não foi maior porque alguns países e regiões ainda mantêm números elevados como a Rússia, a Indonésia e a América do Sul. O continente sul-americano, com 5,5% da população mundial, tem registrado cerca de 36% das mortes globais neste início de julho de 2021.

O gráfico abaixo mostra os 10 países com maior média de mortes do mundo, concentrando 71% dos óbitos globais. A média de mortes na semana de 03 a 09 de julho foi de 175 óbitos em Bangladesh, 178 no México, 226 nos EUA, 363 na África do Sul, 395 na Argentina, 573 na Colômbia, 693 na Rússia, 728 na Indonésia, 871 na Índia e 1.391 óbitos no Brasil. Portanto, os números brasileiros estão bem acima de todos os outros países e representam 18% dos óbitos globais.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde divulgou os dados nacionais da covid-19, registrando 19.069.003 pessoas infectadas e a 532.893 vidas perdidas, com taxa de letalidade de 2,8%, no dia 10 de julho de 2021. O Brasil continua em 3º lugar no ranking global de casos (atrás apenas dos EUA e da Índia) e no 2º lugar no número de mortes (atrás apenas dos EUA). Atualmente, apresenta os números diários mais elevados de casos e de mortes, embora com tendência de baixa.

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 21/03/2020 e 10/07/2021 e a média móvel de 14 dias. Desde o início da pandemia, em março do ano passado, o número de pessoas infectadas cresceu continuamente até o pico de 45 mil casos no começo de agosto. Nas semanas seguintes os números caíram e chegaram a menos de 20 mil casos na primeira semana de novembro. Todavia, voltaram a subir no restante do mês e, mesmo com uma pequena queda no final de ano, atingiu o pico em março de 2021, com média móvel de 14 dias acima de 75 mil casos diários.

A média caiu para menos de 60 mil em maio e voltou a subir para a casa dos 70 mil casos diários em meados de junho. Mas, por sorte, o número de casos diminuiu e ficou abaixo de 50 mil no dia 10 de julho. Sem dúvida, o avanço no processo de vacinação contribuiu para esta queda, porém novas cepas, como a variante Lambda da Covid-19, ainda podem gerar um repique da pandemia em julho ou agosto.

Pandemia: média móvel de casos no Brasil

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 21/03/2020 e 10/07/2021 e a média móvel de 14 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas na pandemia cresceu rapidamente desde o primeiro óbito em meados de março até o final de maio quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias e se manteve neste patamar elevado até o pico de 1.061 óbitos no final de julho. Entre agosto e outubro a média caiu para um patamar abaixo de 400 óbitos diários, mas subiu no mês de novembro e chegou no pico de cerca de 3 mil mortes diárias em abril de 2021.

A média móvel de 14 dias caiu para baixo de 1,8 mil óbitos no final de maio, mas voltou subir para a casa de 2 mil óbitos diários por volta do dia 19 de junho. Nos últimos 20 dias a média de mortes caiu, embora o Brasil continue com a maior média diária de vidas perdidas do mundo.

Pandemia: média móvel de óbitos no Brasil

Brasil vive clima de guerra civil durante a pandemia

O Brasil nunca esteve tão divido e confrontado. Há uma polarização econômica, política e cultural e a pandemia só agravou a situação. A renda per capita regrediu na última década, com desindustrialização, reprimarização da economia e uma especialização regressiva na estrutura produtiva, assim como na pauta de exportações. O agravamento das desigualdades sociais tem minado a democracia e o conflito entre as instituições ameaçam o Estado de Direito. O país do futuro está preso no passado. O Brasil atual é uma nação dividida.

A ameaça de golpe está permanentemente poluindo o ar, gerando incertezas e dificultando o livre debate e o saudável embate democrático. Existe um fosso entre a sociedade civil e o poder político situado no Palácio do Planalto. As denúncias de corrupção na compra de vacinas e de equipamentos de proteção só agrava a situação. O Tribunal de Contas da União (TCU) analisando um contrato do Ministério da Saúde com a empresa VTCLog, apurou que o ex-diretor de Logística Roberto Dias (indicado pelo atual líder do governo Ricardo Barros) aceitou pagar 18 vezes o valor recomendado pelos técnicos do ministério.

A senadora Simone Tebet disse que a CPI da pandemia já reuniu elementos para o impeachment de Bolsonaro. Desta forma, existe uma bomba relógio no país, pois enquanto crescem os escândalos de corrupção, há um enorme volume de pessoas desempregadas ou subutilizadas, assim como o aumento da pobreza, da fome, das desigualdades sociais, da inflação, além da possibilidade de apagão energético e colapso hídrico. Ao mesmo tempo, a crise social está chegando a um ponto crítico, aumentando o descontentamento e a possibilidade de revoltas populares.

Neste quadro, os partidos de oposição cobram do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a abertura do impeachment de Jair Bolsonaro, que já cometeu dezenas de crimes de responsabilidade desde que chegou ao poder. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), cobrou do presidente da República uma posição sobre as declarações dadas pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que disse ter alertado o chefe do Executivo sobre irregularidades na negociação para compra da vacina Covaxin. Aliás, o que se comenta é que a gravação dos irmãos Miranda compromete o próprio presidente Bolsonaro. Mas, em reação destemperada e desrespeitosa ao ofício da Comissão Parlamentar de Inquérito, Bolsonaro disse: “Caguei para CPI, não vou responder nada”.

Pesquisa do Instituto Datafolha (07 e 08 de julho de 2021) mostra que a maioria da população brasileira considera o presidente Jair Messias Bolsonaro desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário e pouco inteligente. Tem crescido as manifestações de rua pelo impeachment de Bolsonaro e tem aumentado a rejeição do Presidente da República. A mesma pesquisa Datafolha aponta que 59% dos eleitores dizem que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum em 2022. Também apontou que, pela primeira vez, a maioria da população defende abertura de impeachment de Bolsonaro.

Porém, cada vez mais rejeitado pela maioria do eleitorado, o presidente Jair Bolsonaro voltou a colocar em dúvida a segurança das eleições, sem apresentar quaisquer provas. Bolsonaro tem feito repetidas ameaças contra as eleições. Ele repetiu que há a chance de não serem realizadas eleições em 2022 e chamou de “idiota” e “imbecil” o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso. Na mesma onda, também atacou o presidente e o relator da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL).

Em resposta, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, reagiram às recentes ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro ao processo democrático do país. Ambos se manifestaram horas após Bolsonaro ter afirmado, sem apresentar nenhuma prova, que a fraude eleitoral está no TSE.

Assim, pressionado pelas investigações da CPI e pela crescente rejeição do eleitorado o presidente Bolsonaro tem apelado para o apoio das forças armadas e tem obtido apoio dos comandantes militares. Uma nota assinada pelo ministro Braga Netto e os três comandantes das Forças Armadas repudiaram declarações do senador Omar Aziz (PSD-AM) sobre a conduta de alguns militares envolvidos em casos suspeitos de corrupção no Governo Federal. Ao invés de investigar e punir os inúmeros casos de suspeita de corrupção, a cúpula militar assinou uma nota “Absurda, golpista e mentirosa”, segundo o jornalista Reinaldo Azevedo (UOL, 08/07/2021).

Para acirrar a discussão, o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, em entrevista ao jornal O Globo, disse que os militares estão incomodados com o que descreve como uma tentativa de associação, por parte da CPI, entre a corporação e as suspeitas de corrupção apuradas pelos senadores. Contudo, como disse o TCU, mais de 6 mil militares já exercem funções civis no governo federal. Por exemplo, o coronel da reserva Elcio Franco, que foi secretário-executivo do Ministério da Saúde, na gestão do general Pazuello, é apontado como o responsável que deu a palavra final nos contratos suspeitos da vacina Covaxin.

Decerto, quando o debate público é realizado com insultos e impropérios é porque a convivência política ficou insustentável e os malefícios começam a superar os benefícios. Na atual conjuntura, o Brasil vive clima de guerra civil, que reflete uma situação de conflito permanente (não necessariamente armado) entre os membros de uma comunidade política. Ao contrário da guerra entre nações, a guerra civil é uma luta de facções no interior de um mesmo território nacional e não uma reação às ameaças do exterior. A guerra civil ocorre quando a luta política acontece fora das instituições democráticas, quando o resultado do processo eleitoral é negado e a Constituição Federal é desrespeitada.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou no dia 10 de julho a nota “Em defesa da democracia”, onde diz: “Reafirmamos a necessidade imprescindível da democracia plena, com o respeito aos preceitos consagrados na Constituição Federal, e que o Congresso Nacional e o Poder Judiciário exerçam integralmente seus direitos e obrigações constitucionais de apurar denúncias, analisar e julgar, com isenção e independência, todas as ações dos governantes de qualquer nível. A aplicação da lei a todos, igualmente, é uma necessidade primordial em uma democracia”. Na mesma linha, 8 partidos políticos (Democratas, MDB, PSDB, Novo, PSL, PV, Solidariedade e Cidadania) divulgaram uma nota, também no dia 10/07, em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro.

A conjugação de uma crise sanitária, econômica, social e política gera um verdadeiro barril de pólvora, em um jogo de soma zero. Qualquer tentativa no sentido de impedir a realização de eleições e o cumprimento de outros princípios constitucionais configura crime de responsabilidade. O Brasil já tem problemas de sobra e quaisquer que sejam as soluções encontradas elas devem vir dentro do marco legal do Estado Democrático de Direito.

FONTE PROJETO COLABORA

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