Era um bando de hippies vivendo num mundo dividido em dois em plena década de 1970. Comunistas de um lado, capitalistas de outro. Para fugir de um conflito sangrento e impopular protagonizado pelos Estados Unidos, no Vietnã, jovens ativistas americanos cruzaram a fronteira do Canadá. Heróis da contracultura e do protesto chegaram, chegando no país vizinho… e sacudiram a tranquila Vancouver.
Cinquenta anos depois do encontro histórico entre pacifistas americanos e canadenses, quakers, um grupo religioso, e anarquistas, que juntos e misturados criaram o Greenpeace, a entidade continua se reinventando para enfrentar a maior ameaça ambiental de todos os tempos: a emergência climática. “Este mundo é um mundo sem paz, é injusto, é inseguro. É ingênuo dizer que precisamos construir um mundo limpo e verde?”, questiona Kumi Naidoo, ex-diretor-executivo da uma das mais famosas organizações ambientalistas do mundo, no começo do documentário “A História do Greenpeace”, sobre o meio século de ativismo ambiental da entidade.
Com estreia marcada para o dia 12 de fevereiro, no Canal Curta!, o documentário de Thierry de Lestrade, feito em parceria com a TV5 francesa, pode ser assistido nos canais 56 e 556 da Net e Claro TV, 75 da Oi TV e 664 da Vivo TV. Cenas de arquivos, depoimentos de fundadores da ONG, análises críticas sobre a trajetória do Greenpeace compõem um mosaico dos acertos e erros daquela que é considerada uma multinacional do terceiro setor. A história do Greenpeace acompanha a evolução do movimento ecológico pelo mundo.
Presente atualmente em mais de 55 países, chegou ao Brasil em 1992 — o país ocupa uma posição geopolítica estratégica na organização, ao lado do continente africano e Sudeste da Ásia, e China e Estados Unidos, pelo fato de serem os maiores emissores de gases de efeito estufa. “Temos oito milhões de apoiadores, sendo 100 mil deles pessoas físicas”, calcula Tita Minami, diretora de programas do Greenpeace no Brasil.
Tudo começou em 1971. Os Estados Unidos haviam anunciado a retomada dos testes nucleares, o que levara um grupo de 12 jovens a alugar um barco pesqueiro – uma embarcação improvável para enfrentar os mares do Alasca. Um show beneficente garantiu a ida do bando para Amchitka, uma ilha vulcânica no Sudoeste do país, onde os testes seriam realizados. Depois de 45 dias no mar, o grupo retornou porque os Estados Unidos anunciaram a suspensão dos testes.
Sob a liderança do advogado Irving Stowe e o engenheiro-militar Jim Bohlen, ambos americanos, uma conspiração começara a ser orquestrada, logo que souberam da intenção do governo americano de iniciar os testes nucleares. Ao final dos encontros, que ocorria ora na casa da família Stowes, ora no porão da Igreja Unitarista, onde os quakers costumavam se encontrar, Stowe costumava repetir a palavra paz, acompanhada do gesto conhecido como sinal de vitória. Em um dos encontros, Bill Darnwell, um dos fundadores do Greenpeace junto com Stowe, acrescentou: “deveria ser paz verde”.
A junção de meio ambiente com movimento pela paz parecia uma combinação perfeita. E era. Meio século depois, o Greenpeace continua incomodando. E se reinventando, especialmente pelo fato de a mudança climática estar ocorrendo o tempo inteiro, o que dificulta manter a mesma estratégia de sucesso de 50 anos atrás: ação direta e imagens chocantes, capazes de transpor o espectador para a cena do crime. É que o crime ambiental deixou de ter hora e endereço certos: ele passou a ocorrer ininterruptamente, emitindo gases de efeito estufa aos borbotões.
Num mundo sem fronteiras, o Greenpeace decidira que suas campanhas seriam globais. O alvo seguinte a Amchitka seria o Atol de Mururoa, no Pacífico, onde a França também faria testes nucleares. Depois de navegar 4,7 mil km, o barco do Greenpeace entrou na zona proibida, onde os testes estavam ocorrendo e foi recebido a pontapés. Uma unidade naval francesa invadiu a embarcação e espancou o capitão, Mc Taggart. As fotos foram vistas no mundo todo e chocaram pacifistas e ecologistas. A pressão contra a França aumentou. Um ano depois, o país anunciava a suspensão dos testes nucleares.
Para mostrar ao mundo que a ONG não era monotemática por ter feito duas ações consecutivas para interromper testes nucleares, o Greenpeace elegeu as baleias como símbolo da ecologia e da natureza. Desde o século 19, que as baleias eram alvo preferencial dos países baleeiros: Japão, Rússia, Islândia e Noruega. O massacre atingia cerca de 100 mil animais todos os anos. O Greenpeace zarpou novamente. Foram dois meses em alto-mar, até que os militantes avistaram um baleeiro soviético. “Jorrava sangue de baleia de um dos três barcos da frota. Era um matadouro flutuante”, lembra Paul Watson, um dos tripulantes do barco do Greenpeace. Ele permaneceu na organização de 1972 a 1979.
A campanha das baleias foi um sucesso estrondoso: gerou um fluxo de doações até então inimaginável e fama internacional. O Greenpeace ampliava sua área de atuação: alugou helicóptero e foi ver de perto, no Canadá, a matança de filhotes de focas para alimentar a indústria de casacos de pele. Usando um macacão laranja, o uniforme dos militantes do Greenpeace, a atriz Brigitte Bardot emprestou sua voz, sua presença e sua fama internacional para a causa. Ela foi encontrá-los na base que os ecologistas haviam montado e, novamente, fotos com a musa do cinema francês rodaram o mundo.
Começava a década de 80. À época, nenhum dos estados europeus com indústria nuclear se preocupava com o descarte de lixo radioativo. Cerca de 55 barris eram despejados em alto-mar, na costa da Espanha, a 500 km distância do país. O barco do Greenpeace zarpou novamente. Dois botes infláveis da organização se aproximaram do mega navio carregado de barris de 800 km de lixo nuclear. Ao serem jogados no mar, um dos barris atingiu o bote do Greenpeace. Ninguém se feriu. Tudo foi filmado. As imagens correram o mundo. Seis meses depois, a Convenção de Londres viria a adotar a moratória sobre o despejo de lixo nuclear no mar.