A divergência dos valores quase implodiu o acordo entre o Estado e a Vale destinado à reparação dos danos causados pelo colapso da barragem da mineradora em Brumadinho (Grande BH). Quem revela os bastidores dessa complexa negociação é um dos artífices do acordo, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Gilson Soares Lemes. Ele concedeu entrevista exclusiva ao site Além do Fato nessa segunda (8). A tragédia de Brumadinho matou 270 pessoas e destruiu o meio ambiente e a economia de Brumadinho e região.
O presidente do TJMG, desembargador Gilson Soares Lemes, concede entrevista ao jornalista Orion Teixeira, reprodução YouTube
“Naquela hora, o acordo quase ruiu. Numa mediação, há sempre momentos de tensão como de consenso. A Vale fez uma oferta de R$ 29,6 bilhões e o governo tinha estimativa de R$ 54 bilhões. Houve intransigência em relação nessa sessão, seja de uma parte ou de outra. Então, na audiência de janeiro, o governo disse que não negociaria mais e não queria novas audiências”, contou o desembargador, classificando o momento de “o mais tenso”. Assista à entrevista na íntegra (abaixo).
Bombeiro da crise
Para sair do impasse, o magistrado assumiu a condição de ‘bombeiro’ e apagou o ‘princípio de incêndio’. Investiu no tempo e intensificou o diálogo. Concedeu mais 15 dias de prazo e conversou com as partes, diariamente, até chegar ao entendimento e fechar o acordo de R$ 37,7 bilhões. “Uma indenização altíssima, o maior acordo feito dentro do Judiciário na América Latina e parece que o segundo do mundo todos. Nós esperamos que atenda a todos os danos causados”, apontou.
O presidente do TJMG convenceu os representantes do Estado, argumentando que, embora estivesse longe dos R$ 54 bilhões, o valor proposto seria pago sem demora. De acordo com ele, seria até desvantajoso receber o valor integral em um processo judicial que durasse 15 anos.
“Se corrigir o valor (de agora) daria mais do que isso (valor solicitado). Por outro lado, há o risco de você não receber, quem sabe qual seria a saúde financeira da companha daqui a 15 anos. Tivemos que apaziguar porque, às vezes, os ânimos ficam mais exaltados numa negociação de valores muito altos e são danos enormes causados ao meio ambiente e a população”, sustentou.
200 horas que evitaram batalha jurídica de 10 anos
Tudo somado, foram cinco meses, sete audiências e 200 horas de negociação que evitaram uma batalha jurídica de 10 anos ou mais. “Negociamos com as partes por cinco meses e conduzimos para uma solução amigável, construída pelas próprias partes. Quando se consegue essa mediação, a decisão é mais efetiva, (eles) cumprem mais efetivamente o que foi acertado”, apontou, afirmando que acordo é mais efetivo do que uma sentença judicial.
Adiantou que o modelo da mediação e conciliação é um dos maiores investimentos do Judiciário mineiro com a intenção implantá-lo em toda a Minas Gerais. Hoje, por meio dos Centros Judiciais de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc), já está em 200 das 297 comarcas mineiras. “Os conflitos podem ser solucionados dessa forma”.