Pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CTDN), sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comprovaram a presença do coronavírus em partículas do ar. A pesquisa, que está sendo desenvolvida desde o ano passado, é um dos poucos estudos no mundo que conseguiram apresentar essa evidência, validada por métodos científicos, e reforça o alerta para o risco existente em locais mal ventilados ou com pouca circulação do ar.
Um artigo com esses resultados, assinado por Passos, Marina Silveira e Jônatas Abrahão, foi publicado na última edição da revista “Environmental Research”.
Os aerossóis, foco dessa pesquisa, são partículas microscópicas e invisíveis, que, pelo baixo peso e massa, têm a tendência de ficar suspensos no ar. O estudo, feito em parceria com o Instituto de Ciência Biológicas da UFMG, analisou dois hospitais de Belo Horizonte, em dois momentos diferentes da pandemia, além de ambientes externos, como pontos de ônibus, estacionamentos e calçadas.
Segundo Passos, a intenção não era estudar a transmissão do vírus por gotículas de saliva, que podem chegar a 1 ou 2 metros, mas, sim, essas partículas invisíveis, que podem atingir distâncias maiores.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
A escolha da realização da pesquisa em hospitais não se deu ao acaso. “Para comprovar a presença desse vírus no ar, a gente usou ambientes hospitalares como modelo, como ambiente controlado, em que a gente saberia que havia a presença de pacientes contaminados, ou seja, uma fonte de aerossóis contaminados e também que haveria o controle rigoroso quanto ao uso de EPIs pela equipe do hospital”, explica o pesquisador.
Para chegar aos resultados e validar a hipótese inicial, os pesquisadores do CDTN, órgão vinculado à Comissão de Energia Nuclear (CNEN) e ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTIC), usaram equipamentos capazes de sugar o ar e fazê-lo passar em membranas filtrantes. E, mesmo diante de todas as dificuldades em se fazer essa “captura”, o estudo conseguiu verificar a presença do vírus em cinco amostras, por meio da identificação do código genético do SARS-CoV-2.
As coletas foram feitas entre 25 de maio e 4 de junho em um hospital e entre 9 de junho e 17 de julho no outro. Os nomes das unidade de saúde não foram divulgados. Já os ambientes externos foram monitorados de 25 de maio a 6 de agosto.
As amostras com coronavírus foram encontradas no segundo hospital, em quatro ambientes, entre eles o CTI. Passos chama a atenção para dois fatores: o agravamento da pandemia no início do segundo semestre, aumentando a taxa de ocupação de leitos, e a presença de um sistema de circulação de ar menos eficiente.
O pesquisador destaca que em uma das salas onde o vírus foi encontrado havia inclusive ventilação natural, mas pouca circulação do ar. Nos ambientes externos, não houve amostras que contivessem o vírus.
Risco de ambientes mal ventilados
Diante das evidências científicas de que o coronavírus está no ar, o pesquisador acredita que deveriam ser pensadas estratégias mais efetivas para evitar a transmissão da Covid-19 pela rota aérea.
Para exemplificar a forma como o vírus se espalha, Passos recorre a uma cena simples do cotidiano: a de uma pessoa fumando.
Da mesma forma, o coronavírus pode se espalhar pelo ar, quando uma pessoa está respirando, falando ou mesmo cantando.
“Esses aerossóis que são gerados podem se acumular nesses ambientes e vir a constituir uma fonte muito significativa de contaminação”, diz. Ele acrescenta que, nesse caso, o risco existe mesmo que as pessoas estejam distantes uma da outra ou até depois que a pessoa contaminada tenha deixado o ambiente. Por isso, o risco em locais sem uma ventilação eficiente, como casas de shows ou bares, é alto.
Passos cita um artigo publicado pela revista “Nature”, no início deste mês, que afirma que o vírus é transmitido predominantemente pelo ar, tanto pelas gotículas quanto pelos aerossóis, e em menor grau pelo contato com superfícies. E, por isso, segundo o artigo, deveria ser enfatizada a importância do uso das máscaras, além da busca por medidas para melhorar a ventilação dos ambientes.
Próximos passos
Com a publicação dos resultados da fase inicial do estudo, os pesquisadores já focam nos próximos passos. Atualmente, em parceria com o Departamento de Engenharia Ambiental e Sanitária (Desa) da UFMG, o CDTN pesquisa os aerossóis em estações de tratamento de esgoto.
Em outra frente, os pesquisadores iniciaram análises em casas de pessoas com Covid-19, para avaliar fatores como a distância percorrida pelo vírus e para quantificar os riscos. Eles ainda pretendem estudar, por meio de modelos matemáticos, as melhores estratégias de circulação do ar.