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Variante lambda gera alerta na fronteira com Peru

Alfa, beta, delta, gama e agora lambda. Com uma pandemia mundialmente ainda fora de controle, sempre que surge uma nova variante, como esta última, localizada no Peru, próximo da fronteira com o Brasil, as autoridades sanitárias disparam alertas. Foi o que fez a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas – Drª Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP) no último 29 de julho. Em apenas 18 dias, uma cidade peruana registrou 82 novos casos da Covid-19. No mês anterior, apenas um caso de contaminação pelo novo coronavírus havia sido registrado.

A variante Lambda (C.37), também conhecida como “cepa andina”, permanece no status “de interesse” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Significa que a OMS ainda monitora os potenciais impactos, com estudos e sequenciamento para acompanhar sua evolução. Diferente das cepas alfa (B.1.1.7), primeiramente detectada no Reino Unido, da beta (B.1.351), mapeada na África do Sul, da gama (P.1), a que se originou no Brasil, provavelmente no estado do Amazonas, e a hoje mais temida de todas, delta (B.1.617 2 e  AY.1-2-3), que devastou a Índia e já é prevalente em muitos países. Por serem variantes de preocupação, estas estão permanentemente no radar da OMS.

O surto de covid-19 com a cepa lambda ocorreu na cidade peruana de Islândia, localizada na região de fronteira com o município amazonense de Benjamin Constant, na região do Alto Rio Solimões. Ela é considerada responsável pela disparada no número de casos e óbitos do novo coronavírus no Peru. De acordo com a universidade norte-americana Johns Hopkins, que compila dados de Covid-19, o país andino acumula, desde o início da pandemia, 597 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes, quase duas vezes e meia do total de 265 mortes a cada 100 mil brasileiros.

Detectada em agosto de 2020, a nova cepa peruana se espalhou rapidamente até agora para 40 países, principalmente na América Latina, e deixou as autoridades norte-americanas de sobreaviso. O alívio veio dias atrás quando María Von Kerkhove, a líder técnica para covid da OMS, afirmou que não há motivos para incluir a variante lambda na lista das perigosas cepas gama e delta.

Na semana passada, a FVS passou a atuar em Benjamin Constant, junto de especialistas da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O alerta serviu não só a esse município, mas também aos vizinhos Tabatinga e Atalaia do Norte. “Tem uma equipe da FVS levantando as informações iniciais para poder entender o que foi que aconteceu. Se a gente realmente precisa aumentar o risco para cá, se há possibilidade de aumento (no número) de casos para cá”, enumera o virologista e pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Felipe Naveca.

Técnicos da OPAS em Islândia, Peru (Foto: Diresa Loreto/OPAS)

Nessas situações de atenção redobrada, a vacinação passará a ser reforçada e pode haver até bloqueio na circulação de pessoas que ainda não tenham sido vacinadas. Ao investigar o surto com a variante lambda, a equipe de saúde brasileira quer mapear, em parceria com as autoridades de outros países, se houve aumento de casos também nos municípios do Amazonas. “É importante cruzar essas informações porque é uma área onde as pessoas circulam de um lado para o outro, então os sistemas de saúde precisam conversar melhor”, explica Naveca.

Neste caso, a troca de informações sobre novos casos se dá entre os países da chamada tríplice fronteira: Brasil, Colômbia e Peru. As amostras colhidas em território nacional serão analisadas pela Fiocruz.

O Alto Rio Solimões é área de forte presença de população indígena de várias etnias. No auge da pandemia, o contágio da doença atingiu vários povos e comunidades indígenas. O primeiro caso de Covid-19 entre indígenas foi registrado justamente naquela região, em uma jovem do povo Kokama, um dos mais afetados pela disseminação da Covid-19. Municípios como Atalaia do Norte, que faz fronteira com o Peru, têm indígenas de povos de recente contato e isolados. O deslocamento entre os três países é muito fácil, com a fronteira dividida apenas entre uma rua e outra e entre rios, que atravessam tanto o lado brasileiro quanto o colombiano e o peruano.

Os riscos da cepa lambda

Imagem de microscópio eletrônico de varredura mostra SARS-CoV-2 (partículas redondas de ouro) emergindo da superfície de uma célula cultivada em laboratório (Foto: NIAID)

A variante lambda preocupa, mesmo com a classificação rebaixada pela OMS, porque no Peru a pandemia foi avassaladora. De acordo com Felipe Naveca, a cepa andina não tem muita diferença em termos clínicos das outras mutações, mas o temor é que ela seja mais transmissível, como é a delta.

“Justamente o Peru, por ser um país que foi muito afetado pela Covid-19 e essa variante surgiu lá, a gente precisa reforçar as medidas. Mas ela (lambda) não seria pior, pelo menos não tem nenhuma informação, por exemplo, de que seria pior do que a variante que a gente teve aqui, que foi a gama.”

Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, as autoridades brasileiras deveriam adotar uma postura mais proativa em relação ao surto na fronteira com a região do Alto Solimões. “Objetivamente, nada de contundente foi feito, exceto envio de pessoal que já vai de rotina para o Alto Solimões. Nem sinal de uma barreira sanitária internacional ou de forte aumento da quase inexistente vigilância laboratorial, mesmo mais de um ano depois do início da pandemia”, critica.

A fala é endossada pelo doutorando do programa de biologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Lucas Ferrante, que alertou para o risco de uma segunda onda da pandemia da Covid-19. “Qualquer nova variante é preocupante. O Brasil se tornou um celeiro de variantes. Não só podemos ter o surgimento de novas cepas que são mais transmissíveis e que fujam à eficácia das vacinas, como também podemos ter a recombinação de diferentes variantes através de um crossing over que acontece dentro das células. Então, diferentes variantes podem se recombinar numa super variante”, adiciona.

O pesquisador também reforça a necessidade do fechamento de fronteira com o município de Benjamin Constant para conter a entrada da variante em território nacional. “A restrição de transportes terrestre, aéreo e fluvial é fundamental. O município tem que ser isolado completamente até que de fato tenham contido e controlado todos os casos. Sem o controle de fronteira desse município não existe possibilidade de fato, de contenção da variante lambda”, explica.

A variante P.1

Sepultamento de vítima da covid no Cemitério Nossa Senhora Aparecida no Tarumã
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real/(01/03/2021)

A incapacidade e a inação das autoridades brasileiras em reagir ao surgimento de uma mutação do novo coronavírus representam um risco em potencial nesta pandemia, que vale para qualquer variante. A P.1 é hoje considerada prevalente em todo país, pois aparece em cerca de 80% das amostras colhidas pelos pesquisadores. De origem conhecida em Manaus, no Amazonas, ela só foi detectada no exterior, quando turistas japoneses voltaram, no fim de 2020, ao Japão e foram testados e isolados imediatamente numa atividade de rotina no aeroporto de Tóquio, lembra Orellana.

O que se seguiu à notícia de uma mutação do coronavírus ocorrida em solo brasileiro, logo batizada de “variante de Manaus”, quando a OMS ainda não utilizava as letras do alfabeto grego para identificar os diferentes Sars-CoV-2, pode ser resumida como uma catástrofe. Não há notícia de uma campanha séria promovida por parte do Ministério da Saúde. Os governos do Amazonas e de Manaus tampouco reagiram. Mas o estado amazonense mergulhou no caos, com as trágicas cenas de mortes por asfixia.

Uma pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), publicada na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares, mostra que a variante gama é mais agressiva e transmissível, mas pode ser contida com  vacinação em massa e lockdown. Sempre que podiam, o governador Wilson Lima (PSC) e o prefeito manauara David Almeida (Avante) defenderam a retomada das atividades presenciais e adotaram um acanhado lockdown.

“Alfa, beta, gama e delta, realmente são as quatro variantes mais importantes historicamente. Nós não temos registro da delta até hoje no Amazonas”, afirma Naveca, que ressalta que a transmissão da delta é maior, porém, a capacidade de letalidade maior não foi comprovada. “Toda vez que você tem uma (variante) que transmite mais, eventualmente vai ter – por conta do maior número de casos – um aumento de casos graves”, explica, citando o que aconteceu nos Estados Unidos, onde a variante delta se espalhou rapidamente. “Mas ela se espalhou principalmente nos grupos de pessoas que não quiseram se vacinar. Isso ficou muito claro nos Estados Unidos.”

“A delta é uma variante de preocupação e é comprovadamente mais infecciosa que as demais. Já a andina, apesar de estar associada à forte disseminação no Peru e consideravelmente em certos países da América do Sul, não parece ter o mesmo potencial de rápida e forte disseminação da delta”, exemplifica Jesem Orellana.

Grandes eventos vêm aí

Vacinação de idosos do grupo de 69 anos no Centro de Convivência do Idoso da Cidade Nova, Padre Vignola em Manaus (Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)

Se com a variante gama, as autoridades amazonenses afrouxaram medidas sanitárias de combate à pandemia, o risco que ronda a região do Alto Solimões está longe de evitar a reabertura já anunciada para grandes eventos na capital. No dia 2 de agosto, a prefeitura de Manaus publicou o Decreto nº 5.122/2021, instituindo a “Comissão Especial de Organização de Eventos Festivos no Município de Manaus”, para “avaliar e planejar a flexibilização das medidas de restrição para eventos de grande porte realizados na capital”.

Conforme o decreto do executivo municipal, tais eventos só ocorrerão “caso mais de 70% da população acima dos 18 anos tenham completado o esquema vacinal contra a Covid-19 (duas doses ou dose única)”.

Para Naveca, pensar em liberar grandes eventos antes de ter 70% da população acima de 18 anos vacinada é um risco grande. Na Europa, onde as taxas de vacinação estão em níveis mais avançados que no Brasil, a Eurocopa foi liberada e o aumento da circulação de torcedores e turistas resultou na aceleração dos casos. “Só pode ser cogitado ter eventos com aglomeração depois que atingirmos uma vacinação realmente superior a 70% da população com duas doses, caso contrário a gente vai estar correndo um risco grande”, alerta Naveca.

Atualmente, segundo o vacinômetro da FVS, apenas 35% da população do Amazonas está totalmente protegida, o equivalente a aplicação de segunda dose a menos de 600 mil amazonenses maiores de 18 anos.

O epidemiologista Jesem Orellana criticou o decreto municipal, o qual chamou de “prematuro, pouco transparente e recheado de suposições, replicando o governo estadual, com suas ‘comissões/comitês’ que levaram Manaus a duas das mais dramáticas experiências da pandemia, em escala mundial”, disparou.

Lucas Ferrante alerta ainda para o nível de proteção das vacinas em relação à variante delta. A vacina da Janssen, de acordo com o pesquisador, fornece uma proteção de apenas 30% contra a variante delta. A primeira dose da Pfizer tem a proteção de apenas 36% contra essa variante e a Astrazeneca apenas 30%. As próprias segundas doses da Pfizer têm uma proteção de 88% e da Astrazeneca de  67% com a segunda dose contra a variante delta. “Então, caso nós tenhamos um surto da variante delta no Amazonas, vamos ver hospitais se encherem e o número de óbitos aumentar novamente podendo atingir patamares superiores inclusive à primeira onda vivenciada no estado. Não é o momento de afrouxar as medidas. Nós precisamos permanecer cautelosos”, diz.

Dados atualizados

Conforme o Boletim Diário da FVS de 9 de agosto, o Amazonas registrou 294 novos casos de Covid-19, o que totaliza um total de 419.744 ao longo da pandemia. O boletim dava conta de sete óbitos confirmados pela doença, o que elevou para um número total de 13.591 mortes no Estado.

Há 263 pacientes internados em Manaus, sendo 116 em leitos clínicos (9 na rede privada e 107 na rede pública), 145 em UTI (27 na rede privada e 118 na rede pública) e 2 em sala vermelha.

Técnicos da OPAS em Letícia, Colômbia (Foto: Karen González Abril OPS/OMS Colombia)
FONTE EDITOR Leanderson Lima DO SITE AMAZONIA REAL

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