Erosões profundas e progressivas em pilha de estéril que estaria sendo usada para depósito de rejeitos ameaçam ruptura, vidas e meio ambiente
Santa Bárbara – As fendas profundas e voçorocas que se abriram com as chuvas engolem a base e os taludes de uma montanha de rejeitos da mineração de ouro. Se os mais de 80 metros de detritos da chamada Pilha do Sapê vierem abaixo, uma tragédia pode ser provocada como a de Brumadinho e até mesmo cortar o abastecimento de mais de 25 mil pessoas.
Por isso, os funcionários da Mina Córrego do Sítio (CDS), da AngloGold Ashanti, em Santa Bárbara, foram evacuados às pressas, na última semana de janeiro. A empresa chegou a minimizar, comunicando que se tratava de medida preventiva.
“O processo de erosão dessa estrutura é evidente e preocupante, precisa receber intervenção urgente. Reforça isso a retirada dos trabalhadores pela própria empresa”, afirma o professor Carlos Barreira Martinez, do Instituto de Engenharia Mecânica (IEM) da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), após ver as imagens exclusivas da reportagem do Estado de Minas mostrando os rombos na estrutura. A reportagem aguarda posicionamento da empresa.
O Governo de Minas Gerais, por meio do Gabinete Militar do Governador (GMG)/Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), informou que, “ao tomar conhecimento sobre possível instabilidade em uma pilha de rejeitos de mineração do complexo da Mina Córrego do Sítio, localizada no município de Santa Bárbara-MG e explorada pela AngloGold Ashanti, solicitou, de imediato, informações à mineradora”.
Segundo a Cedec-MG, a Anglo Gold informou que identificou processos erosivos em uma pilha de rejeitos, mas que estes estão controlados, não havendo risco para a estrutura, e que o material está classificado como não perigoso.
“A empresa informou que não houve extravasamento de material ou impacto ao meio ambiente e às comunidades próximas. A empresa destacou que já faz intervenções preventivas. O Governo de Minas, por meio de seus órgãos fiscalizadores, está atento às operações da mineradora em pauta e acompanhando a situação”, aponta o órgão de estado.
Às moscas
No complexo CDS1 da porção oeste da mineradora não há mais nem sinal dos trabalhadores de macacão laranja da empresa. Tudo que ficava abaixo da Pilha de Sapê foi redirecionado, evacuado e transferido para a planta CDS2, 7,5 quilômetros a leste.
Enquanto especialistas afirmam que obras emergenciais de contenção da pilha deveriam estar em andamento, o cenário constatado pela reportagem do EM na última semana é de abandono. Não há movimentação de máquinas na pilha, e estruturas funcionais esvaziadas chegam a inundar com as chuvas ainda constantes.
A proximidade dos funcionários com o perigo se mostrava semelhante ao que se tinha na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde 270 pessoas morreram, em 2019.
À sombra da pilha minada pela água estão áreas de trabalho que eram ocupadas e intensas, como o escritório central, a 260 metros da estrutura, os alojamentos e refeitórios (290 metros), os tanques onde trabalhadores afirmam estar estocadas misturas com cianeto que é tóxico para animais e o ser humano (322 metros) e a portaria do complexo (600 metros).
Risco de desastre
Mas ambientalistas alertam que a devastação que um desmoronamento da Pilha do Sapê pode trazer ainda é enorme, não sendo sanada pela evacuação dos funcionários da AngloGold Ashanti.
“A estrada que leva a Itabirito e a Santa Bárbara, passando pela Mina Córrego do Sítio, não recebeu segurança, não tem equipes prontas para fechar o tráfego nem a população próxima foi alertada”, destaca o dirigente estadual da Região do Caraça do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Luiz Paulo Siqueira.
Uma onda de rejeitos precisaria percorrer apenas 525 metros a partir da pilha para chegar ao Rio Conceição. A reportagem testemunhou que um volume considerável do material do empilhamento já está escoando pelas erosões para o manancial.
De tão límpido, o corpo hídrico é considerado de classe 1 naquele segmento, ou seja, segundo o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), as águas estão aptas ao abastecimento humano com tratamento simplificado, pesca, natação, mergulho, irrigação de hortaliças e frutas consumidas cruas.
Uma vez que rejeitos despejados de suas contenções escorrem para dentro de águas o perigo se amplia, segundo observam especialistas e ambientalistas. “Como ocorreu em em Mariana, quando a Barragem do Fundão se rompeu e o rejeito entrou na Barragem Santarém, de água, ganhando mais força e velocidade”, compara Siqueira.
Encaixada na calha do Rio Conceição, a devastação dos rejeitos da mineração de ouro e seus possíveis contaminantes teriam um caminho de 10 quilômetros para chegar até a estrada que leva ao Santuário do Caraça.
São apenas 500 metros para saltar do Rio Conceição e chegar até o Ribeirão do Caraça, em vários pontos mais baixo que o manancial carregado de rejeitos. Com isso, a comunidade, os ambientalistas e os especialistas temem que ocorra uma contaminação do Ribeirão do Caraça, que é a principal fonte de abastecimento do município de Santa Bárbara, chegando às torneiras de cerca de 25 mil pessoas.
“A devastação no caminho de uma captação de água poderia ser uma tragédia atrás da outra e temos visto isso acontecer com certa frequência no estado”, alerta Carlos Barreira Martinez, que é doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas.
A onda de rejeitos ainda traria impactos como inundações aos lares de 800 pessoas do distrito de Brumal, que fica às margens do Rio Conceição, interropendo acessos ou trazendo impactos às atividades de cerca de 2 mil pessoas dessa comunidade.
Já no Rio Santa Bárbara, o destino dos resíduos que podem ser altamente tóxicos é a Barragem do Peti, que pode conter o volume, mas teria impactos na atividade pesqueira e de lazer, sendo que após a hidrelétrica da Cemig, o manancial desagua no Rio Piracicaba e por fim no Rio Doce, em Ipatinga.
Perigo em Santa Bárbara
Erosões em estrutura com rejeitos da Anglogold ameaçam comunidades e ambiente
Mina Córrego do Sítio
- Município
Santa Bárbara - Região
Central de MG - Distância de BH
108km - Bacia Hidrográfica
Rio Doce - Produção
Ouro - Implantação
1987, composta por duas minas subterrâneas (Minas I e II), uma mina a céu aberto (Open Pit) e duas plantas metalúrgicas - Barragens de rejeitos
Métodos linha de centro (CDS1) e jusante (CDS2) - Situação
Laudos de estabilidade, desativadas e sendo desmanchadas - Disposição de rejeitos
A seco
Fonte: AngloGold Ashanti
Estrutura que ameaça a segurança da comunidade, trabalhadores e meio ambiente
Pilha de Sapê
- Altura
83 metros - Área
133 mil m2 (dobro da área que contém os edifícios Minas e Gerais da Cidade Administrativa de MG) - Composição
Sedimentos estéreis (inservíveis) e rejeitos (empresa afirma serem inertes, trabalhadores denunciam tóxicos presentes como cianeto e arsênio)
Problemas identificados
- Erosões grandes e em progresso nos taludes e na base
- Ausência de contenções
- Material sendo carreado para o Rio Conceição
- Não foram vistos trabalhos de reparos
- Vias de acesso livres em caso de emergência
- Comunidades reclamam de falta de informações e transparência
Distâncias da estrutura
- 260 metros
Escritório Central da Mina (evacuado) - 290 metros
Alojamentos e refeitórios (evacuados) - 322 metros
Tanques (trabalhadores afirmam estar estocado ali misturas com cianeto) - 525 metros
Rio Conceição - 652 metros
Estrada Brumal, Itabirito (Parque nacional da Serra do Gandarela)
Distâncias dos rejeitos pelos vales dos rios
- Rio Santa Bárbara
7,3km - Estrada para o Santuário do Caraça e captação de água de Santa Bárbara
10km - Brumal (Santa Bárbara)
11,2 km - Barragem do Peti (Cemig)
26,5km - Usina Hidrelétrica do Peti
41km - Rio Piracicaba (Nova Era)95km
- Rio Doce (Ipatinga)211km
Fontes: MAM, AngloGold Ashanti, Copasa, Cemig, ANA, Igam e reportagem, EM