Muitos barbacenenses não conhecem, de fato, todos os pontos da história de Barbacena (MG). Mais que isso! Muitas lendas ficaram perdidas no tempo e uma delas envolve uma serpente que vivia em uma das torres da igreja da Boa Morte. A história é tão interessante que despertou a curiosidade do apresentador do Tô Indo, Mário Freitas, que esteve em Barbacena para contar essa história que “muita gente fala, mas pouca gente viu”. A inspiração veio de um artigo escrito por Edson Brandão. O programa será veiculado no sábado (19), às 11h45 na TV Integração e no domingo (20), após a missa na Globo Minas.
A lenda
Barbacena, conhecida como cidade dos loucos e das rosas, carrega mais de 200 anos de história, entre elas uma lenda misteriosa e intrigante. Conta-se que uma serpente habitava a igreja da Nossa Senhora de Assunção, comumente chamada de Igreja da Boa Morte.
O Santuário foi construído em 1816, no lugar de uma antiga e pequena capela provisória, feita de madeira e taipa. Após ser erguida a igreja definitiva, a serpente passou a fazer morada no local, mais precisamente na torre direita. A cobra era tão grande que mesmo quando saía para beber água no Rio das Mortes a ponta de sua cauda permanecia lá.
A igreja foi construída com verba arrecadada pela Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Naquele tempo eram as irmandades de leigos que organizavam as festas católicas para conseguir recursos para construção de capelas e templos. Para arrecadar capital para a construção, o grupo dispunha de uma equipe de esmoleiros que andavam a pé ou a cavalo por longas distâncias, sempre vestidos com seus hábitos azuis.
Sobre a gigantesca serpente, a descrição mais primorosa foi escrita pelo Monsenhor Mário Quintão, que foi pároco da Boa Morte nos anos de 1950-60. No livro “Notas Históricas”, de 1967, ele relatou que a serpente prodigiosa morava dentro da torre e a notícia lendária deste fato causava pavor especialmente aos meninos e aos adultos menos avisados.
Era um animal de tamanho assustador. Tão grande que sua cauda se estendia até a base da torre ou além. De cor preta, aparecia nas noites escuras nas janelas do lugar e tinha uma fosforescência pelo corpo todo, projetando luz mortiça para fora, causando admiração aos transeuntes noturnos. Soltava assobio estridente, na solidão da noite. Então, a fosforescência (capacidade que uma espécie química tem de emitir luz) acendia mais intensamente e iluminava de algum modo o interior da torre. Algumas vezes saindo do local, descia até as proximidades do Grogotó, onde existia uma grande represa, para banhar-se nas águas da mesma.
Na Bahia, a irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte é uma das mais antigas do Brasil e hoje é considerada patrimônio histórico imaterial. Ao contrário do que ocorria em Minas Gerais, e seus velhos ermitães, a irmandade baiana sempre foi composta e mantida exclusivamente por mulheres acima de 40 anos, na sua maior parte adeptas do candomblé.
A Senhora da Boa Morte evoca as fronteiras entre a vida e a morte. Esta imagem está associada ao orixá Oxumaré, que curiosamente é representado na forma de uma serpente vinda do arco-íris, multicor e brilhante, como a nossa serpente barbacenense. Na simbologia da irmandade das mulheres baianas, o cajado, o mesmo usado pelos antigos esmoleiros nos seus caminhos mineiros, é outro símbolo importante, remetente ao poder do espírito sobre a matéria.
Tantas associações simbólicas de tradições tão diversas podem ter ou não uma conexão ancestral. As lendas são, assim, histórias bem contadas, que revelam jeitos diferentes de compreender o mundo. É um universo encantado que deve ser conhecido e suas histórias preservadas.
Fotos: Camila Condé
Por Camila Condé para a Folha de Barbacena, com informações do artigo “A serpente da torre da Boa Morte, uma lenda perdida no tempo”, de Edson Brandão