O “Concurso Intérprete de Libras Musical – Retrospectiva 2023” como segunda edição do projeto da Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, conta novamente com a participação de uma candidata representando Conselheiro Lafaiete (MG). Foram enviados vídeos de tradução musical do par linguístico/libras de oito estados do Brasil para serem analisados pela comissão técnica do concurso formada por Eduardo Rodrigo (intérprete de libras), Mikael Souza (surdo) e Bruna Pimenta (dançarina).
Os jurados relataram a dificuldade em selecionar apenas 18 pessoas dentre todos os inscritos. “A nossa vontade foi de incluir todos, porque sentimos compromisso e verdade nas apresentações enviadas. Pequenos detalhes e, portanto, pequenas diferenças de pontuação definiram os intérpretes selecionados.” – relataram na postagem da lista oficial no instagram do concurso.
Luana Dias, tradutora intérprete de libras, moradora de Conselheiro Lafaiete e servidora do Instituto Federal de Minas Gerais – Campus Ouro Preto está entre os 18 participantes selecionados pelos jurados para irem para a segunda fase do concurso.
Os vídeos selecionados nesta fase serão divulgados no instagram e estarão disponíveis para votação popular no YouTube a partir do dia 01 de agosto às 18h, finalizando no dia 07 de agosto às 18h.
A classificação se dará pela contagem de “likes” nos vídeos apenas no YouTube. Os autores dos 12 vídeos mais curtidos passarão para a fase final e presencial do concurso que ocorrerá na Associação dos Surdos de Minas Gerais, localizada na capital mineira. A lista dos 12 intérpretes finalistas será divulgada até o dia 08 de agosto. Luana Dias conta com o voto e o apoio de todos na divulgação para representar a nossa cidade na fase presencial.
Quem é Luana?
Luana é uma ativista das causas da inclusão surdos e surdocegos em Lafaiete e defende o “direito linguístico”. Mas o ativismo ganha força na região através de propostas nas Câmaras. No início de junho, Luana esteve presente a sessão do Legislativo de Lafaiete quando participou da Tribuna Popular onde cobrou políticas públicas em favor da causa dos surdos e surdocegos e adoção de intérprete e tradutor de libras nas esferas públicas e privadas para facilitar a comunicação
O tom afirmativo e até incisivo das palavras ecoaram no Legislativo na sessão com a presença dos representantes da Associação dos Surdos de Conselheiro Lafaiete e Região (Assular) que ao longo de semana ocuparam as cadeiras do recinto exercendo o protagonismo das causas de acessibilidade e inclusão, como também o reconhecimento das demandas ainda não inclusas nas políticas públicas locais.
Tomada pela emoção, Luana deixou seu recado aos vereadores e cobrou “respeito linguístico” e a introdução das línguas de sinais, a Libras, em vários ambientes públicos e privados como forma de acessibilidade da comunicação entres as pessoas surdas e ouvintes, o direito a diversidade e representatividade da comunidade surda.
Luana discorreu sobre o projeto de Lei Clarissa Fernandes, em tramitação na Câmara, de autoria do Vereador Professor Oswaldo Barbosa (PV) que institui e reconhece oficialmente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) em Lafaiete, garantido a implementação de políticas voltadas ao direito linguístico e de acessibilidade dos surdos e surdocegos nas esferas da saúde, educação, cultura e lazer.
Luana contou um pouco de sua trajetória profissional tendo a oportunidade de conviver até os últimos momentos da vida da ativista Clarissa Fernandes, professora de libras do IFMG campus Ouro Preto, sindicalizada ao SINASEFE e ativista da comunidade surda, que faleceu no dia 02/09, vítima de um acidente de trânsito na BR-356, em Itabirito-MG.
A história
Clarissa Fernandes nasceu ouvinte e perdeu a audição aos 5 anos de idade, sendo assim teve o contato linguístico com a língua portuguesa antes de perder a audição. Ela mesma dizia que possuir memória auditiva. Filha de uma professora de português, teve sempre os acompanhamentos necessários para seu desenvolvimento cognitivo e de linguagem. Clarissa sempre teve o apoio da família, porém sendo a única surda na família e por não ter ainda contato com a comunidade surda, acreditava que morreria antes de chegar a idade adulta, pois nunca tinha visto um adulto surdo como ela. “Todos sabemos que sem a representatividade social de quem somos é difícil uma criança conseguir vislumbrar o potencial de quem ela pode ser quando crescer”, afirmou Luana.
Aos 14 anos, finalmente Clarissa é inserida na comunidade surda e adquire tardiamente a Língua Brasileira De Sinais. Mesmo tendo a aquisição tardia da língua de sinais, depois de descobrir um mundo onde existem muitos como ela, Clarissa desenvolveu todo o seu potencial dentro do curto espaço de tempo que Deus nos permitiu tê-la entre nós. Clarissa vivenciou a experiência da maternidade, se casou, se formou no curso de Licenciatura em Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2011.
Foi surdoatleta, apoiou mulheres em suas lutas, militou a favor da educação bilíngue, prestou concurso e ingressou como docente de libras no Instituto Federal de Minas Gerais Campus Ouro Preto. Fez seu mestrado em Educação na Universidade Federal de Ouro Preto.
Foi tutora do curso de Letras Libras da UFSC Polo Ribeirão das Neves, mesmo lugar onde Luana se formou. Foi membro e coordenadora do Núcleo de Apoio as Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas do IFMG Campus Ouro Preto.
Viajou para França para conhecer as origens linguísticas da Libras. Para quem não sabe, a nossa colonização linguística veio de Portugal para hoje falarmos o português, mas caso da Libras a nossa colonização linguística veio da língua francesa de sinais para das origens a língua brasileira de sinais que temos hoje.
Ela foi ouvinte, foi surda, foi menina, foi mãe, de aluna a mestre, foi esposa, foi amiga! De 2017 a 2022 trabalharam juntas. “Fui sua voz e seus ouvidos durante 5 anos dentro do IFMG.” – afirmou Luana. Estava ao seu lado durante sua última aula e Clarissa lhe disse que iria embora cedo no outro dia para estudar a disciplina isolada do doutorado. E no outro dia ela simplesmente foi embora cedo demais e deixando um legado enorme.
No dia 2 de setembro de 2022 ela voltou para casa. “Desse dia por diante eu entrei num estágio de luto, não apenas do luto com o significado de perda, mas da palavra luto na extensão de todo o seu significado enquanto ação de potência para conquistar grandes coisas. A partir da morte de Clarissa eu passei por uma mudança de comportamento. Antes prezava em não participar ativamente do movimento bilíngue para não ocupar o lugar de protagonismo da pessoa surda. Clarissa lutou por aquilo que ela acreditava e não viu o resultado de toda a sua luta. Hoje entendo que não é o fato de ser eu ouvinte que me tire o direito de também lutar por essa minoria. Passei a refletir que mesmo que não seja esse o meu lugar de fala, o que tem feito eu com o meu lugar de privilegio por pertencer ao grupo linguisticamente majoritário no nosso país, que somos nós ouvintes, falantes da língua portuguesa e por estar viva. Me sinto na responsabilidade de levar esse legado a diante. Pois não é preciso ser surdo para lutar pela garantia de acesso a direitos humanos essenciais a toda população, a todo cidadão, incluindo esta minoria linguística e respeitando a sua língua assim como estou fazendo com vocês nesse momento. Quanto a mim, digo a vocês que luto”, encerrou Luana o seu discurso arrancando aplausos da plateia e apoio a causa de acessibilidade dos surdos e surdocegos e a reconhecimento a diversidade como direito.
Arte em libras
Luana é também artista, contadora de histórias bilíngue, atua na tradução artística produzindo versões musicais em libras (ou seja, faz música em uma língua que ninguém escuta).
Atualmente, ela trabalha no seu segundo laboratório de tradução musical que basicamente é orientar a tradução musical de forma individual ou coletiva para que o aluno orientado produza no final do laboratório um produto que é um clipe com a versão musical em libras.