O pesquisador lafaietense, Luiz Otávio da Silva, apresentou recentemente, à Diretoria do Lar do Menor Amparado (LARMENA), o resultado de um estudo sobre um Painel de Azulejo Português que é propriedade daquela Instituição. O trabalho apresentado foi um dos requisitos à obtenção do título especialista, Pós-graduação Lato Sensu em Ensino de História.
Intitulada “Azulejos que guardam histórias”, a pesquisa apresenta de forma clara, sucinta e sustentada, a importância que representa para o Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Conselheiro Lafaiete, o (re)conhecimento, a valorização e preservação daquele Painel de Azulejo Português. Apresenta também uma investigação baseada em estudos históricos, sociais, cronológicos e acadêmicos e fatos, incontestavelmente importantes acerca da beleza, do valor histórico e da simbologia do painel feito (e pintado) em azulejo português autêntico. Nesse trabalho de pesquisa, destaca-se o valor social que o painel representa enquanto memória. Com a autorização do autor, transcrevemos (ipsis litteris) parte do estudo.
O tema deste trabalho emerge de dois anos de estudo sobre uma bela e valiosa obra da azulejaria portuguesa que existe na cidade de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais – o Painel de Azulejo Português do Lar do Menor Amparado (LARMENA). Esse estudo foi iniciado primeiramente pela impactante beleza da obra. Com isso, houve um direcionamento para uma continuação das pesquisas, haja visto que, após a constatação de tratar-se de uma verdadeira obra da azulejaria portuguesa, o interesse pela história da peça foi descomedido. No decorrer da pesquisa, não pode passar despercebido o fato que se tratava de algo muito mais importante que um objeto decorativo. O painel trás consigo uma carga muito expressiva de elementos diversos que o torna um bem de valor histórico, artístico, cultural, religioso e social. A narrativa “incrustada” na obra se distingue por uma magnitude de fatos históricos e circunstanciais únicos.
Neste estudo procurou-se apresentar, inicialmente, a origem histórica da fábrica onde se faziam esses azulejos de importância e qualidade única em Portugal. Seguindo uma linha dissertativa, foi
preciso incluir o painel de azulejo, objeto deste estudo, em um em um rol onde se encontra importantes bens do patrimônio histórico do Município. Para o embasamento sólido, estruturado e científico deste estudo, enveredou-se em uma vasta pesquisa bibliográfica, por sites de especializados no assunto e em importantes trocas de correspondências eletrônicas. A linha investigativa acerca da trajetória do painel, no tempo, desde a sua criação em além-mar, até a instalação na parede entrada Lar do Menor Amparado, desencadeou uma série de contatos com vários e afamados especialistas e azulejaria portuguesa como Bruno Vitorino, Historiador do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco; o arquiteto português Nuno Miguel Silva, da cidade do Porto; o italiano Mario Chiapetto; a empresária Celine Gorjard, lafaietense radicada em Paris; com importantes museus em Portugal, a saber, o Museu Nacional do Azulejo; Museu de Santa Maria de Lamas e o Museu de Loures; e com Paulo J. S. Barata, Chefe de Divisão de Informação e Arquivo/Direção de Serviços de Documentação e Arquivo /Secretaria-Geral da Presidência da República de Portugal. É necessário afirmar que este trabalho não se limita ser puramente um Trabalho de Conclusão de Curso, mas para servir de sustentação argumentativa para um reconhecimento do painel enquanto Bem Tombado, dotado de proteção legal para a sua preservação.
A cidade de Conselheiro Lafaiete está inserida em uma das regiões que mais possuem patrimônios históricos protegidos em Minas Gerais. A proposição este trabalho como argumento para Tombamento (instrumento de proteção) do Painel de Azulejo Português do Larmena, além de elevar a peça à condição de Patrimônio Histórico do Município, constrói uma verdadeira ligação temporal e social entre duas nações – Portugal e Brasil. Para facilitar o entendimento deste Trabalho de Conclusão de Curso, optamos sequenciá-lo em quatro capítulos. O primeiro capítulo é dedicado a um breve histórico sobre os painéis de azulejos em Portugal. O segundo continua na linha do primeiro capítulo, onde é abordado a história da (talvez) mais afamada fábrica de azulejos decorativos de Portugal. No terceiro capítulo fez-se toda uma descrição física do Painel de Azulejo Português – objeto deste estudo. Já no último capítulo apresentou-se de forma clara e sucinta as razões pelas quais o painel deve ser reconhecido enquanto Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Religioso de Conselheiro Lafaiete.
CAPÍTULO I – O PAINEL DE AZULEJO PORTUGUÊS
Os painéis e mosaicos de azulejos pintados são uma marca registrada da identidade artística e arquitetônica portuguesa, e consequentemente uma herança para a arquitetura do Brasil Colônia. A origem desta tradição, é de influência da cultura islâmica, adquirida no Século IX durante a ocupação Moura na Península Ibérica, com as Cruzadas. A partir daí, os painéis pintados em azulejos passaram a fazer parte da paisagem das cidades lusitanas, e após o descobrimento do Brasil, também do cenário de muitas cidades de colonização predominantemente portuguesa. Uma das principais características que definem a identidade tão particular dos painéis de azulejos de origem portuguesa, é que são instalados principalmente em locais externos com grande circulação de pessoas, como fachadas de prédios, palácios e igrejas, constituindo verdadeiras obras de arte públicas. Outra característica marcante desta forma de expressão artística é que reproduz seus temas, sejam eles mosaicos abstratos, florais ou de arabescos, paisagens botânicas e urbanas, e até mesmo cenários e personagens históricos, (…). (ADRIMAR, SÃO PAULO, 2018).
Foi depois do terremoto de 1755, que destruiu parte da idade de Lisboa que “proliferaram também nesta época os registros, que consistiam em pequenos painéis de devoção colocados nas fachadas, frisos de portas e janelas, como proteção contra as catástrofes naturais.”(SENABIO – PUC RIO, 2013). De acordo com azulejista brasiliense, João Henrique Cunha Rego, formado em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília, a expressão azulejo denomina uma peça de cerâmica de pouca espessura, comumente quadrada, em que uma das faces é vidrada, resultado da cozedura de um revestimento geralmente denominado como esmalte, que se torna impermeável e brilhante.
O azulejo no Brasil
A retomada do azulejo de fachada coincide com a renovação da arquitetura brasileira, que se inicia nos anos 30, após o declínio do neocolonial e se prolonga até a inauguração de Brasília. O azulejo assume posição de destaque e renovação e de expressão plástica. Na arquitetura contemporânea brasileira redescobriu-se o valor estético das superfícies revestidas com azulejos e suas aplicações tornaram-se frequentes a partir dos painéis criados por Portinari para o Ministério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro e para a igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, projetados por Oscar Niemeyer uma redescoberta
e retorno as suas raízes. É o que afirma a professora Liliane Simi Amaral, Professora do Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo. Segundo ela, “a utilização de azulejo na arquitetura brasileira iniciou-se como revestimento de barras decorativas e posteriormente em fachadas inteiras. Esse processo foi uma herança trazida de Portugal no início da colonização no Brasil.”. Ela ainda afirma que “ retomada do azulejo de fachada coincide com a renovação da arquitetura brasileira, que se inicia nos anos 30, após o declínio do Neocolonial, e se prolonga até a inauguração de Brasília. O azulejo assume posição de destaque e renovação e de expressão plástica.”. Mas é precisamente no Brasil, e ainda no século XVIII, que o azulejo sai dos interiores e vai revestir as fachadas, tornando- se um elemento decorativo. (SIMÕES, 1965).
CAPÍTULO iI – A FÁBRICA DO CARVALHINHO
A Fábrica do Carvalhinho foi fundada em 1840, na Quinta da Fraga e por lá permaneceu até 1923. Desde então se transferiu para Vila Nova de Gaia. A Fábrica foi fundada nas antigas terras dos padres jesuítas. A partir de 1759 deixou de pertencer a eles, que foram expulsos, e se tornaram posse do Governo Português. A primeira fabrica teve como abrigo a antiga Capela do Senhor do Carvalhinho, o que por si, explica o nome Fábrica do Carvalhinho. Além da Capela, algumas outras pequenas construções foram também aproveitadas para a instalação da Fábrica do Carvalhinho.
No ano de 1977, a famosa Fábrica do Carvalhinho encerrou suas atividades, fechando suas portas em definitivo.
CAPÍTULO III – O PAINEL RELIGIOSO DO LARMENA
A Virgem e as Três Crianças da Cova da Iria Os Três Pastorzinhos eram Lúcia dos Santos, de 10 anos; Francisco Marto, de 8 anos e Jacinta Marto, de 7 anos. Naquela primeira aparição de Nossa Senhora, Lúcia lhe perguntou: “De onde é você? ”. A bela Senhora respondeu: “Eu sou do céu”. Lúcia voltou a questionar: “E que quer de mim?”. Com a bondade materna, a Virgem Mãe respondeu: “Venho pedir-vos para virdes aqui seis meses consecutivos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois dir-vos-ei quem sou e o que eu quero. Depois, voltarei aqui novamente pela sétima vez… Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele vos quiser mandar, em reparação pelos pecadores que O ofendem, e de súplica pela conversão dos pecadores?”. As pequenas crianças, responderam: “Sim, queremos”.
Neste painel, percebe-se a descrição de uma cena religiosa e inegavelmente bela, uma releitura da Aparição Nossa Senhora do Rosário, em Fátima – Portugal. Vemos uma Virgem Maria que caminha ladeada por três crianças (Lúcia, Jacinta e Francisco) e parecem segui-la. A Senhora tem à volta da cabeça um halo, que indica a sacralidade ou a santificação e representa a luz; à mão direita trás consigo um Rosário, seu gesto sugere entregá-lo a uma das criança, um menino, que pela posição do corpo volta-se para recebê-lo. O Rosário de Maria une a Terra aos Céus. Esta união se faz quando o menino (terreno) toca o objeto que está na mão da Virgem (celestial), enquanto a Virgem olha-o de forma complacente. A criança do lado oposto, menina e a maior das três, segura pela mão da Senhora. Está em posição de caminhar e segura ao seu lado, outra criança, a menor delas, uma menina. Todos estão descalços.
“Sou a Luz que ilumina os caminhos, sou a Mãe que marca a senda para que seus pés A sigam.”
A cena se passa em uma pequena estrada, onde em uma de suas margens, há um casebre por onde se chega por um pequeno trilho. Também se vê uma árvore frondosa, e não uma simples azinheira (Quercus ilex), onde Virgem do Rosário apareceu em 1917. Nota-se a presença de poucas gramíneas e pequenos arbustos em frente à pequena casa. Não há outros elementos vegetativos nem animais. Na parte superior, dentro da primeira moldura, há duas fitas arqueadas em formas de pergaminhos: a maior trás os dizeres LAR DO MENOR ABANDONADO, na segunda e menor, lê-se FUNDADO POR M. M. FELIPPE IMMESI. (O senhor Felippe Immesi foi Juiz de Direto nesta cidade na época). Ao centro inferior do painel e ainda dentro da primeira moldura uma bela cartela emoldurada por folhas de acanto e alguns arabesco na cor ocre. O fundo é todo branco e escrito, um pequeno texto: “AJUDAI AS CRIANÇAS A SORRIR E DAI- LHES VESTUARIO E DE COMER. QUEM NÃO VIVE P´RA SERVIR JA NÃO SERVE
P´RA VIVER!”. O texto está escrito em português europeu. Na parte inferior, à esquerda de quem olha há uma data: FEITO EM 1971; um monograma (“M”) do autor (sem identificação) da obra e uma abreviatura da Fábrica do Carvalhinho. À direita inferior, a inscrição “ABeato”, possivelmente se referindo à Freguesia de Beato António (Beato é uma freguesia de Lisboa, e onde se situa o Museu Nacional do Azulejo, antigo convento de Madredeus).
“Queridos filhos, fiquem em Minha presença protetora e maternal para que suas vidas encontrem o verdadeiro refúgio do coração: a Paz.”
Toda a cena e cenário são contornados por uma moldura de flores de lírios, enfileirados e ladeados por dois frisos amarelos (ocre) e na sequência por azuis. Esta moldura, na parte inferior, ao centro, tem sobreposta uma peça (possivelmente) em bronze nas cores verde e azul; tem a palavra Portugal e ao centro o Brasão de Armas formado pela esfera armilar e pelo escudo português. A cor verde significa a esperança do povo português e a cor vermelha significa o sangue dos que morreram em batalha. A esfera armilar é uma ferramenta astronômica que consiste em uma representação esférica do universo. O instrumento funciona como uma espécie de bússola que adota o sol e estrelas como ponto de referência, e era muito utilizado em navegações e se tornou um objeto importante no período das Grandes Navegações (século XV ao século XVII) e virou um símbolo dos descobrimentos portugueses da época.
O escudo português, principal símbolo de Portugal, está presente nas bandeiras nacionais desde 1143. Atualmente o símbolo contém sete castelos amarelos e cinco escudos azuis contendo, cada um, cinco besantes (moedas de ouro no Império Bizantino). O significado desses símbolos é controverso. Alguns acreditam que os escudos estão relacionados ao chamado “Milagre de Ourique”, segundo o qual Jesus teria aparecido para o Conde Afonso Henriques e profetizado suas vitórias na Batalha de Ourique sobre cinco reis mouros. Assim, os escudos teriam sido colocados na bandeira em forma de cruz em homenagem a Jesus Cristo. Os sete castelos simbolizam as supostas sete fortalezas conquistadas pelo rei Afonso III na região do Algarve. Uma moldura em madeira arremata toda a obra.
Os pormenores do Painel de Azulejo Português
CAPÍTULO IV – A IMPORTÂNCIA QUE CARREGA O PAINEL E AZULEJO PORTUGUÊS E OS MOTIVOS PARA SUA PRESERVAÇÃO
A história da famosa Fábrica do Carvalhinho e tudo o que ela representa para a azulejaria portuguesa, está registrada nos anais da História e da Cultura Lusitana. Mesmo em Portugal e durante o tempo em que a Fábrica Carvalhinho esteve em funcionamento, as peças fabricas na empresa já eram consideradas de alto valor historio artístico e cultural por aquele povo que sempre soube reconhecer e valorizar suas riquezas. O azulejo português, especificamente o da Fabrica do Carvalhinho, tornou-se objeto de valor sem igual em várias partes do mundo. Quando as portas da Fábrica fecharam as portas nos anos de 1970, alguns já haviam se espelhado por outros países, inclusive para o Brasil. Contudo, deve ser destacado que desta importante fábrica portuguesa, existe (do nosso conhecimento) no Brasil, apenas uma outra peça, um outro painel que pertence ao acervo do anexo Djaci Falcão, dependências do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco. Esse painel de azulejo português, também da Fábrica do Carvalho e que pertence
ao Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco tem a assinatura de “A. Moutinho” e é datado de 1941.
Há em Portugal, pertencente ao acervo do Museu de Santa Maria de Lamas; um outro painel também da Fabrica do Carvalhinho e que possui o mesmo monograma (assinatura) que o painel pertencente ao Lar do Menor Amparado em Conselheiro Lafaiete.
Fonte: Enviada pela administração do Museu de Santa Maria de Lamas, em Lisboa – Portugal.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que o objeto de estudo apresentado neste trabalho, constitui-se na materialização verdadeira, de um elo entre duas nações, dois povos, duas culturas. Os estudos realizados ao longo de dois anos, com base em informações extremamente relevantes, qualifica o Painel de Azulejo Português de propriedade do Larmena, como um grande Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural, Social e Religioso do nosso povo. Ele deve ser reconhecido e resguardado. Não se admite, ainda que por desconhecimento ou por falta de vontade, que ele não seja considerado uma joia da azulejaria portuguesa e que se transformou em um bem considerado Patrimônio Histórico. Segundo João Pedro Monteiro, Técnico Superior do Museu Nacional do Azulejo:
Em relação ao caso concreto do painel oferecido por Horácio Casarões, ele é, antes de mais um testemunho da ligação entre os nossos dois países e uma memória de um português que terá prosperado no Brasil, sendo, como posso deduzir, um elemento muito válido junto da comunidade de acolhimento. O interesse na preservação e classificação do painel deverá assentar, antes de mais, nestes fatores (2023).
Indubitavelmente, esse painel carrega em sua forma, em suas cores e seus motivos, a história que deve ser contada por mais gerações.
Luiz Otávio da Silva
Pesquisador, Pós-graduado em História, Pós-graduando em Arquitetura e Patrimônio e Pós- graduando em Arqueologia e Patrimônio.