Fornos espalhados pelo sertão, até mesmo perto de áreas de preservação, denunciam que o produto está longe de ser sustentado só pela madeira plantada
Bonito de Minas – A implantação da monocultura de eucalipto e a produção de carvão se tornaram grandes responsáveis pela derrubada da vegetação do cerrado do Norte de Minas. No mesmo ritmo, ao longo dos anos as atividades também causaram danos perversos às veredas em uma região historicamente castigada pelas estiagens prolongadas. Na região do Rio Pandeiros, no município de Bonito de Minas, a equipe do Estado de Minas flagrou a triste cena de fornos de carvão de mata nativa perto das nascentes, bem à vista, mas de forma “clandestina”, consumindo madeira das áreas de preservação.
“De fato, nas décadas de 1960, 1970 e 1980 houve intensa remoção da cobertura nativa da região para produção de carvão vegetal, tendo como pano de fundo o plantio de eucalipto e, também, a criação de gado. Algo parecido com o que ocorreu e ocorre na região amazônica, com a retirada de madeira e criação de gado e plantio de soja”, relata o gerente regional do Instituto estadual de Florestas (IEF) em Januária, Mário Lúcio dos Santos.
“Os terrenos da região compostos por solos arenosos, fracos em fertilidade, em áreas de precipitação irregular, tiveram sua vegetação nativa, que evoluiu nessas condições, substituída por espécies de eucalipto ávidas por água e nutrientes. Com o tempo, as condições climáticas foram se degradando, levando ao rebaixamento do lençol freático e, consequente, ao secamento de nascentes e veredas”, descreve o gestor do IEF.
“Esses impactos estão piorando com o avanço das mudanças climáticas, provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa”, afirma Mário Lúcio. Ele salienta que o secamento de veredas e cursos d’água é potencializado pela distribuição irregular de chuvas na região. “Nesse sentido, práticas de conservação do solo e água devem ser incentivadas pelo poder público e pela iniciativa privada, para que haja diminuição e, quem sabe, reversão desse quadro (de degradação)”, avalia.
Destruição com dinheiro público
No passado, entre as décadas de 1960 e 1980, empresas desmataram imensas áreas na região de Januária e Bonito de Minas para fazer carvão e plantar eucalipto com financiamento público, do Fundo de Investimento Setorial (Fiset). Porém, revela um técnico, como as espécies de eucaliptos não se adaptaram ao clima da região ou tiveram ataques de formigas e pragas, grande parte das “reflorestadoras”, mesmo recebendo dinheiro público, produziram carvão com a mata nativa derrubada e deixaram os terrenos desmatados e abandonados, contribuindo para o aumento do processo de assoreamento das áreas baixas e das veredas.
O pequeno produtor “veredeiro” Santino Lopes de Araújo, de 53 anos, do município de Bonito de Minas, acompanhou o processo de desmatamento pelas “reflorestadoras” na região. “As empresas vieram pra cá e usaram o correntão (sistema de desmatamento em que tratores arrastam pesadas correntes), derrubando muitas áreas de cerrado para plantar eucalipto, mas não deu certo”, constata Santino.
Hoje, mesmo com a fiscalização por parte dos órgãos ambientais, ainda persiste a produção de carvão de espécies nativas em fornos, construídos isoladamente, perto das veredas, como flagrou o Estado de Minas. A pesquisadora Maria das Dores Magalhães, da Unimontes, que faz estudos na Área de Proteção Ambiental do Rio Pandeiros, alerta que a atividade ilegal é altamente danosa para as fontes hídricas e para a biodiversidade.
“São vários impactos que a produção de carvão nativo provoca ao meio ambiente. O primeiro deles é o desmatamento das veredas. São cortadas árvores dentro das veredas e queimadas. A retirada da vegetação nativa provoca o assoreamento do sistema”, afirma a pesquisadora.
Ela disse que faz pelo menos uma viagem por mês às áreas protegidas da região do Rio Pandeiros. “Em cada viagem, é raro a gente não encontrar na estrada dois ou três caminhões transportando carvão do cerrado”, declarou.
“O cerrado é soberano”
“As pessoas precisam entender que o cerrado da nossa região não é ideal para a monocultura de eucalipto. O cerrado é soberano e precisa ser mantido de pé. Se você destrói o cerrado, automaticamente, acaba com as nascentes e com a veredas”, observa o veredeiro Santino Lopes de Araújo, de 53 anos, com a propriedade de quem testemunha o processo no município de Bonito de Minas, Norte do estado.
Acompanhe a série
Esta reportagem integra a série “Veredas mortas”, do Estado de Minas, que toma emprestado o título inicialmente pensado por Guimarães Rosa para sua obra-prima, depois batizada “Grande sertão: Veredas”. As reportagens começaram a ser publicadas no domingo (14) e a íntegra dos textos, galerias de fotos e vídeos estão disponíveis em nosso site.
FONTE ESTADO DE MINAS