15 de agosto de 2024 00:24

Igrejas sem santos: falta de segurança deixa altar de capelas históricas vazias

Alvo de roubo, imagens de padroeiras só ‘visitam’ pequenos templos de comunidades da Grande BH durante as festas tradicionais

A falta de sistema de segurança em templos históricos de Minas Gerais impede a presença do santo padroeiro no altar, e permite, só de vez em quando, a “visita” das imagens barrocas aos locais de origem para festas tradicionais. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), o cenário vazio leva tristeza e frustração às comunidades de Fazenda Fidalgo ou Fidalguinho, em Lagoa Santa, onde se encontra a capela de Sant’Ana – dedicada à mãe da Virgem Maria e avó de Jesus, celebrada hoje –, e de Quinta do Sumidouro, em Pedro Leopoldo, cujo bem religioso maior está na Capela de Nossa Senhora do Rosário, também do século 18, uma das primeiras de Minas.

Na tarde de ontem, recebida pelos católicos de Fazenda Fidalgo, a imagem de Sant’Ana chegou à singela capela para os festejos em seu louvor, com destaque para amanhã e domingo (28/7), quando haverá missas, procissão, levantamento de bandeira, leilão e outras atividades religiosas (veja a programação). Flores, aplausos e muita emoção preenchem agora os espaços vazios no altar da capela – a devoção é forte, mas a construção peca pela falta de equipamentos de segurança.

A peça sacra, que fica sob guarda da Arquidiocese de BH, na capital, chegou às mãos do padre Luís Gustavo de Oliveira, titular da Paróquia São Paulo Missionário, à qual as duas capelas são vinculadas. Com 60 centímetros de altura, a escultura em madeira policromada estará em local seguro até o final das comemorações. “Esta capela é um marco em toda a região, e a imagem de Sant’Ana Mestra, que tem Maria nos braços, é referência de fé para as comunidades. Esperamos que um dia ela volte, desde que com todo sistema de segurança e vigilância, o que ainda não temos”, disse o pároco ao lado do casal de festeiros deste ano, Nagib Farid Alcici Júnior e Kelly Aparecida de Souza Alcici, Ana do Carmo Silva Rodrigues e Maria do Carmo da Silva, conhecida por Preta.”

ALEGRIA E SAUDADE OCUPAM O CORAÇÃO DOS DEVOTOS

Na segunda-feira (29), a imagem retornará a BH, já deixando saudoso o coração da voluntária Marta Machado Soares, professora também integrante do Conselho Municipal de Cultura de Lagoa Santa. “Estamos esperando a terceira etapa, que contemplará o restauro dos elementos artísticos, entre eles o altar, o arco-cruzeiro, e a balaustrada”, conta Marta. “Nossa expectativa é grande, ficamos ansiosos com a volta da imagem”, acrescenta.

Em 2023, após quatro anos de ausência, a imagem esteve em Fidalgo, coroando o serviço de restauro realizado em grande parte da capela, com exceção, no entanto, da instalação do sistema de segurança. O trabalho de restauração foi possível graças ao Projeto Igreja Segura, fruto de uma ação do Ministério Público de Minas Gerais com a Mitra Arquidiocesana de Belo Horizonte.

Em nota, a Arquidiocese de BH informa que a Capela de Sant’Ana está em fase de finalização do processo de restauro dos seus elementos artísticos “para receber dignamente e em segurança a imagem de Santana”. A Diretoria de Turismo e Cultura de Prefeitura de Lagoa Santa, por sua vez, esclarece que, “embora seja um bem tombado pelo município, trata-se de uma capela de gestão privada, logo o município não tem gerência sobre ela”. 

TRADIÇÃO VEM DESDE MEADOS DO SÉCULO 18

Erguido em 1745, o singelo templo é um dos bens de grande importância histórica e cultural para a região, merecendo tombamento municipal em 2008 e sempre de laços fortalecidos com a comunidade. “São muitas passagens de nossa história nesta região”, diz Marta Machado Soares, citando alguns fatos da história mineira ocorridos aqui. Entre eles, o assassinato de dom Rodrigo Castelo Branco, então administrador geral das minas, nomeado pelo governo português no final da década de 1670. O assassinato, em 1682, foi atribuído ao bandeirante paulista Manuel de Borba Gato (1649-1718). Ainda conforme pesquisas, a tradicional festa de Santana era realizada no local desde meados do século 18.

A tarde quente de ontem levou uma família ao passeio no entorno da Capela Sant’Ana. “A cidade tem um patrimônio valioso. É muito bonito ver quem é católico devoto”, observou a dona de casa Fabíola Ladeira Caetano Martins, que se declara cristã e estava com os filhos Lívia, de 16, Isaac, de 12, Laís, de 10, e José Miguel, de 8, e o sobrinho Davi, de 7.

MAIS UM ANO LONGE DAS CELEBRAÇÕES

Distante 8 quilômetros de Fazenda Fidalgo, a comunidade de Quinta do Sumidouro, em Pedro Leopoldo, também lamenta a ausência da imagem de Nossa Senhora do Rosário, festejada duplamente: no segundo domingo de setembro e em 8 de outubro. Novamente, a imagem do século 18, sob guarda do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), em BH, não deverá participar das homenagens. Mais um pecado da insegurança. O bem é tombado pelo Iepha desde 1976.

“Há muitos anos, ela não vem aqui. A cada festa, ficamos com a esperança de tê-la de volta. Essa ausência nos causa muita tristeza… ‘não fala, não!”, diz, com o jeito bem mineiro, Zélia Pereira Soares, zeladora da Capela Nossa Senhora do Rosário e integrante do Conselho Pastoral Paroquial.

Na tarde de ontem, Zélia, de 58 anos, mostrou o altar da padroeira, no qual se vê uma imagem de gesso, a exemplo das demais existentes no templo. Em diversas ocasiões, a comunidade demonstrou seu sentimento por não ter Nossa Senhora do Rosário nas procissões e demais celebrações. Em 3 de março de 2014, os católicos saíram em procissão, pelas ruas, carregando o andor que levava apenas a veste azul da santa com laço branco. “É o símbolo de que estamos aguardando a chegada de Nossa Senhora do Rosário. Quando ela retornar ao altar, a festa vai ser muito maior, com banda de música”, disse, ao Estado de Minas, a então coordenadora do Conselho Paroquial Comunitário, Edna Maria da Silva Santos.

LUTA E ESPERANÇA MANTÊM VIVA A FÉ DOS MORADORES

Há 43 anos, com uma longa luta nos tribunais, os moradores de Quinta do Sumidouro aguardam a volta da imagem furtada, em 1º de dezembro de 1981, da Capela do Rosário. Em 2012, a peça sacra foi localizada com um colecionador paulista (já falecido) e apreendida, em São Paulo (SP), pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Dois anos depois, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu por unanimidade que a imagem deveria retornar à capela, confirmando sentença da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de BH. A ação foi movida pelo MPMG, via Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MG), cujo titular era o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda.

Na época, ficou decidido que, para a escultura retornar ao altar, seria preciso que o Iepha-MG, responsável pelo tombamento da capela em 1974 e pela guarda da peça, por ordem judicial, desde 2012, desse o sinal verde sobre a segurança do templo. Segundo moradores, apenas alarmes, câmeras de vídeo e outros aparelhos eletrônicos não bastarão para proteger o bem cultural e espiritual, sendo essencial uma rede de fiscalização integrada pela polícia, vizinhos e poder público.

Em 14 de novembro de 2012, o EM noticiou uma “grande vitória” na luta pelo resgate dos bens desaparecidos de Minas Gerais. Em operação envolvendo o MPMG, a Polícia Civil e o Iepha/MG), foi apreendida, em São Paulo, por determinação judicial, a escultura barroca de madeira, em policromia, com 89 centímetros de altura, pertencente à Capela do Rosário.

A história do furto da imagem e de outras emociona e indigna os moradores de Quinta do Sumidouro. Foi numa noite de chuva que os ladrões arrombaram a janela da Capela do Rosário e carregaram a imagem da padroeira e as de Santo Antônio, São Sebastião, Nossa Senhora das Dores, Santa Efigênia, Anjo Gabriel, que foi arrancado do altar e quebrou a asa, e Madona menor, além de cálices, pratarias e coroas. Por ser muito pesado, o Senhor dos Passos foi deixado no adro, na chuva. Para alívio da comunidade, a Nossa Senhora dos Martírios foi devolvida, em 2004, por uma colecionadora.

Em nota, a Arquidiocese de BH informa que o Memorial Arquidiocesano, responsável pela preservação e salvaguarda dos bens materiais, imateriais e memória da Igreja, se encontra, juntamente com a Prefeitura de Pedro Leopoldo, “providenciando os equipamentos adequados, conforme orientação do Ministério Público, para acolher e abrigar com segurança a imagem de Nossa Senhora do Rosário”. Na capela, há missas nos finais de semana e na primeira sexta-feira de cada mês.

Para a secretária Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Pedro Leopoldo, Patrícia Rafael, o retorno da imagem à capela é uma questão que “deve ser avaliada com cautela”, o que tem sido feito pela Mitra, Iepha prefeitura, Ministério Público e Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). “Relevante frisar que, mesmo sendo um imóvel privado, a prefeitura realiza ações: melhoria da iluminação externa da área, direcionamento de câmeras de monitoramento e instalação de ‘Olho Vivo’ na proximidade”.

Segundo o Iepha, o sistema de alarmes da Capela do Rosário está funcionando perfeitamente, dispondo o templo e de sistema de CFTV (câmeras).

OBRAS SOLICITADAS, E INVASÃO DE ABELHAS

A necessidade de obras é urgente para manter a integridade da Capela do Rosário, joia colonial de Quinta do Sumidouro. Há trincas, estragos na cobertura, paredes desgastadas e danos que levaram à interdição do coro e do altar-mor. Para receber a imagem em definitivo, diz dona Zélia, é preciso resolver essas questões.

Mas outro problema preocupa a comunidade. Nos últimos meses, as abelhas tomaram conta e uma colmeia se formou perto do arco-cruzeiro. “Precisamos que seja retirada logo”, afirma dona Zélia. Segundo informações da Prefeitura de Pedro Leopoldo, o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil serão acionados para retirada da colmeia. 

PROGRAMAÇÃO

Festa de Sant’Ana, na Fazenda Fidalgo, em Lagoa Santa, na Grande BH

Hoje, dia 26
19h – Oração do terço, seguida de missa

Amanhã, dia 27
19h – Oração do terço, seguida de missa e levantamento das bandeiras, com a Guarda do Congo de Nossa Senhora do Rosário da Lapinha

Domingo, dia 28

10h – Procissão saindo do Sítio Bela Vista, acompanhada pela Corporação Lira Lagoa Santa
11h – Missa em honra a Sant’ana e São Joaquim
14h – Leilão de gado e show

FONTE ESTADO DE MINAS

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