No início dos anos 1990 a General Motors lançou o Chevrolet Chevette Junior para se beneficiar dos incentivos do carro popular
Os primeiros anos da década de 1990 foram parte de uma fase de transição, de mudanças radicais, nos veículos vendidos no mercado brasileiro. Estávamos lidando com a liberação da importação de carros para o país, e, surpreendentemente, a lei que ditava a forma de taxar os automóveis foi alterada. Na realidade, fez-se correção a um erro que se arrastava por décadas: maior cobrança para carros de menor cilindrada (menos de 1.000 cm³), enquanto os modelos até 1.600 cm³ pagavam menos tributos.
Ou seja, motores pequenos, mais econômicos e ecológicos pagavam mais imposto que os grandes, beberrões e poluidores. Uma distorção da lei que vinha lá dos anos 1950 e início dos anos 1960, e que só foi corrigida em 1990. Criou-se aí uma tributação correta, digamos assim: motores pequenos pagavam menos impostos, permitindo seu uso nos chamados “carros populares”. Lei aprovada, logo depois surgiu o primeiro hatch popular da época, de uma marca italiana. Seu nome era uma clara referência a capacidade cúbica do seu motor. Para bom entendedor, meia palavra basta.
Como a tal marca italiana desenvolveu seu 1.0 em tempo recorde, praticamente impensável em ocasiões normais, todas as demais fabricantes passaram a correr contra o tempo para criarem seus modelos populares com motor de até 1.000 cm³. E, enquanto isso, cada vez mais veículos importados desembarcavam em solo nacional. De fato, uma época de revoluções automotivas no país.
O segundo representante desse time de populares 1.0 só foi surgir no começo de 1992, e era um sedã de uma marca de origem norte-americana. Fruto de um projeto que já nasceu obsoleto no início dos anos 70, com construção pra lá de antiquada: era pequeno, mas com motor longitudinal, câmbio, eixo cardã e tração traseira. Se com motor 1.4 e 1.6, originais, ele já não brilhava em desempenho e eficiência energética, imaginem quando veio o 1.0?
Um dos piores carros de todos os tempos
O carro sofria muito por ser mais pesado, e por ter uma grande inércia no seu conjunto (motor, transmissão, eixo cardã e diferencial traseiro), que, aliás, era bastante similar ao do sedã grande da marca. Na configuração popular de 1992, de cilindrada reduzida para 998 cm³, seu motor, ainda grande e pesado, produzia um torque pífio: 7,2 kgfm, isso em um regime de rotações ao redor dos 3.500 rpm. Era preciso acelerar, muito, até mesmo para sair da inércia. Com ele carregado, queimar embreagem nas largadas era garantido.
Somava-se a isso a grande inércia do câmbio, também grande e robusto, e compartilhado com o sedanzão de luxo da marca. Ou seja, assim como no Gurgel BR-800, “sobrava” muito câmbio e faltava torque, o que é um desperdício tremendo de energia. Sem contar que deixa toda a parafernália mais pesada, com maiores níveis de atrito e uma inércia das maiores, apesar da robustez.
Para completar a série de tristezas deste projeto antigo e com motor 1.0, ele ainda tinha um eixo cardã, que precisava ser movido também pelos meros 50 cavalinhos de potência. Por final, esse cardã era ligado num diferencial traseiro, também massudo, que distribuía a força para as rodas de trás. Sofrido!
Isso tudo se refletia numa performance…digamos…digna de fazer o motorista sentar-se e chorar. O carro fazia de 0 a 100 km/h em mais de 22 segundos e mal passava dos 130 km/h, resultado dos 30 cv líquidos que chegavam de verdade nas rodas. Os outros 20 morriam no caminho, no movimento de periféricos do motor, câmbio, cardã, diferencial e por aí vai.
Chevette Junior e a gambiarra popular
No lançamento desse carro, em 1992, cheguei a entrevistar um dos engenheiros da área de motores, responsável pelo desenvolvimento deste 1.0 a partir do 1.4 original. Como repórter, estava muito curioso para saber como é que os técnicos haviam chegado à relação curso X diâmetro para os mágicos 998 cm³.
Pensei em cálculos, ideias, projeções e meses de trabalho duro da engenharia, mas a realidade era outra: o engenheiro literalmente me respondeu que “foi fácil, já que o diâmetro do cilindro foi exatamente aquele pelo qual o pé da biela passou, facilitando a linha de montagem. Para o curso dos pistões, foi só fazer os cálculos prevendo a cilindrada abaixo de 1 litro”.
Ali eu entendi o motivo de aquele motor ser tão frouxo. Ele foi feito simplesmente para atender à lei, sem técnica ou segredos de desenvolvimento. Mas o torque deste 1.0 era tão pequeno que o veículo não se movia com o mínimo de segurança, então, para amenizar a situação, trataram de encurtar as três primeiras marchas do câmbio, que podia ter a quinta marcha opcional.
As últimas velocidades permaneciam iguais às das versões 1.6, tentando manter uma rotação aceitável para que o carro trafegasse em velocidades médias e, talvez, altas sem muito escândalo do motor. Ainda assim não era suficiente, e aí acabaram por encurtar também a relação final do diferencial em 25%.
Só para que se tenha uma ideia de como ficou esse “monstrengo”, quando comparado ao seu concorrente hatch italiano, ele gastava 9% a mais no uso rodoviário, 16% a mais no consumo urbano, e era ainda quase 50 kg mais pesado na balança. Um típico carro antigo e adaptado, fruto de uma vantagem legal, e que deixou muito de lado a técnica e a engenharia.
Seu concorrente italiano andava mais, gastava menos e tinha um motor com 3 cv a menos na ficha técnica. O torque de ambos era equivalente. Claro, esse hatch europeu vinha de um projeto 10 anos mais moderno, com motor e câmbio transversais, além da tração dianteira. O resultado prático no mercado?
Mesmo barato para a época, o tal sedan 1.0 popular com tração traseira durou menos de 1 ano completo, um fracasso de vendas. Seu principal rival, hatch italiano, ficou em produção por 23 anos consecutivos na configuração 1.0. Ou seja, não era questão da proposta, segmento ou preços, mas sim da falta de qualidades do tal sedan 1.0 da marca norte-americana.
Muitos desses fracassados sedãs 1.0 acabaram ganhando motor 1.6 logo depois de saírem das concessionárias: os proprietários não suportavam um carro que mal saía do lugar quando tinha mais ocupantes a bordo. Por isso, ele entra, com méritos, na lista dos piores carros já produzidos no mercado automotivo brasileiro. Era, de fato, tenebroso.
Mas a tal marca norte-americana se redimiu logo em seguida, quando lançou um hatch, também de projeto europeu, aí sim com motor 1.0 moderno, linhas atraentes, boa dirigibilidade, economia, conforto e desempenho aceitável. Esse fez devido sucesso, e jogou uma pá de cal no seu terrível e fracassado antecessor. Sedã 1.0 popular com tração traseira? Esquece…
FONTE: AUTO PAPO