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Cidade com dívida milionária instalará hidrômetros para conter descontrole; consumidores terão água cortada e protesto em caso de inadimplência

Os serviços básicos de saneamento se transformaram em um enorme imbróglio para a Prefeitura de São João del-Rei, na Região Central de Minas Gerais. O Departamento Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Damae) do município tem uma dívida de aproximadamente R$ 104 milhões com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que já começa a cobrar os precatórios.

Esse rombo é fruto, em grande parte, da inadimplência dos moradores: a estimativa da prefeitura é que mais de 40% da população tem contas de água em atraso. Só agora, depois de anos de acúmulos de débitos, os administradores começam a se organizar para tomar medidas como corte de fornecimento e protesto dos devedores em cartórios.

“O Damae sempre foi usado como uma moeda de troca nas eleições”, sintetiza Antônio Pedro da Silva Melo, promotor da 1ª Promotoria de São João del-Rei, que trabalha no caso. O jurista conta que os problemas vêm de longa data: em 2010, a prefeitura já havia firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para arcar com a dívida, mas os gestores municipais recorreram até a última instância.

A Prefeitura de São João del-Rei nunca cobrou pela água com base na hidrometração: o sistema tem como base taxas fixas que atualmente, de acordo com o Damae, chegam, no máximo, a R$ 90. Porém, houve períodos em que não ocorreu qualquer tipo de cobrança: uma das antigas administrações do município chegou a isentar moradores com consumo de eletricidade menor a 100 kW/h de pagar pela água, critério que beneficiou a maior parte dos moradores da cidade.

Isso resultou na multiplicação da dívida com a Cemig e em uma condenação judicial por renúncia de receita. “Foi uma medida eleitoreira, populista”, opina o promotor.

Agora, por força judicial, o poder público de São João del-Rei não tem outra alternativa a não ser adotar a hidrometração. O problema é que, com tantas dívidas, o Damae simplesmente não tem dinheiro para instalar os equipamentos. E, para piorar, a rede de distribuição do município está sucateada e também precisa de investimentos.

A atual gestão de São João del-Rei, encabeçada pelo prefeito recém-eleito Aurelio Suenes (PL), propõe a obtenção de um empréstimo e também um prazo para começar a quitar os débitos, melhorar a infraestrutura e implantar os hidrômetros. O plano inclui ainda uma renegociação da dívida com a Cemig, que, sem os juros, pode cair para cerca de R$ 40 milhões.

Melo considera essas saídas viáveis, mas ressalta que não há mais tempo a perder. Ele estima que, inicialmente, sejam instalados de 30 mil a 40 mil hidrômetros na cidade, que, em 2022, tinha uma população de 90.225 pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas as exigências da Justiça não param por aí. O Damae terá que começar a cortar o fornecimento de água para os inadimplentes e protestar as dívidas em cartório. Além disso, o órgão terá que fazer um concurso público para contratar servidores, já que, nas últimas décadas, muitos dos trabalhadores ocupavam cargos comissionados.

“Não quero colocar a corda no pescoço de ninguém, mas o município vai ter que entrar na linha”, pontua Melo. Ele enumera algumas irregularidades já protagonizadas pelo órgão, como o descumprimento de ações transitadas em julgado e até o desaparecimento de registros. “Na transição (da gestão municipal), apagaram toda a memória dos computadores”, afirma o promotor. 

Desafios

O atual diretor-geral do Damae de São João del-Rei, Rômulo Viegas, confirma que o órgão enfrenta muitos problemas. Porém, pondera que houve pouco tempo, desde a posse da atual gestão, para tomar medidas. “A transição foi confusa, com poucas informações”, diz. De acordo com ele, já foi enviado um Projeto de Lei à Câmara Municipal para conceder descontos, de até 60%, dependendo do número de parcelas, para que moradores com débitos relativos ao fornecimento de água possam quitá-los com rapidez. 

Além disso, ele assegura que a prefeitura tem feito uma campanha, com carro de som, para incentivar os devedores a regularizar a própria situação. O dirigente declara ainda que um plano de trabalho para atender às exigências judiciais já foi elaborado. 

O diretor salienta que o funcionamento do Damae depende da energia fornecida pela Cemig: de acordo com ele, quase 90% da água distribuída pelo órgão precisa de bombeamento. Porém, admite que os problemas não se resumem à regularização dessa situação. Viegas enumera problemas estruturais, como ligações clandestinas, falta de manutenção e sucateamento. A rede da cidade é tão antiga que, na Região Central da cidade, algumas das manilhas subterrâneas ainda são de barro.

Por outro lado, alguns locais do município sequer contam com serviços de saneamento. No Bairro Colônia do Marçal, excepcionalmente, a distribuição de água é feita pela Copasa, e não pelo Damae. Antes disso, os moradores locais precisavam recorrer a poços artesianos e fossas. Outro problema, esse diretamente relacionado à inadimplência, é o desperdício do recurso natural.   

Apesar dos desafios, Viegas se diz confiante na cooperação da maioria dos habitantes de São João del-Rei com a implementação da hidrometração nos domicílios e de medidas de controle da inadimplência, para que a prefeitura mantenha a autonomia sobre os serviços de saneamento. “A população não queria fechar um contrato com a Copasa, e assumimos esse compromisso com ela em cartório”, relembra. “Com a gente cuidando da água, o município é que estabelece as tarifas”, conclui.

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