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Sem legislação ou transparência, MG tem 732 ‘novas barragens’ de mineração

Com regras mais brandas do que as barragens, as “montanhas” de rejeito se espalharam pelo Estado nos últimos 6 anos e, agora, ameaçam a população

Desde que, em 2019, foi proibida a utilização de barragens a montante, apontadas como as principais “culpadas” pelos rompimentos ocorridos em Mariana e Brumadinho, uma nova estrutura de contenção passou a dominar entre as mineradoras: as pilhas de rejeitos e estéreis. Segundo informações da Agência Nacional de Mineração (ANM), obtidas por O TEMPO via Lei de Acesso à Informação (LAI), Minas Gerais abriga 732 destas estruturas que, sem uma legislação específica, com licenciamentos simplificados e nenhuma transparência dos riscos existentes, já fizeram vítimas no Estado e espalham temor entre as comunidades que vivem abaixo destas verdadeiras “montanhas” de restos da mineração. Para efeito de comparação, ainda existem no Estado 334 barragens (menos da metade das pilhas), sendo que 46 delas estão sob algum nível de emergência. Por outro lado, não se sabe o número de pilhas sob risco, uma vez que não existe hoje a exigência das empresas declararem a estabilidade das mesmas.

No último dia 7 de dezembro de 2024, uma destas pilhas, construída pela mineradora de ouro Jaguar Mining, deslizou e atingiu casas, retirando 288 pessoas de suas casas na cidade de Conceição do Pará, na região Centro-Oeste de Minas Gerais. O acidente ligou o alerta para a falta de regras sobre o seu uso pelas empresas, inclusive levando deputadas a apresentarem projetos para regulamentar o seu uso pelas grandes corporações. Foi justamente a dificuldade encontrada para obter informações, acerca das dimensões da pilha e da área que ainda poderia ser atingida na cidade mineira, que levou a reportagem a acionar a ANM, que, então, sugeriu que os pedidos fossem feitos via LAI devido ao “quadro de servidores reduzido” da agência e consequente “sobrecarga” dos seus trabalhadores. 

Indagada por meio da ferramenta de transparência, a agência federal, que é uma das responsáveis por fiscalizar as mineradoras, explicou que, para implantar as pilhas, as empresas precisam apresentar um Plano de Aproveitamento Econômico (PAE), exigido para a operação do empreendimento. Além disso, conforme o órgão, as pilhas são regidas por uma norma reguladora que prevê que as empresas avaliem “os impactos ambientais e medidas mitigadoras” e determinem um “perímetro de segurança” – que deve ser delimitado pelo projetista da pilha -, além da previsão de que as empresas devem evitar o carreamento dos rejeitos para cursos d’água. 

“A legislação atual não preconiza a obrigatoriedade da divulgação dos dados das pilhas, hoje declaradas pelo empreendedor por meio dos Relatórios Anuais de Lavra que é um documento sigiloso (…) não existe até o momento um cadastro de pilhas com obrigatoriedade de atualizações detalhadas com declaração de estabilidade, e problemas de estabilidade que não tenham gerado acidentes”, completou a ANM na resposta à demanda de O TEMPO. Ainda conforme a agência, os dois únicos incidentes com pilhas de estéril/rejeito registrados no “período recente” aconteceram em Minas Gerais. 

Foi com base no sigilo dos documentos apresentados pelas mineradoras que a agência reguladora negou o pedido da reportagem acerca das dimensões da pilha de Fraile, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Congonhas, na região Central de Minas Gerais. A ANM confirmou apenas que já está em atividade a estrutura da mineradora, que terá mais de 200 metros de altura e ficará próxima da barragem da Casa de Pedra, que é uma das maiores barragens de mineração do mundo em área urbana. Morador do município e membro do Fórum Permanente São Francisco, Sandoval de Souza Pinto Filho reforça o medo dos moradores com a construção da pilha. 

“Essa pilha que se rompeu, em Conceição do Pará, é muito pequena em relação a essa de minério de ferro aqui em Congonhas. A pilha é uma estrutura geotécnica que não é infalível, ela pode ter problemas também. Elas são tidas como mais seguras do que as barragens, mas são uma novidade, ainda mais uma pilha deste tamanho como é a Fraile. Com o aumento das chuvas, a emergência climática, a gente fica preocupado. Não queremos assustar ninguém, mas precisamos de cuidados robustos para que a história não se repita”, completou o morador da cidade mineira de 55 mil habitantes, se referindo às tragédias ocorridas em Mariana e Brumadinho. 

Procurada, a CSN Mineração informou, por nota, que foi pioneira no processo de empilhamento a seco e que não tem histórico de quaisquer eventos em suas pilhas. “Ao contrário, nosso histórico e nossas práticas no empilhamento de rejeitos têm sido utilizados como referência para a construção da legislação que está sendo elaborada, estabelecendo diretrizes para os demais projetos do setor. A Companhia acredita que a agência reguladora (ANM) elaborará a regulamentação pautada em critérios técnicos com base nas melhores práticas mundiais, visando sempre a segurança das comunidades e do meio ambiente”, completou a empresa. 

Por fim, a mineradora informou que a pilha está com 40 metros de altura atualmente e que uma empresa independente realizou um estudo de impactos hipotéticos em caso de deslizamento. “A conclusão foi que não há riscos de impacto às comunidades, visto que toda a estrutura está localizada dentro da área da Companhia, que conta, inclusive, com uma zona de amortecimento planejada para prevenir eventuais impactos”, finalizou. 

Cidades – Especial – Trabalhadores e moradores do povoado de Casquilho de Cima em Conceição do Pará MG, foram evacuados após deslizamento em uma pilha de rejeitos da Mina Turmalina. Foto: Alex de Jesus/O Tempo 10/02/2025

Falta de manutenção preocupa

Mesmo sendo propagandeada pelas mineradoras como uma opção mais segura às barragens, segundo o biólogo Guilherme de Souza Camponês, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a experiência recente mostra que as pilhas de rejeitos e estéreis passam pelo mesmo problema ocorrido com as barragens, que é a falta de manutenção pelas empresas. 

“O que a gente percebe é que essas pilhas, essa tecnologia, exige manutenção como todas as outras estruturas de mineração. E a prática das mineradoras é de negligenciar a manutenção, pois ela representa um gasto. Como as empresas operam na lógica do máximo lucro, elas vão precarizar o trabalho nesses setores, que foi exatamente o que levou aos rompimentos de Mariana e Brumadinho”, pondera o ativista. 

Procurada, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) informaram que fiscalizam as empresas de mineração nas quais estão localizadas as pilhas de estéril ou de rejeitos, seja em ações de rotina ou por demanda. 

“Somente em 2024, foram realizadas mais de 3 mil fiscalizações em empreendimentos de atividades minerárias. Nessas fiscalizações, caso constatada alguma inadequação ambiental, são tomadas as medidas administrativas cabíveis como autuações, correção de eventuais danos e/ou suspensão de atividades”, concluem. Destas ações, foram constatadas  515 infrações, sendo as irregularidades mais constatadas: descumprir ou cumprir fora do prazo condicionante de licença ambiental; operar atividade sem licença; e causar poluição ambiental.

No caso da pilha que deslizou em Conceição do Pará no dia 3 de janeiro deste ano, a Semad anunciou que aplicou uma multa de quase R$ 320 milhões à Jaguar Mining após vistorias constatarem que pelo menos 1 hectare de vegetação mista de Mata Atlântica e Cerrado foi destruído durante o incidente. A extensão dos danos causados ainda estão sendo calculados pelo Núcleo de Emergência Ambiental (NEA) da Semad.

FONTE: O TEMPO

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