Restaurados, os cinco Passos da Paixão de Cristo, em Bonfim, na Região Central de Minas, estarão de portas abertas para receber os fiéis nas paradas de imagens
Pela primeira em sua história, Bonfim, na Região Central de Minas, tem restaurados os cinco Passos da Paixão de Cristo, localizados ao longo das principais vias da cidade – do Santuário Arquidiocesano Senhor Bom Jesus do Bonfim à Capela dos Passos. Em 2024, durante as procissões, não houve as tradicionais paradas de imagens no andor diante das capelinhas, como são chamadas as singelas construções, “mas, desta vez, todas estarão abertas”, informa, com satisfação, o pároco e reitor do santuário, padre Sérgio Francisco Alves Filho.
Na terceira matéria da série “Paixão e fé – Espaços sagrados”, a equipe do Estado de Minas visita a cidade distante 82 quilômetros da capital mineira e mostra o patrimônio edificado a partir do final do século 18, um dos poucos conjuntos originais desse tipo preservados no estado. Apenas o segundo Passo, na Rua Benedito Valadares, foi reconstituído no início do século 20.
Conforme padre Sérgio, trata-se da única obra de restauração, que se tem registro, das capelinhas. “Estavam necessitadas de uma grande intervenção”, ressalta o reitor há pouco mais de um ano à frente do santuário e Paróquia Senhor do Bonfim vinculados à Arquidiocese de Belo Horizonte. Na mão dele, chama a atenção um molho de chaves, e se nota a curiosa diferença entre os cinco Passos tombados pelo município em 1999. Enquanto quatro têm fechaduras antigas, portanto com chaves de ferro, o que foi reconstituído ganhou chave atual. Os serviços executados pelo Grupo Oficina de Restauro, de BH, com recursos do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio de medida compensatória, e da Prefeitura de Bonfim contemplaram toda a estrutura, do alicerce ao telhado, pintura, recuperação de elementos artísticos e adequação de novos objetos como castiçais.
Nessa história, o padre destaca o cuidado das famílias, em sucessivas gerações, na conservação do bem cultural e religioso de Bonfim, município com 8,3 mil habitantes. “Homens e mulheres varrem, limpam, tiram a poeira, enfim, se preocupam durante todo o ano, abrindo sempre as portas para circulação do ar. Sem eles, seria impossível manter em bom estado.”
Zelo e preservação
Professora aposentada e voluntária na paróquia, Maria Lúcia da Silva Abdon, de 79 anos, está satisfeita em colaborar. Na primeira capelinha, na Rua Benedito Valadares, Maria Lúcia e Irani Gonzaga de Moura, de 92, vizinha mais próxima, se esmeram no cuidado, inclusive enfeitando o Passo – pintado, a exemplo dos demais, nos tons vermelho e amarelo originais –, para a procissão.
“Ficamos satisfeitas com a obra, pois não poderiam ficar fechados”, observa Maria Lúcia, que aprendeu a cuidar do espaço com a mãe, numa “herança” vinda da bisavó e da avó. Dizendo-se apenas uma ajudante, dona Irani prefere folhagens para adornar a primeira parada da imagem de Nosso Senhor dos Passos.
Mais adiante, ainda na Rua Benedito Valadares, fica o Passo com mais intervenções, o único com laje de concreto na cobertura. O comerciante Marco Aurélio Antônio de Souza, também ator do grupo de teatro responsável pela encenação da Paixão de Cristo, é um “faz tudo”: passa pano no chão, encera e ornamenta. Na frente, ocorre a Procissão do Encontro de Nossa Senhora das Dores e Jesus, na quarta-feira da Semana Santa. “Sou o mais jovem a cuidar de uma capelinha, aqui na cidade. Faço com gosto há 30 anos”, orgulha-se Marco Aurélio, de 49.
Ao lado, o diretor Municipal de Patrimônio Histórico, Robson Augusto Silva Moura, conta que a obra de restauro dos Passos demandou cerca de nove meses (de outubro de 2023 a junho de 2024). E afirma que essa capela foi a mais alterada no seu estilo, saindo do colonial para o art déco (décadas de 1920 e 1930), muito presente no Centro Histórico da cidade.

Pau a pique original
No seu longo tempo de existência, os Passos sofreram interferências, algumas consideradas irreversíveis. Relatório apresentado pelos restauradores à prefeitura local mostrou que quatro tiveram tijolos substituindo o pau a pique original, sistema construtivo encontrado somente na parede da fachada da primeira capela, na Rua Benedito Valadares. Nessa e na última capela, na Avenida Santos Dumont, mais conhecida pelo antigo nome (Rua Nova), foram mantidos os esteios e marcos originais.
Das cinco capelas, apenas as três primeiras têm altar, os quais se encontravam “em estado de urgência de intervenções de restauro”, devido à infestação de cupins, infiltração de água pluvial e outros fatores de risco para construções centenárias, como falta de drenagem no entorno e tráfego intenso causador de trincas, fissuras e descolamento parcial do reboco, além de deslizamento de telhas.
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PROGRAMAÇÃO
Semana das Dores
Até 12 de abril, às 19h, no Santuário Arquidiocesano Senhor Bom Jesus do Bonfim
Semana Santa
De 13 a 20 de abril, com missas solenes, procissões e cerimônias. Destaque para a sexta-feira (18), às 19h, com a encenação da Paixão de Cristo e o sermão do descendimento da cruz, no Santuário Arquidiocesano Senhor Bom Jesus do Bonfim. Em seguida, haverá a procissão do Senhor Morto.
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As intervenções criaram, conforme o relatório, “um conjunto mais harmonioso, que dá maior dignidade às celebrações realizadas”. Entre as novidades, foram colocadas novas mesas na terceira (na Rua Padre Trigueiro), na quarta e na quinta capelas (Rua Nova), fechaduras e substituição (no primeiro Passo) da energia elétrica por castiçais.
Doações e reconhecimento
Em Bonfim, cuja história remonta aos tempos coloniais, os cinco Passos unem o Santuário Arquidiocesano Senhor Bom Jesus do Bonfim à Capela dos Passos. Segundo o dossiê de tombamento de 1999, as capelinhas foram construídas “com a finalidade de culto religioso, de cunho popular, relacionado às cerimônias e procissões da Semana Santa, tradicional rito católico”.
O dossiê informa ainda que os passos são construídos, geralmente, “como doações às irmandades ou paróquias constituídas, ficando próximos das residências daqueles que contribuíram para sua construção”. Assim, a parada da procissão é também uma forma de reconhecimento de importância social para alguns moradores. “Em Bonfim, o rito católico das procissões da Semana Santa tem um percurso bem definido, de caráter cenográfico, barroco, cujo significado simbólico é sobreposto ao trajeto das ruas enquanto entidades físicas. O caminhar simbólico reaviva e representa o percurso da via-crúcis. Esse caminhar é também uma peça retórica, barroca, no qual são figuradas as formas de organização e hierarquização da sociedade. No caminho, cinco paradas relembram o trajeto percorrido por Jesus.”
Marcas do calvário
Os Passos da Paixão se referem às cinco chagas de Jesus pregado na cruz. “Nas mãos, nos pés e na costela, ferimento causado pela lança do soldado”, explica o vigário episcopal para Ação Pastoral da Arquidiocese de BH, padre Filipe Silva Pereira Gouvêa, lembrando que o Senhor dos Passos é Jesus a caminho do calvário.
PASSO A PASSO DA DEVOÇÃO
1) O primeiro Passo da Paixão fica na Rua Benedito Valadares. Tem parede da fachada em pau a pique, do sistema construtivo original do final do século 18. Piso de lajota (cerâmica de barro)
2) Na Benedito Valadares, o segundo Passo é o único reconstituído (início do século 20). Tem laje na cobertura e fechadura de porcelana característica do estilo art déco. Piso de ladrilho hidráulico
3) O terceiro fica na Rua Padre Trigueiro, com características do século 19. Apresenta a tela “Jesus ajudado por Cirineu”. Piso de lajota (cerâmica de barro)
4) O quarto, na Avenida Santos Dumont, conhecida por Rua Nova, tem na parede a tela “Quando Jesus cai”. Piso de lajota (cerâmica de barro)
5) Também na Rua Nova, o quinto Passo da Paixão tem esteios e marcos originais do século 19. Piso de lajota (cerâmica de barro)
FONTE: ESTADO DE MINAS