A história da gigante capixaba fundada por imigrante alemão Henrique Meyerfreund, marcada por disputas familiares e uma venda polêmica à Nestlé após longa disputa no CADE.
Quem diria que balas vendidas por garotos se tornariam uma das maiores fábricas de chocolate do mundo? Essa é a história da Garoto. A empresa sobreviveu a crises familiares e à Segunda Guerra Mundial. A guerra levou seu fundador, Henrique Meyerfreund, à prisão.
Marcas como Batom e Serenata de Amor conquistaram o Brasil. Mas rivalidades internas levaram a um golpe empresarial. A família perdeu o controle para a Nestlé, após polêmica decisão do CADE.
A jornada de Henrique Meyerfreund da Alemanha ao Brasil
O fundador da Garoto foi Henrique Meyerfreund. Ele era um imigrante alemão. Chegou ao Brasil em 1921, fugindo das dificuldades da Alemanha pós-Primeira Guerra. Seu destino inicial seria os EUA, mas não foi possível. No navio, conheceu um francês que vinha para o Espírito Santo.
Aceitou o convite e veio junto trabalhar como auxiliar de topógrafo. Aprendeu português rapidamente. Após um ano, contraiu malária. Foi ajudado por um compatriota, Wilhelm Meyer. Recuperado, trabalhou na torrefação de café de Meyer.
Nasce a Garoto: das balas dos meninos à fábrica de chocolates

Trabalhando na torrefação, Henrique Meyerfreund vislumbrou um negócio próprio: balas. Havia pouca concorrência e a demanda era alta. Em 1926, Meyer cedeu uma máquina para ele começar. Henrique voltou à Alemanha para aprender mais, mas a primeira tentativa fracassou. Retornou à Alemanha para mais um ano de estágios em fábricas de balas e chocolates.
De volta ao Brasil, em 1928, registrou a empresa H. Meyerfreund & Cia. As primeiras balas chegaram ao mercado em agosto de 1929. Elas eram vendidas por meninos (garotos) em pontos de bonde. O nome “Balas Garoto” pegou e deu origem à marca. Mesmo com a crise de 1929, as vendas seguiram bem. As balas eram baratas e saborosas.
Expansão, inovação e os anos sombrios da guerra
Na década de 30, o negócio cresceu no Espírito Santo. Henrique Meyerfreund casou-se com Jeanette, filha de Wilhelm Meyer. Tiveram o filho Ferdinand. Em 1934, com uma herança, Henrique comprou máquinas de chocolate da Alemanha. Sua irmã Helena e o cunhado Carl entraram como sócios. A produção de chocolates começou em 1936, após atrasos na liberação das máquinas. A fábrica ficava perto de produtores de cacau. Lançou a pastilha de hortelã Extra Forte, um sucesso. A fábrica expandiu.
Em 1938, Günter Zernig entrou na sociedade, aportando capital e ajudando na modernização. Mas a Segunda Guerra Mundial trouxe dificuldades. Por ser alemão, Henrique Meyerfreund foi preso por seis meses em Maruípe. A fábrica sofreu intervenção federal. Henrique enviava instruções da prisão. A empresa sobreviveu graças à solidariedade de empresários brasileiros.
Sucessão de Henrique Meyerfreund, conflitos e a conquista da liderança nacional
Após a guerra, a Garoto retomou o crescimento. Adotou política de reinvestimento de lucros. Lançou a primeira barra recheada. Depois vieram o Batom (antes Leite Mel) e o Serenata de Amor. Em 1954, foi pioneira nos ovos de Páscoa no Brasil. Henrique Meyerfreund precisou tratar uma doença na Europa. Günter Zernig tocou os negócios, modernizando a marca e a logística. Na volta, Henrique nomeou Zernig diretor comercial.
No fim dos anos 50, lançou a caixa amarela de bombons. Em 1962, Günter Zernig morreu em acidente aéreo. Antes, idealizou a mudança para sociedade anônima (S.A.). Henrique, com saúde frágil, deu espaço aos filhos Ferdinand e Helmut. Em 1971, Helmut destituiu Ferdinand com apoio familiar. O contato entre os irmãos ficou limitado. Henrique Meyerfreund faleceu em 1973. Helmut assumiu formalmente a presidência. A empresa cresceu muito, verticalizou a produção e começou a exportar. Durante o “milagre econômico”, a produção saltou. Nos anos 80, mesmo com crise, investiu em tecnologia. Em 1987, a Garoto atingiu a liderança nacional em chocolates.
A disputa pelo controle da Garoto
A terceira geração das famílias chegou à empresa. Klaus e Mônica (filhos de Zernig), Victor (filho de Helmut) e Paulo (filho de Ferdinand). Os desentendimentos internos eram constantes. No final dos anos 90, Helmut Meyerfreund foi destituído da presidência. A reunião foi tensa. Uma procuração deu poder a outros acionistas. Klaus Zernig e Paulo Meyerfreund lideraram a troca.
Alegaram queda nas vendas e perda de mercado. Criticaram o foco excessivo de Helmut em maquinário. A intenção de Helmut de preparar seu filho Victor para a sucessão também gerou atrito. Helmut perdeu o apoio da família, mesmo tendo 40,2% das ações. O caso foi parar na justiça.
A venda para a Nestlé e a longa batalha com o CADE

Após o golpe e as disputas, a família decidiu vender a Garoto em 2001. O banco Merryl Lynch coordenou o processo. Em 2002, a Nestlé comprou a empresa por cerca de R$ 660 milhões. A união criaria uma gigante com mais de 58% do mercado. Por isso, em 2004, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) bloqueou a operação.
Exigiu que a Nestlé vendesse a Garoto. Foi uma decisão inédita. A Nestlé recorreu à justiça. Foram 21 anos de batalha legal. Durante esse tempo, a Nestlé investiu na Garoto, mas não pôde integrar totalmente as operações. O mercado mudou, com crescimento de concorrentes. Finalmente, em 2023, o CADE aprovou a aquisição, impondo restrições à Nestlé.
Garoto hoje: sob o comando da Nestlé
Sob gestão da Nestlé, a Garoto se beneficiou da infraestrutura e expertise global. Inovou com base em seus clássicos. Lançou sorvetes e biscoitos. Atualmente, a gestão é de Liberato Milo, executivo da Nestlé. A fábrica em Vila Velha (ES) é uma das maiores da Nestlé no mundo. É a maior fábrica de chocolates da América Latina. Possui mais de 100 produtos e mais de 2.000 colaboradores. A história da Garoto é de sucesso, mas também um exemplo de empresa familiar que teve de ser vendida devido a conflitos internos e problemas de sucessão.
FONTE: CLICK PETRÓLEO E GÁS