Pouca gente imagina, mas sob o maior rio do mundo corre outro gigante escondido a quilômetros de profundidade. Descoberto por uma pesquisadora brasileira, o Rio Hamza percorre uma extensão semelhante à do Amazonas, mas debaixo da terra, longe dos olhos humanos. A história dessa descoberta é marcada por dados surpreendentes, críticas da comunidade científica e o desafio de investigar um fluxo de água que ainda intriga estudiosos até hoje.
A região amazônica guarda segredos abaixo da superfície. Um deles chamou a atenção do mundo científico em 2010, quando a professora Elizabeth Pimentel descobriu, durante seu doutorado, a existência de um gigantesco rio subterrâneo que corre sob o Rio Amazonas. O nome dele é Rio Hamza.
A descoberta surpreendeu por indicar a presença de um fluxo de água com mais de seis mil quilômetros de extensão, escondido a milhares de metros de profundidade.
A pesquisa começou com dados de temperatura em poços perfurados pela Petrobras, durante buscas por petróleo na região amazônica. Mas os resultados levaram a uma revelação inesperada.
A descoberta surgiu de dados térmicos
Elizabeth analisava temperaturas registradas no fundo de poços isolados, nos quais só se encontrava água.
Seu objetivo era entender o comportamento geotérmico da região. No entanto, a professora percebeu algo fora do padrão: a área amazônica apresentava temperaturas mais frias em comparação com outras regiões.
Esse comportamento diferente serviu de motivação para aprofundar o estudo. Modelos de circulação de fluidos foram aplicados para interpretar os dados.
Um deles se encaixou perfeitamente. Isso levou à conclusão de que havia uma grande movimentação de água subterrânea, capaz de dissipar calor e manter o subsolo mais frio.
Segundo a pesquisadora, esse fluxo ocorre em profundidades que chegam a até quatro mil metros.
A água não voltaria para cima por conta da inclinação das placas tectônicas da região, que direcionam o fluxo dos Andes até o Oceano Atlântico. Assim como na superfície, o caminho da água subterrânea seguiria dos Andes até a foz do rio.
Movimento lento, mas contínuo
As análises mostraram que o fluxo não acontece como em rios com corredeiras, mas sim de forma lenta, entre as rochas. As bacias sedimentares entre o Acre e o Oceano Atlântico demonstraram uma queda de profundidade que reforça essa hipótese.
Segundo a professora, a água percorre esse caminho silencioso, a milhares de metros da superfície, por meio dos poros das rochas.
A extensão confirmada da presença de água subterrânea acompanha a do Rio Amazonas — mais de seis mil quilômetros. Contudo, a pesquisadora acredita que essa extensão pode ser ainda maior, pois a pesquisa abrangeu apenas áreas dentro do território brasileiro.
A homenagem ao seu orientador de doutorado deu nome ao rio: Hamza. E assim passou a ser conhecida essa descoberta que abriu uma nova visão sobre os recursos hídricos do Brasil.
Evidências e bolsões no oceano
Sem imagens ou registros diretos, a existência do Rio Hamza depende de evidências geofísicas. Mas a pesquisadora aponta fenômenos que reforçam sua tese, como a presença de bolsões de água doce em alto-mar.
Elizabeth afirma que pescadores já relataram encontrar água doce em regiões afastadas da costa. A explicação, segundo ela, seria o fluxo de rios subterrâneos como o Hamza, que seguem até o oceano e acabam liberando essa água doce no mar, mesmo a grandes distâncias da costa.
Para a pesquisadora, esse fenômeno reforça a ideia de que a água subterrânea percorre grandes distâncias em profundidade e emerge em pontos específicos, o que sustentaria a existência de um rio subterrâneo com as características descritas em sua pesquisa.
Reações da comunidade científica
A repercussão foi imediata, mas também dividida. A professora lembra que, ao divulgar os dados, recebeu diversas críticas, especialmente de geólogos. Segundo ela, parte da resistência veio da diferença de abordagem entre geólogos e geofísicos.
Enquanto geólogos tendem a exigir amostras físicas para validar teorias, os geofísicos utilizam evidências indiretas, como as medidas de temperatura, para fazer inferências e prospecções. Foi com base nesse segundo método que o Rio Hamza foi descrito.
Outro ponto de discordância é sobre a comunicação entre as bacias sedimentares. A pesquisa de Elizabeth indica que elas são conectadas por meio do fluxo de água, enquanto geólogos costumam considerá-las compartimentos isolados, separados por estruturas como arcos geológicos.
Segundo a professora, o modelo adotado por ela mostra que há um fluxo contínuo entre as bacias, com a água se movendo pelos poros das rochas.
Isso gera uma circulação ampla, o que seria a base da existência do rio subterrâneo.
Pesquisa interrompida por falta de apoio
Após a conclusão da pesquisa em 2013, Elizabeth conseguiu publicar dois artigos internacionais. Porém, ela precisou retomar seu trabalho na Universidade Federal do Amazonas, o que a impediu de continuar com os estudos em ritmo acelerado.
A continuidade da pesquisa esbarrou em dificuldades. Segundo a professora, seriam necessários equipamentos sofisticados e um alto investimento financeiro para coletar novos dados em profundidade. Recursos que ela não conseguiu obter na época.
Mais tarde, em 2018, Elizabeth conseguiu aprovar um projeto na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) para coletas em áreas mais rasas. As coletas foram feitas em Manaus e em Humaitá, onde ela reside atualmente.
Essas novas análises detectaram alterações climáticas ao longo do último milênio, mas não trouxeram novos dados profundos sobre o Rio Hamza. A limitação técnica e orçamentária ainda impede o avanço do estudo em profundidade.
Potencial futuro do reservatório
Mesmo com a paralisação das pesquisas profundas, a professora acredita que o Rio Hamza representa uma grande descoberta. Segundo ela, o fluxo indica a existência de um reservatório de água em subsuperfície, que pode vir a ser útil no futuro.
Ela ressalta que, além dos aquíferos já conhecidos, há ainda outras reservas hídricas em camadas mais profundas do solo. E essa água, possivelmente potável, pode se tornar um recurso estratégico.
Para Elizabeth, o Rio Hamza representa uma garantia de que o subsolo da Amazônia guarda um potencial hídrico ainda pouco explorado, que pode servir como alternativa em cenários futuros de escassez.
A professora finaliza afirmando que, embora o trabalho sobre o Rio Hamza não tenha avançado nos últimos anos, a descoberta permanece válida.
E acredita que, com novas tecnologias e apoio adequado, será possível continuar explorando esse fenômeno e revelar ainda mais sobre o que corre abaixo do maior rio do mundo.
FONTE: CLICK PETRÓLEO E GÁS