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Obra milionária em condomínio de luxo: risco de tragédia com conhecimento da Cemig

“Imagine um palco enorme, iluminação e som profissionais, e duas mil pessoas ao lado de uma torre de transmissão”

Um dos mais valorizados condomínios de Nova Lima, o Residencial Nascentes — onde mansões são negociadas por até dezenas de milhões de reais — corre o risco de se transformar em palco de uma enorme tragédia anunciada, caso a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) continue lenta diante da visível invasão da faixa de segurança de uma de suas potentes torres de transmissão.

No centro da polêmica está um luxuoso clube de lazer, construído em uma área em que deveria manter recuo mínimo de 30 metros de uma torre de alta tensão, por onde circulam duas linhas de transmissão, ambas com 138 mil volts. No entanto, a edificação, que abriga academia, piscina coberta e esplanada para grandes eventos, encontra-se a apenas 11 metros da estrutura energética. O projeto inicial do clube foi orçado em R$ 12 milhões, mas já ultrapassa os R$ 30 milhões, segundo dados da própria Associação Residencial Nascentes. O alto custo, inclusive, é contestado por muitos moradores.

Além da proximidade arriscada, o local sedia festas com grande aglomeração de público. Nomes como Erasmo Carlos, Paralamas do Sucesso e Jota Quest já se apresentaram no local, reunindo mais de 1.5 mil pessoas sob a sombra da torre de transmissão. Especialistas alertam que os chamados “arcos voltaicos” — descargas elétricas altamente letais e imprevisíveis — tornam essencial o respeito ao recuo legal das edificações próximas às linhas de alta tensão.

Fora dos padrões corporativos

A construção do espaço só foi possível após a averbação na matrícula do imóvel, promovida pela própria Cemig em gestões passadas, que autorizou a desafetação de parte da área originalmente reservada. O processo, considerado incomum até mesmo pelo departamento jurídico da estatal, é alvo de apuração interna, uma vez que não teria respeitado os trâmites obrigatórios, segundo associados que estiveram reunidos com os advogados da empresa: “Eles (Cemig) também estão surpresos e incomodados. Disseram que não há registro interno do caso e prometeram apurar, pois reconhecem o perigo da construção”.

Uma ata de reunião da diretoria da Associação, obtida pelo O Fator, mostra que o então presidente, João de Amuedo Avelar, agradece a um associado – de alguma forma ligado à Cemig – por viabilizar a autorização necessária à obra.

A torre em questão integra o circuito Sabará-Brumadinho, responsável pelo fornecimento de energia elétrica a cerca de dois milhões de mineiros. Um eventual acidente, ou mesmo colapso estrutural, pode provocar danos de grandes e graves proporções. Além do prédio principal do clube, quadras particulares de beach tênis também foram construídas sob as mesmas linhas elétricas.

Cemig pede reintegração na Justiça

Em uma ação judicial em trâmite na 12ª Vara Cível de Nova Lima, originária de fiscalização de rotina, a Cemig descreve os riscos da proximidade entre a obra e a linha de transmissão. Na peça, a companhia energética pede a reintegração de posse da área. Espera-se, inclusive, que a Cemig solicite a interdição ou até mesmo a demolição da estrutura, supostamente tida como irregular, já que o risco de acidentes fatais é claro.

A polarização política nacional também reflete-se no condomínio, que até já ganhou o apelido de “perrengue chique”. As assembleias são marcadas por trocas de insultos, ameaças físicas e até mesmo a aplicação da Lei Maria da Penha, após um episódio entre vizinhos. O tema da Cemig tornou-se tabu entre os associados: sempre que surge, diretores se apressam em minimizar os riscos — inclusive financeiros. Também não são incomuns gestões intimidatórias de membros da diretoria a moradores insatisfeitos.

Na última assembleia ordinária, os associados foram informados de que a ação judicial em curso representaria risco financeiro de apenas R$ 1.5 mil, que é o valor formal da causa. O número, no entanto, não contempla eventuais custos como a demolição da estrutura ou sua interdição, e mesmo possíveis ações indenizatórias de associados.

Judicialização e indenizações

O advogado Walmir de Castro Braga, ex-secretário de Fazenda de Nova Lima e primeiro presidente da Associação Residencial Nascentes, afirma alertar, há anos, para os riscos da obra. Por ser considerado opositor do atual grupo gestor, diz jamais ter sido ouvido. 

Segundo ele, a denúncia já foi feita à própria Cemig, sem retorno até o momento. Walmir também fez representação junto ao Ministério Público de Minas Gerais, que, ao tomar conhecimento da ação judicial proposta pela estatal, apenas arquivou o inquérito administrativo, sem enfrentar a questão do risco de exposição à energia elétrica.

Walmir afirma estar sendo alvo de assédio jurídico por parte das duas últimas gestões da Associação. A entidade, segundo ele, ameaça mover uma ação de cobrança contra si, sob alegação de “custos com parecer técnico” — medida que considera ilegal e descabida.

Desvio de finalidade

O advogado também sustenta que nem ele nem os demais associados estão obrigados a arcar com os custos da obra, pois não haveria previsão estatutária para tal despesa, que vai além dos objetivos de uma associação residencial. 

Não é contra a Associação que iremos ao Judiciário, mas contra os CPFs dos responsáveis diretos: diretores, presidentes, engenheiros e quem mais participou dessa irresponsabilidade”, afirmou Walmir.

Inaugurado em 2002 pela Odebrecht Realizações Imobiliárias (ORI), o Nascentes abriga hoje mais de 300 residências, com outras mais de 100 em construção. O que começou como um promissor projeto imobiliário, ao longo dos anos se converteu em espaço de conflitos, inadimplência crescente e desvio de propósito original. O custo médio mensal por morador, entre despesas ordinárias e extraordinárias, beira os R$ 8 mil.

Resort de alto luxo

Parte dos associados originários se mudou do local ou por não conseguir custear as despesas mensais ordinárias e extraordinárias ou por discordar da mudança radical de rumo do residencial.

Transformaram um condomínio de casas de classe média em resort de “novo-rico”, afirmou ao O Fator uma moradora que pediu anonimato. “Vão fazer uma festa junina, com o nosso dinheiro, e ainda querem cobrar R$ 300 reais no ingresso”, continuou. 

De fato, está programada para o final do mês, no dia 28, uma festa para aproximadamente 2 mil pessoas, com a presença da banda Biquini Cavadão. O evento contará com um palco de grande porte, barracas e food trucks diversos. “Imagine um palco enorme, iluminação e som profissionais, duas mil pessoas ao lado de uma torre de transmissão“, alerta Walmir. “Que Deus proteja a todos, mas se algo ocorrer, a direção da Cemig e da Associação não poderão dizer que eu não avisei“, completou.

Foto registrada durante o início da obra (Acervo pessoal de Associado)

Procurada por O Fator, a Associação Nascentes preferiu não se posicionar.

A Cemig enviou a seguinte nota: A Cemig informa que agiu proativamente e acionou o Condomínio judicialmente, ainda em novembro de 2022, com o pedido de reintegração de posse da área de servidão que foi invadida (Autos nº 5011953 85 2022 8 13 01 88). A Cemig obteve a liminar em 23/02/2023, impedindo a continuidade das obras no local da servidão. O pedido de demolição das obras foi realizado nos autos do processo, e aguarda julgamento. Atualmente, o processo se encontra concluso para decisão do magistrado.

FONTE: O FATOR

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