Esquema prende três empresários envolvidos em esquemas de devastação ambiental expostos pela reportagem do Estado de Minas
A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) prenderam três empresários e afastaram servidores estaduais do meio ambiente na manhã desta quarta-feira (17/09), em operação contra fraudes, facilitação de crimes ambientais em esquema biliónário que vinha sido denunciado pela reportagem do Estado de Minas desde abril.
A Operação Rejeito ocorre em Belo Horizonte e outras cidades de Minas Gerais. Foram cumpridos 22 mandados de prisão preventiva e 79 de busca e apreensão.
Entre os alvos estavam empresários e diretores, e foi determinado o bloqueio de R$ 1,5 bilhão em ativos, além da suspensão das atividades das pessoas jurídicas envolvidas.
A operação visa desarticular o que o inquérito da Polícia Federal classificou como uma “verdadeira organização criminosa”, que era estruturalmente organizada e com nítida divisão de tarefas. O grupo é suspeito de ter corrompido servidores públicos em órgãos estaduais e federais de fiscalização e controle.
Segundo a PF, o objetivo era obter autorizações e licenças ambientais de forma fraudulenta mediante o “pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos dos mais diversos órgãos ambientais, incluindo IPHAN, ANM e SEMAD-MG”.
Essas licenças fraudulentas eram utilizadas para a exploração irregular e em larga escala de minério de ferro. As atividades ocorriam em locais tombados e próximos a áreas de preservação, causando graves consequências ambientais. Há também o elevado risco de desastres sociais e humanos decorrentes dessas práticas.
A investigação, que teve início em 2020, identificou o que a PF descreveu como uma “robusta e complexa rede de empresas S/A”. De acordo com o inquérito, essa estrutura com mais de 40 empresas, que tinha a holding Minerar S/A como principal, era destinada a “legitimar práticas delituosas, omitindo os verdadeiros responsáveis” e a dissimular a origem de bens por meio de “lavagem de capitais”.
O esquema envolvia o pagamento de propina a agentes públicos para garantir a continuidade dos empreendimentos ilegais, com mais de R$ 3 milhões em propinas identificados.
Os principais alvos dos mandados de prisão preventiva incluíram Alan Cavalcante do Nascimento, apontado como chefe do esquema e dono de jazida na Serra do Curral; Helder Adriano de Freitas e João Alberto Paixão Lages também foram presos, identificados como sócios de Alan na empresa Gute Sicht (ou Gutesiht). Helder é tido como o “diretor operacional”, com grande conhecimento prático de mineração, e João Alberto como o responsável pelo “lobby” e articulação junto ao poder público.
Além dos empresários, a Justiça Federal determinou o afastamento de servidores públicos. Foram afastados Fernando Baliani da Silva, da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), Breno Esteves Lasmar, do Instituto Estadual de Florestas (IEF), e Fernando Benício de Oliveira Paula, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
A organização criminosa também atuou para neutralizar a ação do Estado, dificultando as investigações e monitorando autoridades. Utilizaram diversos artifícios para lavar o dinheiro obtido com as práticas ilícitas, garantindo a impunidade e a ampliação dos negócios.
Estima-se que as ações criminosas do grupo geraram um lucro de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Além disso, a PF apontou que os envolvidos “expandiram exponencialmente sua atuação para novos (e inacreditáveis) projetos”, que tinham um potencial econômico superior a R$ 18 bilhões.
Os investigados podem responder por crimes como ambientais, usurpação de bens da União, corrupção ativa e passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro e embaraço à investigação. Essas acusações destacam a gravidade e a amplitude dos delitos cometidos.
As ligações societárias e o modo de operação agressivo dos envolvidos já haviam sido tema de reportagens anteriores, que denunciavam a devastação ambiental em Minas Gerais. A Mineradora Gute Sicht, por exemplo, causou revolta ao escavar a Serra do Curral, área tombada, mesmo com embargos e multas diárias.
O abandono das atividades da Gute Sicht em 2023, após o STF cassar suas licenças, trouxe novos riscos para a Serra do Curral. Encostas desabaram, erosões ampliaram rombos e houve ameaça a espécies endêmicas e cavernas, incluindo uma com um exemplar raro de opilião.
A Justiça Federal (TRF-6) já havia considerado, em primeira instância, que a Fleurs Global Mineração e a Gute Sicht pertencem ao mesmo grupo econômico. Essa ligação foi estabelecida após denúncia do Ministério Público Federal e inquérito da Polícia Federal.
A Fleurs Global Mineração, que também acumulou infrações e funcionou à base de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), voltou a operar em 2024 após licença aprovada pelo Copam. Em janeiro de 2025, porém, a Justiça Federal determinou a suspensão imediata de suas atividades, juntamente com a Gute Sicht, por “novos fatos apresentados pela PF”.
A reportagem do Estado de Minas já havia apontado, em 2022, que a Gute Sicht extraía minério de ferro na Serra do Curral em meio à polêmica da licença da Tamisa. A mineradora impediu fiscalizações, foi interditada pela PBH e continuou operando, acumulando 18 infrações e mais de R$ 1,2 milhão em multas em apenas um mês.
A persistência em ignorar autuações e ordens de paralisação também foi observada na destruição de uma caverna pela Patrimônio Mineração em Ouro Preto. A cavidade, não prevista nos estudos, teve um impacto irreversível, segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Mesmo após o embargo de 250 metros da área da caverna em março de 2025, maquinário e operários foram flagrados na região, desrespeitando as determinações. A Patrimônio Mineração negou relação direta com a Gute Sicht e a Fleurs Global Mineração, mas não se manifestou sobre sua ligação com o Grupo Minerar.
A teia de ligações entre as empresas é intrincada, com sócios, administradores e representantes legais se revezando entre Gute Sicht, Fleurs Global Mineração, LC Participações e Consultoria, Patrimônio Mineração e Grupo Minerar. Essa complexidade dificultava a identificação dos reais controladores.
Helder Adriano Freitas, sócio-administrador do Grupo Minerar, foi sócio controlador da Gute Sicht em 2022, época dos embates ambientais na Serra do Curral. João Alberto Paixão Lages, também sócio na JHMinas Participações com Helder, foi sócio da Gute Sicht e da LC Participações e Consultoria.
A Justiça Federal aceitou a conexão feita pela PF entre a utilização de uma empresa de terraplanagem para minerar e vender minério irregularmente pela Fleurs Global e a Gute Sicht. Ambas foram consideradas partes integrantes de um “mesmo grupo econômico”.
O histórico de desobediência inclui o descumprimento contínuo de embargos desde 2022 pela Gute Sicht e a realização de terraplanagem para dissimular extração. A Fleurs Global Mineração também não atendeu a diversos TACs firmados com a Semad.
A Operação Rejeito revela a extensão da corrupção e do dano ambiental causado por esse grupo, que operava com um padrão de desrespeito às leis e às autoridades. O inquérito busca responsabilizar os envolvidos por uma série de crimes que impactam o patrimônio natural e social de Minas Gerais.
Entenda a Operação Rejeito
- Alvo: uma “verdadeira organização criminosa”, segundo a PF, especializada em crimes ambientais, corrupção e lavagem de dinheiro no setor de mineração
- Modo de operação: o grupo obtinha licenças ambientais fraudulentas através do “pagamento de vantagens indevidas a servidores públicos” de órgãos como IPHAN, ANM e SEMAD-MG
- Estrutura: utilizava uma “robusta e complexa rede de empresas” para “legitimar práticas delituosas”, ocultar os verdadeiros responsáveis e praticar “lavagem de capitais”
- Valores envolvidos: a Justiça determinou o bloqueio de R$ 1,5 bilhão em ativos do grupo. A PF apurou que a organização “expandiu exponencialmente sua atuação” em projetos com potencial superior a R$ 18 bilhões
- Ação policial: foram cumpridos 22 mandados de prisão preventiva e 79 de busca e apreensão contra empresários e diretores do esquema
- Servidores afastados: agentes da FEAM, IEF e Copam foram afastados de suas funções por suspeita de participação no esquema de corrupção
- Impacto ambiental: as atividades da organização causaram graves consequências, como desabamentos, ampliação de erosões e ameaças a espécies endêmicas e ao patrimônio espeleológico na Serra do Curral
FONTE: ESTADO DE MINAS