Entre os integrantes do chamado “Núcleo de Atuação Interinstitucional” de envolvidos na Operação Rejeito, composto por pessoas com influência dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM), Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), está Gilberto Henrique Hora de Carvalho.
Geógrafo de formação, o acusado é identificado na investigação como um “grande articulador” da organização criminosa e que teria atuado, principalmente, junto à SEMAD e a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Por meio da sua empresa, a GH Sustentabilidade firmou contrato, em março de 2021, com a Fleurs Global, uma das empresas do esquema, e teria recebido, entre 2021 até setembro de 2024, R$ 760 mil.
Segundo a investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU), o geógrafo atuou “politicamente” para barrar dois projetos de lei no legislativo mineiro e na Câmara dos Deputados, o PL 1.125/2022 – de criação do Parque Nacional da Serra do Curral – ainda tramitando na Câmara, assim como o PL 1449/2023, de criação do Monumento Natural da Serra do Curral, na ALMG.
As duas propostas legislativas eram “de grande interesse para o grupo”, pois a área engloba os locais onde se situam as operações de mineração das empresas investigadas, a Gute Sicht, Fleurs Global, MMF e Prisma.
Em um trecho do relatório, ao narrar as atividade de Giberto Henrique, o documento informa que também faz parte da área foco dos investigados a Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra), empresa alvo da Operação Parcours, como detalhou o Observatório da Mineração em abril deste ano. E que a Empabra “possivelmente foi arrendada pelo grupo delituoso, mediante contrato de gaveta, fazendo parte do projeto Taquaril”.
O objetivo era justamente o de ignorar os tombamentos já concedidos no âmbito municipal, estadual e federal. No âmbito do governo federal, o tombamento foi determinado ainda em 2016 pela portaria do Portaria IPHAN n. 444, de 28 de novembro de 2016.
“Neste sentido foram encontrados diálogos envolvendo GILBERTO e JOÃO ALBERTO tratando especificamente da necessidade do lobista atuar para impedir o andamento do Projeto de Lei 1.125/2022 sendo que, segundo GILBERTO, a dimensão da área do projeto Serra do Curral ‘mataria’ todos os planos de exploração do PROJETO TAQUARIL. GILBERTO avisa, então, que naquele dia, 12/07/2023, houve uma reunião interna, com a criação de um grupo de trabalho e que ele estaria participando para ‘espionar’ e repassaria as informações para JOÃO ALBERTO, como de costume“, destaca o despacho judicial.
O João Alberto citado é João Alberto Paixão Lages, considerado pela PF como o diretor de “Relações Interinstitucionais” dos empresários envolvidos no esquema, “por possuir grande articulação junto ao poder público e o responsável por se aproximar dos donos das novas áreas prospectadas, bem como elaborar os contratos eventualmente firmados”.
Ex-gerente da ANM foi alvo das duas operações
Outro elo entre as duas operações é a atuação de Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, afastado do cargo de gerente regional da ANM em Minas Gerais por conta de sua atuação em favor da Empabra. Na Operação Rejeito, ele é citado 43 vezes no despacho de deflagração da fase ostensiva da investigação, além dos pedidos de busca e apreensão nos seus endereços, afastamento da função pública na ANM e de prisão preventiva.
Segundo a PF, o ex-gerente da ANM “assumiu papel estratégico como agente público corrompido em esquema complexo e sofisticado”, com atividades mais concentradas entre 2023 e 2025.
“Em que pese Leandro já ter sido afastado de seu cargo de Gerente Regional da ANM/MG, em 28/03/25, no Pedido de Busca e Apreensão Criminal no 6006553- 27.2025.4.06.3800, em vista da atuação irregular do investigado junto à empresa EMPABRA, é necessário destacar que houve demonstração de uma evolução criminosa muito mais ampla, além de deter influência dentro da ANM, mesmo estando afastado“, diz o relatório.
O documento detalha a participação do gestor da ANM em outros três projetos minerários do grupo alvo da investigação:
– “O Projeto Rancho do Boi exemplifica essa evolução. Embora a aprovação irregular do Relatório Final de Pesquisa tenha ocorrido em maio de 2021, sua publicação oficial só se consumou em 25 de maio de 2023, através do Despacho no 67196/DIFIPMG/ANM/2023 assinado pelo próprio investigado.
– O Projeto Taquaril revela condutas ainda mais recentes. A cessão de direitos minerários da MMF foi praticada em 07 de agosto de 2023, com concessão de lavra publicada em 14 de março de 2024. Quanto à PRISMA MINERAÇÃO, o Alvará de Pesquisa foi publicado em 01 de abril de 2024. Seguiu-se a reveladora mensagem do investigado sobre “tomar um café” e o encontro presencial com o líder da organização em 09 de maio de 2024, culminando com a cessão total dos direitos em 20 de maio de 2024.
– As condutas mais recentes são as mais graves. O Projeto AIGA Mineração documenta atos de dezembro de 2024 a janeiro de 2025. Em dezembro de 2024, o investigado enviou minuta de Nota Técnica diretamente a João Alberto Lages via WhatsApp para “pente fino” e aprovação. Após receber orientações da organização criminosa, expediu a Nota Técnica 7333/2024 – GER-MG em 12 de dezembro de 2024″.
Escala de R$ 832 milhões para R$ 18 bilhões e atuação mesmo internado na UTI
Segundo a investigação mais recente, no caso de Leandro, houve uma “multiplicidade exponencial de projetos” em que ele atuou a favor dos investigados.
“Enquanto o primeiro período limitava-se ao favorecimento da EMPABRA, as investigações posteriores revelam atuação criminosa simultânea em múltiplos empreendimentos de grande porte: Projeto Taquaril envolvendo MMF e PRISMA MINERAÇÃO, Projeto Rancho do Boi avaliado em 1 bilhão de reais, Projeto HG Mineração, Projeto AIGA Mineração com rejeitos avaliados em 200 milhões e Projeto Patrimônio Mineração“, destaca o despacho da juíza.
O escalamento econômico é “exponencial”, diz o mesmo documento, que soma mais de R$ 18 bilhões de reais em potencial econômico em relação aos R$ 832 milhões do primeiro estágio, um “salto qualitativo na capacidade lesiva da atividade delitiva”.

Para fazer parte da organização criminosa, o então chefe da ANM em Minas Gerais não deixou de atuar nem mesmo com problemas graves de saúde, segundo a investigação.
“Foi identificado nesta investigação, por meio da análise da quebra de sigilo telemática de JOÃO ALBERTO que, mesmo afastado do cargo por motivo de doença e internado em UTI, em dezembro de 2024, LEANDRO continuou mantendo contato com servidores do órgão para adotar providências em benefício das empresas da ORCRIM, de modo a explicitar que mesmo agora afastado por decisão judicial, mantém influência no órgão (IPJ68/2025). Foram várias as mensagens trocadas entre LEANDRO e JOÃO explicitando que LEANDRO passou a integrar a organização criminosa“, revela o documento.
Quando detalha o caso do projeto Morro do Boi, o relatório judicial indica que o diretor pode ter sido o destinatário de pelo menos parte dos R$ 7,5 milhões para facilitar os negócios do grupo na ANM.
Como a reportagem de abril do Observatório da Mineração apontou, no caso que envolve o favorecimento da Empabra, que teria sido executado por Leandro, a investigação da Operação Parcours tem como base comunicações dos bancos ao COAF de movimentações suspeitas de sua esposa. No caso de Leandro Cesar, registram movimentações atípicas de mais de R$ 2 milhões.
Ex-superintendente do Iphan também teria participação no esquema
O despacho de deflagração da investigação também cita a então superintendente do Iphan em Minas Gerais, Debora França, entre os servidores públicos federais que teriam sido cooptados pelo esquema das mineradoras investigadas, inclusive no recebimento de valores para atuar na liberação de atividades em outra área tombada, o sítio arqueológico Grupiara do Cubango.
Na descrição do cadastro no IPHAN, o bem registra que o local guarda “de estruturas que remetem à mineração aurífera colonial” e que mesmo assim teria sido liberado para atuação de uma das empresas do grupo, a Fleurs Global.
Segundo o documento, um processo no Iphan, que trata da regularização da planta de beneficiamento de minério de ferro da Fleurs Global, foi iniciada por Débora França e contrariou pareceres técnicos que indicaram que o empreendimento foi instalado na área do sítio arqueológico, além de estar sem os estudos de impacto exigidos pelo órgão federal.
“O RAIPA apresentado pela empresa omitiu completamente a possibilidade de danos irreversíveis ao patrimônio arqueológico, mesmo com evidências de que as estruturas estavam a menos de 5 metros do sítio. Apesar das recomendações técnicas contrárias à emissão de anuência, DÉBORA, por meio do Ofício no 859/2022, comunicou à Fleurs a aprovação do RAIPA e informou que, por já estar instalado e em operação, o empreendimento receberia anuência condicionada, vinculada à celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)”, diz outro trecho da investigação sobre a atuação da servidora.

Ex-diretora do Iphan afirma que alegações são um “equívoco”
A defesa de Debora França afirma que “possivelmente trata-se de um equívoco, uma vez que as conclusões da investigação se apoiam apenas em referências indiretas ao nome da Débora em conversas de terceiros”.
“Todos os pontos serão devidamente esclarecidos no momento e local oportuno. Confiamos que a Justiça fará a correta avaliação dos fatos”, diz o comunicado enviado ao Observatório da Mineração.
O advogado de João Alberto Lages informou que somente na última terça-feira (30) teve acesso à íntegra das medidas cautelares e que por enquanto “em respeito ao sigilo do processo e ao poder Judiciário, a defesa só irá se manifestar nos autos do processo judicial”.
O advogado de Gilberto Henrique Horta não retornou ao pedido e posicionamento da reportagem até o fechamento desta edição. O espaço continua aberto para as suas manifestações.
O Observatório da Mineração não localizou os contatos da defesa de Leandro Cesar Ferreira de Carvalho.
FONTE: OBSERVATÓRIO DA MINERAÇÃO