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Boiada para exportação de Salles levou à ação do STF

Investigação de despacho autorizando venda de madeira ao exterior resultou no afastamento do presidente do Ibama e da quebra de sigilo do ministro

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, foram alvos de operação, nesta quarta-feira (19), que investiga a exportação ilegal de madeira para Estados Unidos e Europa. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles e o afastamento preventivo de Bim do comando do Ibama e o de outros nove agentes públicos que ocupavam cargos e funções de confiança nos órgãos.

A operação é desdobramento de investigação da Polícia Federal sobre uma típica boiada – como o ministro Salles referiu-se a ações infralegais na famosa reunião ministerial de abril de 2020 – para fragilizar a política ambiental. Em fevereiro de 2020, despacho de Eduardo Bim que permitiu a exportação de produtos florestais sem a necessidade de emissão de autorizações de exportação. Essa boiada tipo exportação foi publicado pelo Ibama 20 dias depois do órgão ser provocado por duas entidades do setor madeireiro: Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex) e pela Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta), que atua no Pará e em Rondônia.

Em junho, o Instituto Socioambiental, pelo Greenpeace e pela Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) entraram com ação civil pública junto à Justiça Federal do Amazonas pedindo a suspenção do ato do Ibama. “A pressa incomum e a retaliação a funcionário comissionado demonstram, salvo melhor juízo, possível pré-disposição por parte do atual chefe do Ibama no acolhimento da solicitação das madeireiras, que almejam confessadamente exportar as mercadorias sem o controle prévio e efetivo por parte do órgão ambiental, ao arrepio da legislação constitucional e infraconstitucional”, afirmavam os autores da ação.

Na sua argumentação, o ISA, o Greenpeace e Abrampa lembravam que o despacho veio logo após as associações de madeireiras solicitarem o fim das inspeções, que alegavam ser “complicadas” e “obsoletas”. A área técnica do Ibama deu parecer contrário à liberação, mas Bim não apenas ignorou o parecer, como também exonerou o principal autor do documento. “A Abrampa pleiteia no Judiciário anular mais um dos atos lesivos contra as florestas no Brasil. Nossa associação não poderia se furtar a garantir a proteção da Floresta Amazônica contra um ato que possibilita a exportação de madeira extraída ilegalmente em seu território, destruindo esse rico patrimônio nacional que pertence ao povo brasileiro e estimulando ainda mais a prática de crime ambiental”, afirmou, na ocasião, Cristina Seixas, presidente da Abrampa.

A ação das entidades não progrediu mas, em janeiro de 2021, a Polícia Federal começou uma investigação a partir de denúncias feitas por autoridades estrangeiras sobre suposto “desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”, de acordo com nota divulgada pela corporação.

Por envolver o ministro Ricardo Salles, a Polícia Federal teve que pedir autorização ao STF para a operação. O ministro Alexandre de Moraes emitiu 35 mandados de busca e apreensão em endereços no Distrito Federal, em São Paulo e no Pará, alguns deles ligados ao ministro, além do afastamento de Bim e de servidores, da suspensão do despacho e da quebra dos sigilos de Salles. “Os depoimentos, os documentos e os dados coligidos sinalizam, em tese, para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, o qual teria o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte, no caso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles; além de servidores públicos e de pessoas jurídicas”, afirma Moraes em sua decisão.

A Polícia Federal informou que as ilegalidades, “Estima-se que o referido despacho, elaborado a pedido de empresas que tiveram cargas não licenciadas apreendidas nos EUA e Europa, resultou na regularização de mais de 8 mil cargas de madeira exportadas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”, informou a PF. O ministro Ricardo Salles classificou a operação de “exagerada” e “desnecessária” e afirmou que o ministério atua com “respeito às leis”. A jornalista, o ministro disse ainda que o inquérito da PF levou a erro o ministro Alexandre de Moraes.

Na decisão publicada nesta quarta pelo Supremo, Moraes cita a conhecida fala de Salles na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando o ministro disse que o foco da imprensa na pandemia de covid-19 permitiria “passar a boiada mudando todo o regramento”, particularmente através de decisões infralegais (despachos, portarias), que dispensassem nova legislação. “Esse referido modus operandi (‘parecer, caneta’) teria sido aplicado na questão das exportações ilícitas de produtos florestais”, aponta a decisão.

De acordo com a documentação enviada pela Polícia Federal ao STF, a investigação constatou indícios de “grave esquema criminoso de caráter transnacional”. Para os investigadores, é “evidente que o interesse privado de alguns poucos empresários, reincidentes na prática de infrações ambientais, foi colocado à frente do interesse público”.

Apreensão recorde de madeira nativa da história do Brasil, feita pela Polícia Federal na divisa do Pará com o Amazonas: Ricardo Salles defendeu madeireiros (Foto: Exército Brasileiro/Agência Brasil)
Apreensão recorde de madeira nativa da história do Brasil, feita pela Polícia Federal na divisa do Pará com o Amazonas: Ricardo Salles defendeu madeireiros (Foto: Exército Brasileiro/Agência Brasil)

Escritório do crime ambiental

Em nota, o Greenpeace Brasil afirmou esperar que a investigação “possa ser o início do fechamento da porteira das boiadas” e que o ministro Ricardo Salles também precisa ser afastado do cargo imediatamente. “Entre proteger florestas e beneficiar criminosos, o atual governo já deixou bem claro de que lado está, e Ricardo Salles é figura central no trabalho de minar a capacidade das instituições ambientais para exercerem seus deveres. O resultado desse trabalho é a explosão de desmatamento, queimadas, crimes ambientais, violência contra os povos da floresta e destruição”, acrescentou a organização na nota.

“Vamos ver agora quais crimes que serão descobertos. O fato é que Salles montou um verdadeiro escritório do crime ambiental no Ministério do Meio Ambiente e um dia teria que responder por isso”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Hoje infelizmente quem quiser saber sobre a questão ambiental no Brasil precisa abrir as páginas policiais”, lamentou.

O delegado Alexandre Saraiva, que foi retirado da superintendência da Polícia Federal do Amazonas após apresentar notícia-crime no Supremo Tribunal Federal contra o ministro Ricardo Salles, foi às redes sociais comemorar a operação. “Salmo 96:12: “Regozijem-se os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta”. Saraiva também postou que as funções da PF (Art. 144, CF) transcendem às pessoas, pois possuem “padrões de comportamento recorrentes, valorizados e estáveis”. E citou Raul Seixas: “e não adianta nem me dedetizar, porque você mata uma e vem outra em meu lugar…”

Saraiva, em 14 de abril apresentou notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles e contra o senador Telmário Mota (Pros-RR) sob a acusação de terem uma parceria com o setor madeireiro “no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”. No fim do ano passado, o delegado comandou a operação que resultou na apreensão de mais de 200 mil metros cúbicos no valor de R$ 130 milhões de madeira. Na época, Salles e Telmário fizeram declarações contrárias à operação da Polícia Federal, além de defender a aparente legalidade do material e dos madeireiros investigados. O ministro chegou a ir ao Pará para reunião com os empresários.

FOTO CAPA  (Foto: Marizilda Cruppe – 17/09/2019)

FONTE PROJETO COLABORA

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