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MEC aposta no ensino a distância e quer Universidade Federal Digital

O governo federal enviou às universidades um plano ambicioso que, se bem-sucedido, vai ampliar significativamente a oferta de vagas nas universidades federais. O Reuni Digital aposta no ensino a distância (EaD) para expandir o número de universitários, e prevê até mesmo a criação de uma Universidade Federal Digital. Mas a ideia já gerou críticas de pelo menos uma grande universidade.

A minuta do projeto foi enviada pelo Ministério da Educação (MEC) em maio. O documento de 64 páginas detalha as ações para que o país atinja uma das metas do Plano Nacional de Educação para 2024: uma taxa bruta de 50% e uma taxa líquida de 33% de matrícula no ensino superior em 2024. A taxa líquida informa o percentual de alunos de 18 a 24 anos que estão na universidade ou já obtiveram seu diploma de ensino superior. A taxa bruta é a divisão do número de brasileiros que frequentam ou concluíram a universidade (de todas as idades) sobre o total de brasileiros de 18 a 24 anos.

Segundo o último Censo da Educação Superior, a taxa bruta em 2019 era de 37,4%, enquanto a taxa líquida era de 21,4%. O plano elaborado pelo MEC inclui ações de curto (de um a seis meses), médio (de sete a 24 meses) e longo prazo (de 25 a 60 meses). O objetivo é que, com o Reuni Digital, as instituições públicas sejam responsáveis por pelo menos 40% das novas vagas no período até 2024.

“A EaD é fundamental para que o país consiga ofertar cursos de nível superior com qualidade e que ela não seja apenas um formato desvinculado das ações atuais das IFES, mas que faça parte do cotidiano destas instituições, atendendo demandas locais e regionais”, afirma a minuta.

O plano do MEC tenta corrigir uma distorção. Embora tenham 24,2% dos universitários brasileiros, as instituições públicas de ensino são responsáveis por apenas 6,4% das vagas de EaD.

O projeto prevê formação de um grupo de especialistas, indicado pelas universidades, para discutir o formato do Reuni Digital. O projeto também inclui a realização de consultorias para identificar as demandas profissionais em cada região do país, para adaptar os novos cursos às necessidades locais.

Além dos cursos completamente virtuais, o MEC quer discutir a possibilidade de que os cursos presenciais possam oferecer até 40% do seu conteúdo de forma remota. O documento fala em “um projeto pedagógico para a IFES, com abordagem pedagógica definida, currículos flexíveis, intercâmbio acadêmico nacional e internacional, emprego da prerrogativa dos 40% de virtualidade na carga horária dos cursos presenciais, mobilidade estudantil, acreditação de cursos MOOC e outras que favoreçam a construção de uma Educação Superior aberta no Brasil”. As IFES são as Instituições Federais de Ensino Superior. MOOC é uma sigla inglesa que se refere a cursos online abertos ao público geral.

Outra novidade da proposta é a adoção de um ciclo básico, de um ano, em cada “área do saber”. Nesse sistema, o universitário não seria selecionado para um curso específico, mas para uma área geral (como as Ciências Humanas, por exemplo). Apenas depois do primeiro ano é que o aluno decidiria qual curso seguir. “Nos casos dos cursos mais concorridos as notas do estudante no primeiro ano podem ser usadas como critério de seleção”, explica a minuta.

Outra proposta incluída no projeto do Reuni Digital é a criação de um sistema de EaD único, que possa ser usado por todas as universidades federais para desenvolver seus cursos. A solução tende a reduzir custos e a facilitar o intercâmbio de informações. Em uma fase mais avançada, o programa resultaria na formação da Universidade Federal Digital, uma instituição de ensino superior completa apenas com cursos remotos.

Ao mesmo tempo em que prevê um aumento no número de vagas, o documento do MEC afirma que os cursos devem ter uma concorrência de pelo menos dois candidatos por vaga. A ideia é “qualificar e elevar a oferta de vagas em EaD nas IFES sem diminuir necessariamente a oferta de vagas presenciais”.

O documento do MEC prevê ainda que os alunos carentes recebam tablets ou notebooks para participarem dos cursos virtuais, além de apoio no acesso deles à internet.

Primeira reação contra o Reuni Digital

A Universidade Federal da Bahia foi a primeira a se pronunciar publicamente sobre a proposta do governo. A instituição emitiu um comunicado criticando duramente a proposta, que chega em um momento de corte nos recursos para as instituições federais. “Apresentar uma proposta de expansão de vagas, nas atuais circunstâncias, quando não se garantem as melhores condições para as vagas existentes, quando não temos garantia de suficientes recursos de investimento e de custeio para o sistema das universidades federais, implica aprofundar o sucateamento da nossa infraestrutura”, diz o texto.

Ainda segundo o comunicado da UFBA, o programa proposto pelo MEC prejudica as universidades por deixar a pesquisa e a extensão em segundo plano, focando apenas nas aulas. ” O projeto Reuni Digital dissocia a EaD da pesquisa, do ensino e da extensão de nossas universidades federais, representando, por esse viés, grave ameaça à sua autonomia didático-pedagógica”, alega a universidade.

Em uma Nota Técnica, a UFBA também afirmou que a criação de uma plataforma única para os cursos de EaD causaria uma centralização desnecessária. “Seu principal efeito prático seria o desestímulo às iniciativas orgânicas e plurais que já vicejam na rede de instituições de ensino superior, indo, portanto, na contramão da adequada institucionalização da EaD nas IFES.”

Preocupação com a qualidade

Apoiador do governo federal, o professor Marcelo Hermes-Lima, da Universidade de Brasília (UnB), também critica o projeto. Para ele, entretanto, o problema não é a falta de orçamento – é a provável queda na qualidade da produção acadêmica brasileira. “Não adianta aumentar o dinheiro se não vai resolver o problema. O problema é que a média dos estudantes é cada vez pior. Com mais vagas, vai aumentar o percentual de alunos semianalfabetos na universidades”, afirma ele, que participou da elaboração do plano de governo de Bolsonaro na área de educação.

Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Pedro Caldeira concorda: ele afirma que os alunos têm chegado à universidade cada vez menos preparados, e questiona a necessidade de expansão. “Nem sei se conseguiremos preencher a totalidade das vagas disponibilizadas atualmente pelas universidades federais, quanto mais aumentá-las”, afirma.

Já o professor Benedito Aguiar Neto, ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ex-reitor da Universidade Mackenzie, afirma que a medida é bem-vinda, desde que não seja usada para simplesmente substituir vagas presenciais. “A demanda por educação a distância é uma realidade no país, em virtude das assimetrias regionais existentes no país quanto às oportunidades de ensino de qualidade”, afirma. Ele acrescenta: “A EaD não pode ser utilizada como um atalho para aumento do número de vagas e deve ser implantada tomando-se como referência a mesma qualidade que se obteria no ensino presencial”.

Aguiar Neto também vê uma “reação” à implantação da modalidade virtual para mestrados e doutorados, mas avalia que “avanços recentes” na regulamentação do tema permitem um ensino de qualidade também nesses níveis. Em janeiro, uma resolução da Capes disciplinou a oferta de cursos de pós-graduação de forma remota.

Conselheiro da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) e especialista no assunto, o professor Stavros Xanthopoylos afirma que a iniciativa do MEC é bem-vinda, mas ressalta que o governo precisa assegurar a qualidade desses novos cursos. De acordo com ele, isso depende de três elementos principais: “O primeiro é a qualidade em si do conteúdo, que não deve ser diferente do presencial. O segundo é o formato pedagógico e as metodologias utilizadas. E o terceiro, talvez mais importante, é a infraestrutura de acesso”.

Segundo Xanthopoylos, é provável que o governo precise desenvolver a Universidade Federal Digital de forma autônoma, devido à oposição dos reitores em colaborar com um projeto de ensino a distância. “Na maioria das universidades federais há muita resistência a isso. Para uma iniciativa dessa dar certo, teria-se que eventualmente pensar em uma estrutura própria, isolada”, diz.

Em nota enviada à Gazeta do Povo, o Ministério da Educação afirmou que a proposta do Reuni Digital está sendo elaborada com “amplo diálogo com importantes atores para a educação”. A pasta explica ainda que criou um grupo de trabalho com dez especialistas indicados pelas universidades (cinco titulares e cinco suplentes), representando todas as regiões do país, além de dez especialistas indicados pelo MEC. Até agora, foram feitas sete reuniões com a participação desse grupo de trabalho. Dentre os próximos passos, está a finalização do Plano de Expansão da EaD nas universidades.

EaD cresce rapidamente

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 75,8% dos 8,6 milhões de universitários brasileiros estudam em instituições privadas, contra 24,2% matriculados em universidades e institutos públicos.

Nos últimos anos, o número de universitários em cursos presenciais tem caído, enquanto o de matriculados em cursos virtuais tem aumentado. Entre 2018 e 2019, por exemplo, houve uma redução de 3,8% nas vagas de cursos de graduação presenciais, e um aumento de 19,1% nas de cursos virtuais. Em 2019, os cursos de EaD tinham 28,5% dos alunos de graduação brasileiros. Em 2009, eram 14%.

FONTE GAZETA DO POVO

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