Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas

Meus amigos leitores,

Setembro chegou e com ele o Jubileu de Congonhas. Claro que, diante dessa pandemia que nos aflige, os tradicionais festejos do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos não irão acontecer. Creio que somente as missas serão transmitidas pela internet e irradias pela tradicional Rádio Congonhas.

Como o povo mineiro tem no Jubileu de Congonhas um costume de mais de 240 anos, resolvi contar um pouco dessa portentosa festa que celebra a fé e devoção ao Bom Jesus, um costume português que aqui foi introduzido em meados do século 18.

Espero que gostem. Boa leitura…

Jubileu do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas

Origens do povoado:

A descoberta do ouro final do século 17 provocou uma intensa investida de aventureiros pelo interior do atual estado de Minas Gerais em busca do metal precioso. Dessa forma foram surgindo os pequenos arraiais e depois as vilas no início do século 18. Muitos desses aventureiros iniciaram suas lavras nos ribeirões Soledade, Macaquinhos e Maranhão e se fixaram na região de Congonhas, dando origem ao povoado, cujo nome Congonhas, advém de uma erva nativa e muito comum nessa região. De sua nomenclatura tupi extraímos: “cahã-nhonha = mato desaparecido, lugar desmatado; Congonhas – uma grande extensão de campo com vegetação baixa”.

O pequeno povoado concentrou-se inicialmente do lado direito do rio Maranhão e seguindo uma tradição, ao se descobrir uma lavra era construída uma capela. Congonhas e seus arredores foram palco de atividade intensa de garimpeiros independentes: negros libertos, pardos, mamelucos e brancos que formavam uma massa de aventureiros de parcos recursos a quem o sonho do ouro era o único plausível.                                     

Assim temos uma referência à capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (cuja documentação de sua origem é escassa), que é considerada a primeira a ser erigida no arraial das Congonhas ainda no final do século 17 por escravizados (forros ou não). Já a Matriz de Nossa Senhora da Conceição acredita-se que tenha sido iniciada sua construção no início da segunda década do século 18 e concluída em 1734 com a instalação da Paróquia de Congonhas do Campo como nos diz o Cônego Trindade.

A outra margem do rio Maranhão, seu lado esquerdo, só foi de fato povoada a partir do início da construção do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em meados de 1757. A devoção ao Bom Jesus chegou a Congonhas por meio do português Feliciano Mendes, que se transferiu para as terras mineiras em busca de ouro, como muitos outros patrícios. No entanto, na procura da riqueza, ele perdeu a saúde. Fez, então, uma promessa ao Bom Jesus de Matosinhos, cuja fé trazia do seu torrão natal, esperando restabelecer-se. Feliciano Mendes se curou e debitou tal fato à graça do Bom Jesus.

Em fevereiro de 1757, Feliciano começou seu projeto de construir um templo ao Senhor Bom Jesus. Na busca de cumprir sua promessa, tornou-se ermitão, uma espécie de empreendedor religioso. Requereu todas as licenças necessárias, tanto ao poder espiritual quanto ao civil e com as mesmas em mãos fincou uma cruz no alto do morro Maranhão e construiu um abrigo onde colocou a imagem do Bom Jesus Crucificado, tomou “o hábito, a caixinha e o bordão de Ermitão” e saiu a esmolar pela província, levando consigo seu oratório portátil e a história milagrosa de sua cura.

Rapidamente a construção de uma Capela para o Bom Jesus foi iniciada e no dia 25 de dezembro de 1759 foi celebrada a primeira missa pelo Padre Francisco da Costa e alegrada pelo músico Antônio do Carmo. No ano seguinte Feliciano encomendou em Portugal, uma imagem do tamanho natural articulada do Bom Jesus, que foi colocada no altar-mor da capela recém-construída. As obras prosseguiram e, no final de 1762, Feliciano foi autorizado a colocar sua imagem em um altar na capela. As arrecadações de Feliciano com as esmolas só cresciam. A afluência de romeiros era tanta que as esmolas chegavam “dos extremos pontos de Minas e ainda de outras Capitanias”.

Cumprida a promessa, Feliciano Mendes continuou a esmolar pelas redondezas, mas foi surpreendido pela morte em 23 de setembro de 1765, quando se encontrava no distrito de Antônio Pereira em Mariana.

Feliciano Mendes e seu legado:

Continuaram o projeto da então capela do Bom Jesus após o falecimento de Feliciano Mendes, os ermitões que o sucederam. O primeiro deles foi Custódio Gonçalves de Vasconcelos, entre os anos de 1765 a 1776. Depois Inácio Gonçalves Pereira (1776-1790). Tomás da Maia Brito (1790-1794) foi quem deu forma ao monumental adro, preparando assim o espaço para as futuras esculturas dos Profetas de Aleijadinho que fora contratado por Vicente Freire de Andrada (1794-1809), que encerrou o ciclo dos ermitões na capela. E foi nesse período que realizaram a maioria das obras (artísticas e arquitetônicas) do complexo do Bom Jesus: a Sala dos Milagres, a Residência dos Padres, o primeiro sistema de abastecimento de água, as Romarias (casas para receber e abrigar os romeiros), a primeira capela dos Passos, as estátuas da Via Crucis e os 12 Profetas esculpidos por Aleijadinho e seu ateliê.

Após a morte do último ermitão, Vicente Freire de Andrade em 1809, a Irmandade do Bom Jesus, já constituída, passou a assumir a administração do Santuário por meio de uma Mesa Administradora formada em 1810. A partir daí a Mesa seria a responsável pela escolha dos administradores, controlaria as entradas das esmolas e os gastos. Porém, a primeira administração da Irmandade durou poucos anos até a chegada dos Padres da Missão (Lazaristas) em 1827, que passaram a administrar o complexo do Bom Jesus até 1855.

Com a instituição da devoção ao Bom Jesus de Matosinhos em 1765, iniciou-se uma acanhada peregrinação para o local onde se encontrava uma cruz, instalada por Feliciano Mendes. Esse movimento de fiéis/peregrinos se relacionava com a força que a fé exercia sobre os colonos portugueses. Outro importante aspecto que favorecia a peregrinação era o relato do milagre alcançado por Feliciano e sua admirável dedicação à causa do Bom Jesus. A andança de Feliciano Mendes em busca de esmolas serviu como propaganda e favoreceu a propagação da devoção ao Bom Jesus pelos rincões de Minas Gerais.

A partir de então principiaram-se os festejos para celebrar o Bom Jesus, sempre com a crescente participação dos fiéis. Em setembro de 1775, durante as celebrações dedicadas ao Bom Jesus, Manoel Dias de Oliveira – um dos grandes músicos mineiros da época, foi contratado para tocar durante três dias da festa que daria origem ao tradicional Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas.

No ano de 1779 a festa já havia se consolidado quando o Papa Pio VI a oficializou e a transformou em um Jubileu, publicando uma série de brevês que concediam a possibilidade de se conseguir a indulgência plenária para o perdão das penas dos pecados cometidos pelos fiéis. E em agosto do mesmo ano, o Vigário geral de Mariana, Cônego Ignácio Correa de Sá, determinou as datas de 03 de maio (invenção da Santa Cruz) e 14 de setembro (exaltação da Santa Cruz) para as celebrações do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas após os breves concedidos pelo Papa Pio VI.

Em setembro de 1780 era iniciado o primeiro Jubileu oficial em honra do Senhor Bom Jesus de Matosinhos com a realização de várias missas diárias, todas sempre acompanhadas pelo organista e violinista de Ouro Preto, Caetano Rodrigues da Silva, contratado para abrilhantar as solenidades, tocando o órgão recém-adquirido do comerciante João de Miranda ao custo de 100$000. Para realizar as celebrações, onze sacerdotes atenderam os romeiros durante as festividades do Jubileu.

O primeiro relato sobre a devoção e peregrinação à Igreja do Bom Jesus em Congonhas encontramos nas famosas “Cartas Chilenas” do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, que assim escreveu: “Distante nove léguas desta terra/ há uma grande ermida; que se chama/ Senhor de Matosinhos; este templo/ os devotos fiéis a si convoca/ por sua arquitetura, pelo sítio/ e, ainda muito tempo mais; pelos prodígios/ com que Deus enobrece a Santa Imagem”.

Crença e devoção se desenvolveram atreladas à fé no poder de cura do Bom Jesus, decorrente das promessas feitas a ele.

O Jubileu:

Desde sua instituição oficial em 1779, o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas já podia ser considerado como um pujante processo de peregrinação no ainda Brasil colonial. E esse processo continuou a tomar vigor no transcorrer do século 19.

Os administradores/organizadores do portentoso Jubileu convidava de outras paragens diversos sacerdotes para auxiliar os capelães nas inúmeras práticas religiosas. E esse costume segue ainda nos dias atuais.

Em seus primórdios o Jubileu acontecia com a prática de novenas e missas cantadas com o acompanhamento musical de bandas da região. A primeira missa era celebrada às 6h da manhã e seguiam-se as demais de duas em duas horas até as 17h quando se realizava a missa final. Após às 18h os padres faziam suas pregações aos romeiros finalizando com a procissão do terço em volta da igreja. A missa de encerramento do Jubileu acontecia dia 14 onde eram dadas bênçãos e proferido o sermão da despedida.

Após a autorização do Cônego Ignácio Correa de Sá em 1780, o Jubileu passou ter duas festas anuais: a primeira em uma na semana que terminasse em 3 de maio (dia da Santa Cruz), e a segunda que terminasse na semana do dia 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz). Mas já na década seguinte os festejos do Jubileu do mês de maio foi sofrendo com a perda significativa da presença dos fiéis que eram desencorajados pelas chuvas que deixavam os precários caminhos ainda piores, e por isso foi extinto.

Em um outro momento de sua história, com a presença da Congregação dos Padres Redentoristas em Congonhas, o Jubileu de maio foi reativado a partir do ano de 1926, sendo festejado com novena dedicada ao Bom Jesus de Matosinhos e sua imagem crucificada conduzida ao redor da igreja em solene procissão. Mas essa nova tentativa de realizar o jubileu no mês maio não atraiu grande número de fiéis e poucos anos depois foi novamente extinto.

A prática da procissão no mês de setembro também era realizada como relatada no ano de 1908 pela administração diocesana do Santuário. Consistia na reza do terço em procissão no entorno da igreja no primeiro domingo de setembro tendo à frente a imagem de Nossa Senhora com o Capelão levando atrás do andor o Crucifixo com a imagem do Cristo crucificado que, com o passar dos anos, também se perdeu.

Os Padres Lazaristas (Congregação da Missão), administraram o Santuário entre os anos de 1827 a 1855 e eram destacados pela ênfase que davam em suas pregações, notadamente severas e sempre recorrendo a prática da punição dos pecados com ações mais elevadas de fé. Jornais do século 19 noticiavam existir o cumprimento de promessa por parte dos peregrinos como a de serem arrastados, presos a correntes ou cordas, e até pelos cabelos, pela ladeira até o altar em atos de autoflagelação como demonstração de se repetir o sofrimento vivido por Jesus Cristo. Somente no ano de 1939 tais atos foram terminantemente proibidos pelas autoridades eclesiásticas.

Entre os anos de 1896 a 1903 os Padres Maristas administram somente o Colégio Matosinhos e não interferiram na organização do Jubileu.

A partir de 1924 (até 1971) coube aos Padres Redentoristas a administração do Santuário e do Colégio Santo Afonso sendo estes muito influentes na comunidade através de suas ações religiosas e sociais.

As práticas religiosas e profanas do Jubileu:

Foram os próprios peregrinos que moldaram a festa dedicada ao Bom Jesus e que, de maneira particular, criaram suas práticas religiosas.

São cinco atos indispensáveis ao peregrino que define sua presença em Congonhas na semana de setembro que reverencia o Bom Jesus de Matosinhos.

O primeiro ato é subir a ladeira que leva ao sacro monte. Em seguida passar pelo abrigo dos pobres e desvalidos e deixar lá sua contribuição em auxílio dos mesmos. O terceiro ato é se confessar diante do Padre. A passagem pela fila do “beijo”, para beijar a fita vermelha diante da imagem do Senhor Morto e sair direto na Sala dos Milagres, constitui o quarto ato de sua peregrinação. E por fim, em seu último ato, o romeiro/peregrino assisti a missa final recebendo assim a bênção dos objetos pelo celebrante com água benta.

Cabe ressaltar que não é exatamente nessa ordem que o romeiro cumpre sua passagem por Congonhas, mas ele as cumpre para garantir válida a sua presença e para renovar os votos para o próximo Jubileu. E até o final da década de 1980 ainda era comum os romeiros se despedirem de Congonhas entoando um cântico ao Bom Jesus.

Mas o que não pertence ao âmbito do sagrado também acontecia concomitantemente com as celebrações de fé do Jubileu e se realizavam do outro lado da ponte sob o rio Maranhão. Bailes, jogos e diversas atrações mundanas, inclusive os prostíbulos temporários, eram constantes até meados dos anos 1980.

A presença das mulheres ciganas era constante e se posicionavam estrategicamente no “pé” da ladeira para “ler as mãos” dos desavisados. E com o passar do tempo essas práticas quase que cessaram. Também sempre foi comum a presença de larápios e espertalhões que abusavam (e ainda abusam) da boa-fé dos mais incautos peregrinos para auferir alguma vantagem.

A diversão: circos e parques:

Durante as primeiras décadas do século 20 vinham de longe inúmeros artistas e os mais famosos circos que apresentavam atrações antes vistas somente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, com variadas atrações no picadeiro. A abertura dos espetáculos era feita com musicais da época e diversos eram os números artísticos com palhaços, trapezistas, equilibristas, mágicos e dançarinas de rumba. O palhaço Carequinha, um dos mais famosos do Brasil, se apresentou em diferentes números circenses no Jubileu de Congonhas durante anos.

Animais, em sua maioria exóticos, também faziam suas apresentações sob o comando dos domadores. Até museus de cera ambulantes eram vistos. Outra atração grandiosamente aguardada pelo público eram as lutas livres promovidas pelas mulheres da família paulista Zumbano que fizeram história pelo Brasil. Elas desafiavam homens da plateia para lutarem no picadeiro.

Por fim, o momento mais aguardado nos circos eram os shows que encerravam os espetáculos. Grandes artistas da música popular brasileira se apresentaram em Congonhas nessa época: Francisco Petrônio, Orlando Silva, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Adelaide Chiozo e seu acordeom e muitos outros.

A partir do final da década de 1960 uma nova prática de diversão se estabeleceu no Jubileu: os parques de diversões; uma novidade que cativou principalmente crianças e jovens que se divertiam, e ainda divertem, na roda gigante, chapéu mexicano e tantos outros brinquedos.

As hospedarias:

Uma preocupação que sempre existiu por parte dos organizadores/administradores do jubileu era a de acolher bem os romeiros. Desde o início da construção da capela foram investidos também recursos para abrigar os trabalhadores já que a margem esquerda do rio Maranhão era desprovida de construções. Pouco tempo depois essas casas, antes destinadas aos trabalhadores, passaram a servir de pouso aos peregrinos que iniciavam o costume de, anualmente, dobrar seus joelhos diante do Cristo Crucificado em Congonhas. Costume esse que se transformou em um histórico evento enraizado na tradição dos católicos, especialmente, os mineiros.

A trajetória dos festejos do Jubileu foi se alterando gradualmente até as três primeiras décadas do século XX quando a administração dos Padres Redentoristas promoveu significativas mudanças para receber os peregrinos.

As casas de hospedagem “sertão” e “varandas” foram demolidas do entorno da igreja assim como a parte frontal do seminário que sofreu um recuo de 8 metros, com o objetivo de permitir um melhor fluxo da multidão que, até então, se espremia durante as missas campais.

E para suprir essa aparente diminuição na oferta de vagas em hospedagem, decidiram construir um grande complexo para abrigar os romeiros, surgindo então as casas no formato oval com um pórtico de entrada para controle. Esse local tempos depois iria ficar conhecido como “romaria”.

As novas hospedarias circulares funcionaram entre 1936 a 1966 quando foram desativadas em definitivo. Nessa época (década de 1960) Congonhas já era bem servida pela estrada de ferro e pela recém-inaugurada BR-3, a atual BR040, permitindo que os romeiros pudessem ir e vir no mesmo dia, como acontece atualmente.

Vale destacar que durante a existência dos abrigos para os romeiros, diversos problemas sociais foram surgindo. Um desses problemas era: como muitos romeiros ou pobres não iam embora depois da festa, criava-se um ambiente muitas vezes deteriorado socialmente. Este fato, juntamente com as transformações nos transportes que permitiu a ida e o retorno do romeiro no mesmo dia, levou à desativação de todas as romarias e até mesmo à demolição de algumas delas.

Todavia, ficou no imaginário dos antigos romeiros as casas de hospedagens que os abrigavam durante os festejos do jubileu.

A viagem:

Em seus primeiros 120 anos de festejos, o jubileu atraia os romeiros que viam a pé ou em lombo de animais por caminhos tortuosos e precários.

Mas após a inauguração da estação ferroviária do Distrito de Lobo Leite em 25/08/1886 pela Estrada de Ferro Dom Pedro II, um novo transporte de massa iria alterar a dinâmica do jubileu e mudaria de maneira significativa o comportamento dos peregrinos durante o século 20.

Distante apenas a 8km do Santuário, a estação de Lobo Leite passou a ser o destino dos romeiros que anualmente se dirigiam ao Santuário do Bom Jesus. Passou a ser alí a ‘porta de entrada’ do jubileu pois os trens de passageiros traziam milhares deles diariamente.

E como o número de peregrinos aumentava ano a ano, um ramal férreo, de iniciativa privada, foi construído a partir de 1897 e inaugurado em 01/09/1899. Para atender a iniciativa foi constituída a Estrada de Ferro Congonhas do Campo que posteriormente foi rebatizada para Estrada de Ferro Vale do Paraopeba tendo o Santuário do Bom Jesus se tornado um investidor no projeto e custeado 1/3 do valor das obras e aquisição de equipamentos ferroviários. Em pouco tempo essa pequena ferrovia de 8km de extensão ganhou a alcunha de “Trem do Bispo” em alusão à atitude do então Bispo Dom Silvério Gomes Pimenta em autorizar o administrador do Santuário, Padre Cândido Veloso, a investir no transporte de romeiros. Essa atitude do Bispo de Mariana a fez única todo o Brasil: a Igreja Católica ser sócia/investidora em um ramal férreo.

O ponto de partida do “Trem do Bispo” era no km 479 da E. F. Dom Pedro II (rebatizada após a proclamação da república para E. F. Central do Brasil) que fica 3km antes da estação de Lobo Leite. Nesse local foi construída a estação “Jubileu”. E seu ponto final, após margear grande parte do rio Maranhão, era na estão “Santuário”, onde atualmente funciona o banco Santander e o restaurante Bell Freezer, região central de Congonhas.

O “Trem do Bispo” funcionou até 1917 quando foi desativado após a inauguração da estação “Congonhas do Campo” no ramal do Paraopeba pela E. F. Central do Brasil, permitindo assim que os romeiros chegassem/partissem diretamente desse ponto e não mais terem que fazer baldeações na antiga estação “Jubileu”.

Foi a partir da oferta dos trens de passageiros que se iniciaram as grandes caravanas de romeiros nos meses de março e junho (antecedendo ao jubileu de setembro) a partir do ano de 1900. Relatos em jornais nos mostram que, somente em um único dia do mês março de 1901, desembarcaram em Congonhas uma caravana de mais de 500 peregrinos provenientes da zona da mata mineira. E após cumprirem seus atos devocionais, embarcaram no fim do dia de volta para seus lares.

No final da década de 1940, intensificou-se o transporte de romeiros em caminhões, ônibus e carros. E essa maior abundância dos automóveis e transportes coletivos acabou por modificar a celebração do Jubileu, aumentando o fluxo diário de peregrinos.

O Jubileu é para muitos romeiros a grande oportunidade de realizarem a única viagem do ano.

O comércio:

         Desde o surgimento da festa do Jubileu já encontramos relatos do comércio em paralelo à festa religiosa. Comerciantes, em sua grande maioria vindos de São Paulo se estabeleceram na ladeira Bom Jesus ainda no final do século 18 e criaram uma referência no local que, passadas várias gerações, permanece até os dias atuais.

         A partir da década de 1920, as ruas da estação e da poeira, assim chamadas as ruas Governador Valadares e Dr. Paulo Mendes, se tornaram o ponto de confluência das pessoas que vinham de trens, caminhões, no lombo de animais e mesmo a pé para dali, num movimento frenético, subirem a ladeira em direção a Basílica e aos pés do Bom Jesus pagarem suas promessas e renovarem sua fé.

Por mais de 200 anos as barracas eram instaladas entre a praça da Matriz até a Basílica do Bom Jesus. Também eram vistas na rua da estação. Vendiam (e ainda vendem) todo tipo de mercadorias inclusive frutas – maçãs e peras argentinas, uma grande novidade introduzida na década de 1940 e que tempos depois daria origem à afamada ‘maçã do amor’. Só para ilustrar, a barraca de “churros” marca presença no Jubileu a mais de 40 anos.

Dos comerciantes que vinham anualmente à Congonhas dois eram folclóricos e populares e se tornaram lendas para os romeiros: o turco Chaim que vendia joias e relógios e mascava cebola o dia todo e o inesquecível Sr. Abrahão das rendas. Até as estimadas Violas de Queluz somente eram comercializadas no Jubileu pelos membros das famílias Salgado e Meirelles, afamados fabricantes desse instrumento que encantou Dom Pedro II e ganhou o Brasil através dos romeiros.

O Jubileu lançava e ditava a moda e os costumes do povo mineiro até meados dos anos 1970.

A organização do Jubileu:

Vale destacar que o início da participação da prefeitura municipal de Congonhas na organização da festa foi outro fator importante nas transformações do Jubileu. Até os finais dos anos 1930, a festa era organizada pela Igreja; a partir dos anos 1940, ela foi dividida: a parte religiosa e assistencial continuou a ser organizada pela Igreja, enquanto o restante ficou a cargo do Poder Público.

As doenças e as “fake News”:

         O Jubileu também já sofreu (e ainda sofre) com surtos de doenças. Relatos em jornais nos mostram que esses surtos já comprometeram diversas celebrações. Um deles foi no início da década de 1890 quando a varíola se espalhou pela região causando temor no fieis. A organização do Jubileu contou na época com médicos vindos de várias cidades para garantir a festa.

         A gripe “espanhola” foi outro temor entre os anos de 1919 a 1922. Mas mesmo assim as celebrações aconteceram normalmente.

         E mais recentemente, em 2009, não tivemos as celebrações em função da “gripe suína”. As autoridades municipais e eclesiásticas entenderam ser mais prudente suspender os festejos do Jubileu. Assim como deverá acontecer neste ano devido a pandemia da Covid-19.

         Já as notícias falsas, as “fake news” que conhecemos atualmente, também já atrapalharam o Jubileu em outros tempos. Em 1895, devido a uma disputa entre a Mesa da Irmandade do Bom Jesus e a Diocese de Mariana pela organização da festa, foi noticiado em jornais de grande circulação em Minas Gerais que o Jubileu não aconteceria devido ao novo surto de varíola, fato este que não aconteceu.

A Rádio Congonhas:

         Criada sob a inspiração do então Arcebispo de Mariana Dom Oscar de Oliveira iniciou suas atividades em 19/11/1961 logo se tornando um marco em todo a região do Alto Paraopeba, sendo administrada em seus primeiros anos pelos padres Redentoristas. É uma rádio aberta a todos os segmentos da comunidade e inclinada aos ensinamentos católicos ficando conhecida como a “emissora do Bom Jesus”.

         E de imediato o romeiro logo se identificou com seus microfones criando um vínculo forte que perdura até os dias atuais. Se tornou um meio de comunicação com os familiares e amigos que não puderam vir a Congonhas durante o Jubileu.

         Assim que chegam diante da Basílica do Bom Jesus o romeiro logo procura os microfones da rádio para “deixar seu recado” àqueles de quem tem estima e consideração, levar a mensagem da fé e devoção, relatar a graça alcançada e também relatar como está sendo a sua passagem por Congonhas.

O Jubileu de Congonhas é mágico, se inventa e reinventa, mas ainda mantém preservada a sua essência: a fé no Bom Jesus.

Fontes consultadas:

Relação Chronologica do Santuário e Irmandade do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo no Estado de Minas Gerais de autoria do Padre Júlio Engracia, editado em São Paulo em 1908 pela Editora Escolas Profissionais Salesiana.

A Basílica do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo – Edgard de Cerqueira Falcão – 1953

Turismo religioso: Jubileu do Senhor Bom Jesus de Congonhas de Matosinhos – Congonhas do Campo – Flávio Vitarelli – 1997.

Manual do Romeiro do Bom Jesus de Congonhas de autoria de Fábio França em 2001.

A espacialidade na construção da identidade: a Feira do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em. Congonhas do Campo/MG de autoria de Thiago Duarte Pimentel. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

O Jubileu do Bom Jesus em Congonhas entre a tradição e a reforma ultramontana – Ítalo Domingos Santirocchi – 2011.

O Jubileu do Senhor Bom Jesus em Congonhas: discursividades religiosas e relações de poder (1780-1809) – Herinaldo Oliveira Alves – 2013.

Arte e Paixão – Congonhas de Aleijadinho – Fábio França – 2017

Congonhas – Da fé de Feliciano à genialidade de Aleijadinho – Domingos Teodoro da Costa – 2020

Jornais: O Pharol, O Dia, Minas Gerais, O Bom Jesus, Jornal de Queluz, O Bem Público, Diário de Minas e Correio Oficial de Minas –editados/publicados entre 1850 e 1960.

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Coluna André Candreva

Congonhas e os visitantes estrangeiros no século 19

CARNAVAL PROLONGADO

Vivemos esse tempo diferente e difícil de Pandemia. Jamais o mundo tivera passado por uma experiência tão tresloucada como essa. Nem nos tempos das maiores pestes, nem das supostas maiores tragédias da humanidade. Reclusão. Distanciamento. Isolamento. Terror midiático. E mentiras, muitas mentiras. Se nem tudo são mentiras, quase tudo não é verdade. Faz tempo que ando meio desconfiado dessas informações e não me desce tão facilmente o relato de diário de tantas milhares de mortes. Não se morre de mais nada no país, desde abril deste ano. Só se morre de covid-19. Cá para nós, hein? Quando saberemos, de verdade, dos reais números de toda essa tragédia? Espanta-me a tranquilidade com as notícias são absorvidas e assimiladas, sem se quer, minimamente, se questionar a situação, não é mesmo? Além do mais, de uma hora para outra e diante do agravamento da contaminação e da expansão do Corona, todos nós abrimos mão de nosso direito mais sagrado: nossa liberdade. Entregamo-nos todos a um Estado, que “mal-mal” se mantém de pé, nosso direito de ir e vir. Ao longo dos últimos meses se implantou, por causa da TV e de uma certa lavagem cerebral, sobretudo, um estado de sítio e de terror no país. E muita gente acabou ficando neurada com essa situação. Precisamos de nos preparar para juntas os cacos que irão restar de tudo isso… e já lhes adianto: teremos graves problemas emocionais e psicológicos. Nem vou falar da gravíssima questão do mercado de trabalho por enquanto. Ainda estou entre os muito poucos que acreditam que o isolamento social poderia ter sido implantado numa outra perspectiva, com mais critérios e outros discernimentos. De uma hora para outra nos vimos cumprindo prisão domiciliar, sem que, ou nos tivessem preparado para tanto ou sem que nós nos preparássemos individual e comunitariamente. Houve como que um passo desacelerado diante de um quadro de tragédia irrefreável. Bem verdade também que as coisas foram se atropelando. No fundo no fundo, ninguém estava preparado para tal, visto que o tsunami implantado pelo Coronavírus, de quem já tomei profundo ranço e com quem nem quero conversa, colocou o mundo de ponta-cabeça. Nem a mente mais fértil, nem o imaginário mais audacioso poderia se dar conta destas questões. Certo é que vivemos um carnaval prolongado, porque está aí estampada a neura do uso constante de máscara e tantas outras questões, que, oportunamente, parece que nosso carnaval, totalmente atípico, e prolongado não acaba mais; vamos abordar neste nosso retorno a esta coluna… Jogo de cintura……. aliás jogo de cintura terão que ter os times de futebol com essa chatice sem fim de partidas sem torcida……. com aquela estupidez inventada aqui em Minas Gerais de colocar um DJ tocando vozes de torcida em estádio de futebol, para ludibriar meios de comunicação, dando a falsa impressão de estádios lotados e torcida entusiasmada, fazendo mixagens de torcida alvoroçada…. vai saber, né? Pois é. Hic sumus! Aqui estamos… e como dizem por aí: vamos que vamos!

Congonhas e os visitantes estrangeiros no século 19

Caro leitor,

Fiquei honrado diante do convite feito pelo amigo Guilherme, diretor-chefe do conceituado Correio de Minas para integrar o “time” de colunistas e levar até você a minha coluna intitulada “Congonhas do Campo” que se inicia hoje contando um pouco da história da “cidade dos profetas”.

Início com um relato sobre a presença dos estrangeiros durante o século 19 e como alguns deles relataram em seus diários de viagens o que viram em Congonhas e região.

Espero que gostem. Boa leitura.

Congonhas e os visitantes estrangeiros no século 19

O Brasil colonial vivia a passos lentos em seu desenvolvimento e progresso como determinava o domínio português cujo objetivo maior era extrair da colônia suas riquezas minerais e leva-las para o reino além mar.

Os portos eram fechados. Só entravam na colônia quem os portugueses autorizavam. Tudo era restrito e mesmo com o intenso comércio com a Inglaterra e o constante tráfico de pessoas escravizadas da costa africana, a presença de estrangeiros em terras brasileiras era restrita e muito bem controlada.

Esse cenário só iria mudar após a vinda da corte portuguesa para o Brasil no ano de 1808. Dom João VI ao se estabelecer em terras tupiniquins passou a exigir melhorias na condição de vida das províncias, principalmente no Rio de Janeiro.

E uma de suas ações foi promover a abertura dos portos à nações amigas de Portugal, principalmente a Inglaterra.

Assim inicia-se a vinda para cá dos viajantes europeus ávidos em desbravar e conhecer melhor o Brasil, atraindo pesquisadores e naturalistas ingleses, alemães e franceses desejosos em pesquisar nosso modo de viver.

E por estar localizada em uma região que durante o século 18 produziu uma estrondosa riqueza mineral em ouro e pedras preciosas, Congonhas foi de imediato o destino de alguns desses estrangeiros no qual compilamos vários relatos destes intrépidos viajantes que aqui passaram durante o século 19.

A vinda da Corte Portuguesa ao Brasil trouxe consequências não esperadas para a história de Congonhas, onde as reservas de ferro já haviam sido notadas por diversos naturalistas como o inconfidente José Álvares Maciel e pelo naturalista Vieira Couto, tornou-se possível a elaboração de um projeto vultuoso para a superação da condição colonial. Congonhas recebeu grande influência dos progressos desse período com destaque para, próximo de seu centro, a instalação de uma das fábricas de ferro que iniciaria a siderurgia industrial no Brasil do século 19.

Barão de Eschwege

Dom João VI contratou diversos profissionais para auxiliá-lo no desenvolvimento da então colônia brasileira. Um desses profissionais foi o geólogo e metalúrgico alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege, também conhecido como Barão de Eschwege.

Ele chegou ao Brasil em 1811 e aqui permaneceu até o final de 1821 quando retornou à Alemanha. Sua missão inicial era pesquisar o solo da região das minas de ouro.

Em 07/08/1811 ele chegou ao povoado do Redondo, o atual distrito do Alto Maranhão, onde descreveu a vila como um lugar decadente e abandonado. Seguiu pelo caminho real e logo avistou a Basílica do Bom Jesus deparando-se com a monumental obra de Aleijadinho, anotando em seu diário de viagem que as esculturas eram bem trabalhadas, porém feias e foram produzidas por um aleijado. Era de fato o primeiro olhar de um europeu às obras de Aleijadinho em Congonhas.

O barão de Eschwege permaneceria por quase 11 anos instalado entre Congonhas e Ouro Preto. Realizou um grande estudo sobre potencial mineral da então colônia para reanimar a decadente mineração de ouro e para trabalhar na nascente indústria siderúrgica. Ainda em 1811 Eschwege iniciou em Congonhas os trabalhos de construção de uma fábrica de ferro, denominada “Patriótica”, um empreendimento privado sob a forma de sociedade por ações, cujo sócio principal era Romualdo José Monteiro de Barros – o Barão do Paraopeba. Em 1812 sua siderurgia já produzia em escala industrial e é considerada a pioneira do gênero na américa latina colonial.

A fábrica é responsável não só pela introdução de novo método siderúrgico, o método catalão, mas também foi palco de atração de viajantes e introduziu os primeiros alemães a se estabelecerem em Congonhas. E como consequência beneficiou a economia local além de aumentar o impacto da produção de carvão na destruição das matas da região, que já eram usadas para isso, inclusive porque ali existiram algumas forjas pequenas, do modelo de cadinhos e produção artesanal, que produziam algum ferro antes da Fábrica Patriótica.

Auguste de Saint-Hilaire

Pouco depois chegava ao Brasil o botânico e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire em 1817. Sob a influência do Conde de Luxemburgo, embaixador da França, Saint-Hilaire explorou as regiões do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O principal interesse desse viajante em suas excursões recaia em estudos botânicos, chegando a reunir um herbário de 30.000 espécimes, que abrangia 7.000 espécies, muitas das quais até então avaliadas como desconhecidas. Além disso, coletou material de origem zoológica e forneceu impressões sobre aspectos econômicos, políticos e culturais da sociedade em geral.  Percorreu quase todo o interior de Minas Gerais.

Saint-Hilaire passou por Congonhas em 1819 vindo de Ouro Preto pelo caminho entre Cachoeira do Campo e antiga fazenda do Pires no qual anotou: “as encostas dos morros rasgadas e reviradas de todos os modos atestam o trabalho de maior vulto: o garimpo do ouro. Congonhas cai então em decadência, como tantas outras aldeias, vendo-se grande número de casas mal conservadas ou mesmo abandonadas”. Encantou-se pelas obras sacras da Basílica do Bom Jesus descrevendo-as detalhadamente. Seguiu viagem passando pelo Alto Maranhão. Saint-Hilaire ficou no Brasil até 1822.

John Luccock

John Luccock, um comerciante Inglês também visitou o Brasil entre os anos de 1817 e 1818. Relatou em seu diário a hospitalidade do povo mineiro e beleza das serras e montanhas fazendo um especial destaque da peculiar culinária. Em Congonhas percorreu as igrejas barrocas passando por último pela igreja dedicada à Nossa Senhora do Rosário dos Pretos onde logo à frente seguiria pelo caminho primitivo que o levaria à Ouro Preto.

Luccock anotou em seu diário: “o povoamento da margem oposta a Congonhas, Matozinho, é uma pequena vila, bonita, animada e limpa, composta de cerca de cento e cinquenta casas e muitas igrejas. Dependura-se à barranca setentrional do rio Paraopeba, defronte de Caacunha (Congonhas)”. Sobre Congonhas deixou anotado: “Caacunha, situada sobre as íngremes barrancas do rio, apresenta agradável aspecto, quando contemplada pelo norte. Contém cerca de duzentas casas e algumas igrejas. Uma delas, posto que diminuta em tamanho, rivaliza por seus esplêndidos ornatos com os mais admirados dos edifícios eclesiásticos do Brasil. Constituía ela o objeto principal da minha vista à localidade, ocupando-me quase a totalidade da permanência ali. Sob mais um ponto de vista, merece considerar-se como a Loretto deste país”.

Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phillipp von Martius

Os alemães da bavária Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phillipp von Martius também passaram por Congonhas em 1817 e anotaram apenas uma breve descrição da paisagem e alguns morros e cadeias de montanhas da região.

Alexander Caldcleugh

Outro inglês, agora Alexander Caldcleugh, visitou Congonhas em 1820. E ao chegar topou com uma festividade religiosa que tornou difícil até mesmo achar um local para se hospedar.

Era o dia 12 de setembro quando acontecia as celebrações do Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Caldcleugh e seus companheiros chegaram por volta das 14h e se depararam com as ruas apinhadas de gente. Anotou em seu diário: “todas as casas se encontravam ocupadas e pessoas estendiam colchões pelas ruas. Sequer encontravam abrigo contra o sol forte. Apenas mais tarde é que conseguimos pouso em uma pequena cabana bem periférica, um pouco mais distante da cidade”.

Durante toda a tarde ele vira os fiéis entrarem e saírem de uma igreja a outra para ouvir sermões, até que por volta das 21h a cidade silenciou por completo.

Charles James Fox Bunbury

Charles James Fox Bunbury, também inglês, passou por Congonhas em janeiro de 1835 e quase nada registrou. Não permaneceu mais que um pernoite.

Richard Francis Burton

Tempos depois passaria por Congonhas e Alto Maranhão o inglês Richard Francis Burton no ano de 1867. Burton era Geógrafo e Diplomata e baseando-se nos escritos do barão de Eschwege e do naturalista Auguste de Saint-Hilaire, teve um olhar especial sobre Congonhas admirando exaustivamente a obra de Aleijadinho. Burton ficou em Congonhas por 2 dias e chegou a se banhar nas águas ainda límpidas do rio Maranhão numa manhã fria do mês de agosto para espanto das mulheres e homens que ali estavam a realizar suas tarefas diárias. E deixou anotado em seu diário que as margens do rio Maranhão ainda tinham as marcas das explorações de ouro feitas no século 18.

Ainda sobre o rio destacou que o mesmo era o divisor natural de Congonhas e Matosinhos que, em sua opinião, eram lugares completamente diferentes. Burton anotou em seu diário a primeira visão que teve da paisagem entre Congonhas e Ouro Branco: “cerca de três horas da tarde, quando a viagem se tornara uma delícia, chegamos à crista de um morro e, de repente, avistamos Congonhas, como Trieste é avistada, ou melhor, como Trieste era avistada, outrora, de uma velha diligência. A localidade se situa na parte meridional de um lindo vale, em oval, cujo longo diâmetro, de nordeste para noroeste, é formado pelo rio Maranhão. A água corre em uma terra coberta de verdura esmeraldina em rico terreno de prados, raro em Minas, onde as depressões são estreitas. Corte e entalhes de argila branca, vermelha e amarela na parte superior do leito são os únicos vestígios das minas de ouro, outrora ricas. Para o norte, fica a vasta e fragosa serra, reta e semelhante a um paredão; é chamada Serra de N. Sra. da Boa Morte, nome de uma aldeia e uma capela dessa invocação; seu ponto culminante é o pico do Itabira, que avistamos então, e, naquele ponto, ela forma um semicírculo que se estende até as montanhas de Congonhas, um maciço a oeste. Para leste, fica a grande cadeia de Ouro Branco, cujo aspecto varia muito, de acordo com os diferentes ângulos em que é observada”.

Burton teve dificuldades de conseguir alojamento devido à quantidade de peregrinos em romaria ao Senhor Bom Jesus. E sobre a religiosidade observou: “À primeira vista, Congonhas parece ser toda uma igreja e um convento. Logo, porém, aparece um segundo templo, mais para o vale ribeirinho; tem duas torres e é pintado de branco e preto…”.

Não deixou de observar as casas “caiadas, ofuscantes à luz solar, espalham-se formando uma linha no eixo transversal entre os dois santuários. Descemos uma ladeira rochosa e calçada, de uma inclinação excessiva, e em breve, nos vimos sob o teto do Alferes Gurgel de Santana…”. Burton se referia à pensão do Alferes Gurgel na ladeira Bom Jesus onde atualmente funciona a secretaria de Cultura.

James Wells

E em 1875 o engenheiro inglês James Wells permaneceu alguns dias em Congonhas ficando também hospedado na pensão do Alferes Gurgel. Wells anotou em seu diário que “a hospedaria era um local limpo e agradável e as refeições servidas deliciosas”.

Descreveu Congonhas como pitoresca e interessante povoação: “no primeiro plano, à esquerda, ficam os prédios espalhados, de considerável pretensão e tamanho, da igreja, convento e colégio, tornando as casas da cidade bem inferiores em comparação; no terreno côncavo a nossos pés ficam os telhados vermelhos e paredes brancas reluzentes das casas e lojas. O rio Maranhão, um curso de águas claras no fundo do vale, meandra sobre cascalho e matacões, por entre margens de relva verde; além dele, na elevação, ficam as casas da vila e a igreja Matozinhos…”.

Não deixou de observar que ainda havia em Congonhas a procura pelo ouro por todos os lados: “ao cruzarmos o rio Maranhão vemos as lavadeiras trabalhando, batendo nas pedras chatas as roupas molhadas e perto delas homens com bateia na mão, cheia de cascalho do leito do rio, garimpando ouro”.

Wells veio para Congonhas com o objetivo de realizar os estudos técnicos para a construção de um ramal férreo que margeasse o rio Paraopeba até sua foz no rio São Francisco estando a serviço da companhia belga de estradas de ferro investidora no Brasil imperial de Dom Pedro II. Wells fez um trabalho primoroso que culminou na construção do ramal férreo do Paraopeba com mais de 140 km de extensão partindo onde atualmente é o bairro de Joaquim Murtinho, passando por Congonhas até chegar em Belo Horizonte.

“Império das festas”

O Brasil durante o século 19 recebeu a visita de muitos outros viajantes estrangeiros que percorreram o interior do país cujo teor era, sobretudo, científico. Paralelamente, vivia-se, em Minas Gerais, uma espécie de “império das festas” como muitos desses viajantes anotaram em seus diários.

Colocando um olhar mais atento aos seus relatos vemos que realizaram um o trabalho de análise arqueológica e cartográfica, destacando a geografia local, a diversidade biológica e os recursos minerais, além de realçarem o rico calendário festivo que engendrava a sociedade mineira nesse período.

Encontramos em seus diários de viagem relatos sobre as festas aqui praticadas destacando as religiosas (missas, procissões, romarias, cavalhadas e celebrações), cívicas (celebrações ao poder político constituído), públicas (carnaval e ano-novo), domésticas (batizados, casamentos e jantares), negras (alforria, coroação, entre outras), indígenas (colheitas, danças e funerais), divertimentos públicos (jogos, teatro e fandangos), divertimentos domésticos (bailes, saraus e almoços), hospitalidade (eventos de acolhimento, gentileza, polidez e despedida) e suspensão do trabalho (lazer, dia de descanso e momento de liberdade para os negros).

Apesar desses relatos narrarem o comportamento afetivo do povo mineiro, vê-se que a sociedade daquele período não se traduzia necessariamente por elementos pacificadores. A opressão também foi relatada pelos viajantes como muito mais cruel em Minas, provocando a rebeldia que culminou na Inconfidência Mineira, fazendo emergir a figura de Tiradentes. O viajante Burton descreve esse movimento classificando-o como uma embrionária tentativa de estabelecer a república além de terem observado o modo cruel como eram tratados e explorados os escravizados.

Os viajantes europeus do século 19 estabeleceram uma estreita relação com o povo mineiro e através de seus relatos é possível conhecer mais a fundo como vivia a nossa sociedade nesse período.

Site estreia novo colunista

André Sanches Candreva, natural de Conselheiro Lafaiete/MG, nasceu em 1971. Graduado em Análise de Sistemas pela Unipac e pós-graduado em Gestão Pública pela Uninter/PR, Tecnologia da Informação voltada para a Educação e História do Brasil pela Universidade Cândido Mendes. É servidor público municipal da Câmara Municipal de Congonhas. Em 2012 foi agraciado com o título de ‘Honra ao Mérito’ da Câmara Municipal pelo exemplo de servidor público. Participou durante três anos consecutivos do programa “Show de Prêmios” da Rádio Congonhas sendo campeão na edição de 1988. No universo do automóvel é aficionado por carros antigos e conhecedor de sua história. Comentarista especializado em automobilismo nos programas esportivos das rádios Congonhas/AM e Educativa FM. Em 2009 transmitiu ao vivo pela Rádio Congonhas o GP Brasil de F1 realizado no autódromo de Interlagos. Idealizador e mantenedor do blog “Por Dentro dos Boxes”. Entre 2010 e 2016 foi o locutor do Clube de Autos Antigos de Congonhas durante os encontros anuais realizados na Romaria. Idealizou e organizou, entre 2013 e 2016, o Bate-Papo do Clube de Autos Antigos de Congonhas realizado mensalmente na estação ferroviária. Pesquisa e escreve sobre a história da ferrovia em Congonhas e região. É de sua autoria o artigo “Estação Congonhas – 100 anos de história” apresentado durante as festividades do centenário da estação promovido pela Prefeitura Municipal de Congonhas em novembro de 2014. Em 2017 foi agraciado com a Comenda Antônio Francisco Lisboa pelo Executivo Municipal e a Comenda Lavínio Themoteo da Silva pelo Legislativo Municipal. Neste mesmo ano apresentou na Flic – Festa Literária de Congonhas o artigo “Estrada de Ferro Vale do Paraopeba – Nos Trilhos da Fé” – que narra a construção do ramal férreo “Trem do Bispo” em Congonhas. Em novembro de 2018 foi eleito membro efetivo da Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas – ACLAC onde desde 2014 apresenta aos confrades e confreiras palestras com temas sobre a história da Cidade dos Profetas. Ainda em 2018 foi o curador da exposição “Congonhas – 80 anos de emancipação” no Museu da Imagem e Memória que contou como foi o processo político da criação do município de Congonhas. Na mesma exposição reproduziu em uma maquete a importância da ferrovia no desenvolvimento da cidade ao longo desse período. É de sua autoria o capítulo “Jubileu de Congonhas e a Viola de Queluz” que faz parte da obra literária “Violas de Queluz” lançado em março de 2019. Neste mesmo ano criou a página “Hoje na História de Congonhas” na plataforma do Facebook que divulga diariamente os fatos mais importantes da “Cidade dos Profetas”. Participou efetivamente da equipe de pesquisas sobre a vida do médium José Pedro de Freitas – o Zé Arigó, que subsidiou a produção do filme Predestinado – Arigó e o espírito do Dr. Fritz que será lançado em junho de 2020. Produziu em parceria com o músico Átila Caiafa o documentário “Escaravelhos – Nos bailes da Vida” – filme que conta a trajetória do mais afamado conjunto musical de Congonhas e que lançou para o estrelato nacional o cantor e compositor Wando, lançado durante a semana de valorização do Patrimônio em agosto de 2019. Neste mesmo ano passou a compor o quadro de membro correspondente da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette – ACLCL.

Boas Vindas

Confira a coluna de estreia aqui

Garimpando – Uma rua encantada e seu passado – 8

… Lá, desde a Villa de Queluz, estava instalada a fazenda das Bananeiras, á margem da Estrada da côrte. Pertencia ao Barão de Suassui que, além desta, possuía

outras propriedades. Suas terras atingiam quase todo o vale e parte

do morro do alto dos pinheiros…

 

Imagens da Internet

Acima os brasões das famílias Tavares, Mello, Furtado e Mendonça.

 

O grande genealogista Allex Assis Milagre fez um excelente trabalho sobre a genealogia TAVARES DE MELLO. Vou transcrever apenas o que ineressa á genealogia do local que é focalizado aqui. São os antecedentes de quem morou neste bairro, que faz parte de sua história.

JOSÉ TAVARES DE MELLO, filho de Manoel Affonso Correia e Guiomar Cabral de Mello,  foi batizado na freguesia de Bom Jesus do Rabo do Peixe, Ilha de São Miguel, bispado de Angra, e falecido na fazenda da “Pedra de Cataguazes”, em Santo Amaro (Queluzito), a 17/11/1791.

Em primeiras núpcias, casou-se, em Portugal, com Maria da Conceição, tendo um filho: Bento José Tavares.

            Depois José Tavares de Melo casou-se (em Queluzito) no Brasil, em segundas núpcias, com Antônia Tavares Diniz, falecida em abril de 1829. Filhos do segundo casamento de José Tavares de Mello: Antônia Tavares Diniz; Francisca Angélica de Mello, casada com Joaquim da Costa Silva; Joaquim Tavares Diniz, nascido e batizado na freguesia de Prados, casado na igreja de Santo Amaro em 25/6/1800, com Marianna Francisca da Silva; Anna Antônia da Piedade, nascida em Santo Amaro a 11/2/1775 e falecida antes de 1829, casada na ermida Nª Sª da Boa Esperança do Cortume, em Santo Amaro, em 5/8/1795, com Luis da Cunha Lobo; José Tavares de Mello, o filho, que contraiu segundas núpcias com Joanna Marcelina Magalhaens, depois de julho de 1779.

Em 1823, José Inácio Gomes Barbosa, Capitão, filho do Capitão-mor José Inácio Gomes Barbosa e Maria Joaquina de São José, casou-se com Antônia Jesuína de Melo, filha do Alferes José Tavares de Melo e Joana Marcelina de Magalhães – casamento feito na Fazenda Engenho Grande, freguesia de Prados, pelo Cônego José Maria Ferreira Pamplona.

De acordo com Antônio Luiz Perdigão, … Lá, desde a Villa de Queluz, estava instalada a fazenda das Bananeiras, á margem da Estrada da côrte. Pertencia ao Barão de Suassui que, além desta, possuía outras propriedades. Suas terras atingiam quase todo o vale e parte do morro do alto dos pinheiros. Com a morte do Barão, a propriedade passou para o capitão Antônio Furtado de Mendonça.

           O barão e a baronesa não tinham filhos que fossem seus herdeiros.

Agora vamos ver porque a Fazenda das Bananeiras passou ás mãos do capitão Antônio Furtado de Mendonça.

De acordo com pesquisas de Allex Assis Milagre, de onde são tirados os dados que se seguirão, a baronesa Antônia Jesuína de Melo tinha uma irmã chamada Maria José Praxedes de Melo, nascida em 1808, casada na ermida da Fazenda das Pedras, em 24 de novembro de 1828, com Antônio Furtado de Mendonça, este nascido na freguesia de Itaverava e, na época morador no Pomba, filho de outro Antônio Furtado de Mendonça e de Antônia Maria da Assunção.

No próximo artigo iniciar-se-á a história da família descendente desse casal que esteve presente nas terras da Santa Matilde.

                                                                                          (Continua)

                                                     Avelina Maria Noronha de Almeida

                                                      avelinaconselheirolafaiete@gmail.com

 

 

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