Eletroque e fome: os relatos de ex-funcionários do Hospital Colônia de Barbacena

Disponível na Netflix, o documentário ‘Holocausto Brasileiro’ mostra relatos dos envolvidos do Hospital Colônia de Barbacena, com relatos fortes de ex-funcionários

Em Barbacena, Minas Gerais, o Hospital Colônia se ergue como um monumento à memória e ao horror. Entre 1903 e 1980, o local que prometia ser um refúgio para almas fragilizadas se transmutou em um palco de sofrimento e abominação, inspirando a obra ‘Holocausto Brasileiro’, da jornalista escritora Daniela Arbex.

Fundado em 1903, o Hospital Colônia, originalmente “Assistência aos Alienados”, prometia tratamento e acolhimento para pessoas com transtornos mentais. No entanto, a realidade era diferente. A superlotação, a falta de higiene, a má alimentação e a violência física e psicológica eram frequentes.

Um interno do hospital Colônia – Divulgação / Netflix

Em meio à escuridão, sussurros de resistência ecoavam. Os funcionários do Hospital Colônia, muitas vezes com recursos limitados e em condições precárias, se rebelavam contra a desumanização. O documentário ‘Holocausto Brasileiro’ que chegou na Netflix no último domingo, 25, exibe relatos de ex-pacientes do hospital, mas também exibe falas dos profissionais que trabalharam na instituição.

Más-condições

Segundo a ex-enfermeira Walkiria Monteiro, quando ela entrou no hospital havia cerca de 5 mil pacientes. Toda quarta-feira chegava um ônibus com muitos pacientes em péssimas condições vindos do Hospital Raul Soares, em Belo Horizonte. Ainda se baseando em suas palavras, o Colônia servia como uma forma de “depósito” para aqueles que eram considerados “desajeitados sociais”.

Crianças internadas no Hospital Colônia – Divulgação / Netflix

Francisca dos Reis, uma funcionária atual do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, afirma que a mãe entrou para ser funcionária do local sem ter uma avaliação adequada, logo, também não teve preparo correto.

Enfrentando a falta de treinamento, a sobrecarga de trabalho e a constante exposição à violência e à miséria, esses funcionários se dedicavam a oferecer um mínimo de dignidade aos que viviam no Colônia.

“Não tinha que ter profissão, não precisava saber ler nem escrever, basta saber distribuir a alimentação, lavar os corredores, dar banho nos pacientes, entendeu, e distribuir a medicação”, explica ela.

Segundo ela, a distribuição era muito simples: “As medicações eram um comprimido rosa e um azul. […] Simplesmente explicaram para ela: ‘Você faz a ronda. Se estiver gritando, batendo, você dá os dois juntos. Se estiver cantando, te importunando, dá o rosa’”.

No documentário, uma ex-funcionária chamada Roselmira Delbem relatou que, muitas vezes, encontrava corpos pelo corredor da instituição “um atrás do outro”, pois, eram muitos. Ela também relatou a falta de investimento no Colônia, alegando que eles não tinham mantimentos para manter os doentes da enfermaria.

“De repente, começou a vir uma canja branca, rala. Servia com a caneca, nos pratos de alumínio. Aí foi acabando, foi acabando, foi acabando… até chegar ao ponto em que aquela quantidade de pacientes morreu por falta de alimentação”, disse Roselmira.

A ex-funcionária Roselmira Delbem – Divulgação / Netflix

Walkiria também ressaltou que o local não tinha muitas injeções e que uma única agulha era usada em muitos pacientes. De acordo com a ex-enfermeira, a instituição tinha uma bacia para ferver a seringa (no singular), dez ampolas de um complexo de vitamina B e só. Essas dez ampolas não eram suficientes.

O eletrochoque

Outro recurso utilizado em abundância era o eletrochoque, graças a falta de opções (quando a vitamina e o xarope não davam conta, o que era óbvio que aconteceria). “E naquelas muito agressivas, muito violentas, que não tinha resposta, porque não tinha as medicações que tem hoje em dia, dava o eletrochoque”, diz Walkiria.

“Que eu, por sinal, fiz muito eletrochoque. […] Muitos recuperavam. Mas a gente não dava com anestesia, na época, […] era eu e o Dr. Zé Carlos. Fazia uma ou duas vezes por semana, mas os pacientes seguravam direitinho, acalmava o paciente, dava carinho pra eles. E eu punha no mínimo pra dar o eletrochoque. Eu dei muito. E a gente punha, assim, na cama, mais de 40 pacientes. Eu ficava com tristeza porque um via o outro, tendo as coisas, né?”, completa.

A ex-enfermeira Walkiria Monteiro – Divulgação / Netflix

Roselmira, que apenas auxiliava o paciente no momento do eletrochoque, também comentou sobre a prática: “Bom, era por finalidade terapêutica, né? Mas, de repente, aparecia, às vezes, alguns imprevistos, né? O paciente, às vezes, né, fazia umas travessuras, e tomava o eletrochoque”.

Documentário de Arbex

‘Holocausto Brasileiro’ expõe a negligência do Estado e a desumanização dos pacientes, muitos dos quais eram pobres, órfãos ou considerados “indesejáveis” pela sociedade. Estima-se que mais de 60 mil pessoas passaram pelo hospital, e milhares morreram em decorrência das precárias condições de vida e tratamento.

Através de fotos, vídeos e documentos históricos, o filme revela a dura realidade do Hospital Colônia e a luta por justiça e reparação das vítimas.

FONTE AVENTURAS NA HISTÓRIA

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