Projeto Memória Viva de Queluz- 2ª parte

Sedição de Queluz – 180 anos da Batalha de Queluz  – Movimento Revolucionário de 1842

Por João Vicente

2ª Parte   –     O combate de Venda Grande

Quadro do Engenho da Lagoa, local do combate entre as tropas imperiais e os insurgentes liberais.

Na nossa série sobre a Sedição de Queluz-180 anos da Batalha de Queluz no Movimento Revolucionário de 1842, vamos destacar o “ Combate de Venda Grande”, conflito armado que teve lugar na província de São Paulo. O texto abaixo sobre esse episódio foi escrito em 2014 pelo historiador da CCLA de Campinas, Duílio Battistoni Filho, nosso convidado da 1ª Mostra Cultural realizado pelo Projeto Memória Viva de Queluz em 2011

Convite da Programação e cartaz  do Projeto Memória Viva de Queluz que contou com a presença do historiador campineiro, Duilio Battistoni em 2011.

Por Duílio Battistoni Filho – Falar da Revolução Liberal é enaltecer uma das mais belas páginas de nossa história, cujo ponto alto não se encontra na envergadura dos feitos militares, mas na bravura cívica dos que a escreveram. Desde São Paulo, de onde se irradiou para Minas Gerais, com repercussão em outras províncias, o importante episódio histórico caracterizou-se pelo idealismo e pela fidelidade de sua gente aos seus ideais políticos, considerados relevantes para o país.

 Historiador campineiro, Duilio Battistoni que na foto está sentado no centro da mesa  ao lado da sua esposa e da irmã Camila do Colegio Nazaré  no dia da exposição sobre o Combate de Venda Grande

A Revolução teve curta duração e pode parecer à primeira vista, inexpressiva. Todavia, o fato vale, ao menos, pela grandiosidade dos vultos participantes que jamais se comprometeriam levianamente, como vale também, pelo objetivo que eles nutriam, empenhados somente na conquista do melhor para o Brasil. As razões que levaram ao movimento armado são muitas. A Constituição de 1824, a primeira do Império, deu ao Brasil a condição de um Estado unitário, com forte centralização de poder; o País era dividido em províncias, sem autonomia, com presidentes nomeados pelo imperador. Após a abdicação de D.Pedro I, em 1831, delineiam-se os primeiros movimentos que irão confluir nas correntes políticas dos Partidos Conservador e Liberal, responsáveis pela estabilidade de nossa monarquia parlamentar. O Ato Adicional de 1834, ao reformar a Constituição, criou as Assembléias Legislativas Provinciais, continuando, porém, os presidentes de livre escolha do Imperador, ocasionando o descontentamento popular. Apesar das divergências, o equilíbrio político manteve-se até 1840, quando os conservadores conseguiram a aprovação da chamada “Lei de Interpretação do Ato Adicional”, praticamente anulando a descentralização conquistada. A própria criação do Conselho de Estado aumentava ainda mais o poder do Estado. Outra reação contra a “oligarquia conservadora”, segundo os liberais, foi a reforma do Código Criminal, uma medida arbitrária, pois diminuía a autonomia do júri, permitia a prisão a título de averiguação, sem culpa formada, e suprimia a inviolabilidade domiciliar. O processo de nomeação de delegados e autoridades policiais também punha todo o poder nas mãos do imperador e extinguia as conquistas liberais dos últimos anos. Não podemos esquecer que a Guarda Nacional era um instrumento eficiente da aristocracia rural e atuava como força repressiva subordinada ao comando regional. Pouco depois, com a vitória dos liberais, a Câmara dos Deputados é dissolvida, representando um autêntico Golpe de Estado. Portanto, os liberais ficaram desapontados pelas imposições conservadoras, tidas como autoritárias e anticonstitucionais.

A idéia revolucionária teria tomado conta de toda a Província de São Paulo, tendo Sorocaba apelado para o recurso das armas em 17 de maio de 1842, na defesa do superior princípio da lei maior, que permitia a livre expressão das províncias, na voz de suas Assembléias Legislativas. No Rio de Janeiro, líderes da Maçonaria e membros da “Sociedade dos Patriarcas Invisíveis”, fundada por iniciativa de José de Alencar, enviavam instruções para o movimento armado, tentando assim dividir e desorganizar as forças de repressão. Na Corte, por outro lado, gerava grande apreensão a possibilidade da ligação dos liberais paulistas e mineiros com os farroupilhas e de um possível apoio do Rio de Janeiro. O descontentamento era geral a tal ponto que os liberais, sem outra alternativa, resolveram apelar para um recurso extremo, o levante das armas. Entretanto, o seu preparo militar era bastante precário, pela má qualidade das armas, pouca munição, com muita improvisação e dispersão. Assim mesmo, o movimento alcançou, além da capital, algumas vilas, onde os liberais eram mais atuantes como Campinas, Limeira, Itu, Piracicaba e Porto Feliz. A revolta foi organizada pela oligarquia agrícola, e os pretextos foram a substituição do presidente da Província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, consagrado liberal sorocabano, e o adiamento do funcionamento das câmaras legislativas. Segundo alguns historiadores, Rafael não se entusiasmou, de início, com a idéia de insurreição por achá-la prematura, o que não quer dizer que não a tivesse vislumbrado, imaginado, idealizado. Quem mais se empenhou foi o ex-regente do império, padre e senador Diogo Antonio Feijó, então residente em Campinas. Totalmente avesso às desordens, forneceu pleno apoio a Tobias e aos revolucionários paulistas. Doente, hemiplégico, deslocou-se, mesmo assim, a Sorocaba, onde se postou ao lado do amigo e fez imprimir o jornal “O Paulista” na tipografia que conseguira de seu amigo Hércules Florence – também chamado de o inventor da fotografia – com a finalidade de estimular os ânimos sediciosos. Feijó dava assim início à imprensa no interior paulista. Amigo de Caxias, não foi preso. Apenas lamentava que a revolução não tivesse começado na capital da província.

Vale ressaltar a bela página reservada a Minas Gerais no processo revolucionário. É digno de destaque, por exemplo, a participação cívica de Teófilo Ottoni, notório liberal que se inspirara nos ideais de Thomas Jefferson e que no seu jornal “Sentinela do Serro” afirmava que “o fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais, a liberdade e a resistência à opressão”. Dentre as suas façanhas no movimento liberal foi o episódio da Ponte do Paraibuna, quando impediu e retardou as tropas imperiais que vinham do Rio de Janeiro. Devemos destacar também o heroísmo dos liberais de Conselheiro Lafayette, então Queluz, quando num primeiro momento derrotaram as tropas legalistas no Largo da Matriz de Nossa Senhora da Conceição. É claro, que no final da Revolução, os liberais foram vencidos, mas os reflexos positivos desta resistência idealista viriam pouco depois, com a instalação, pelo imperador d. Pedro II, do regime de alternância, com ministérios de todas as correntes, conservadores e liberais, tendo se destacado a figura ímpar do conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira.

A Revolução Liberal de 1842 ocorreu no mesmo ano em que a Vila de São Carlos emancipou-se à categoria de cidade, passando a chamar-se Campinas, que se destacava pela sua força política e por uma forte economia açucareira, o que explica a grande quantidade de engenhos na região. Nessa ocasião, a presidência da província era ocupada pelo conservador José da Costa Carvalho, o Barão de Monte Alegre, e a Câmara Legislativa campineira era formada só por seus correligionários, obrigando os liberais revolucionários a se acantonarem fora da cidade, onde crescia o número de participantes aptos para a luta armada. Na antiga estrada de Limeira havia um sobrado conhecido como “Engenho da Lagoa” ou “Sítio do Teodoro”, inicialmente centro de fabricação do açúcar e depois entreposto comercial de mantimentos e que acabaria sendo chamado de “Venda Grande” pela sua grandiosidade. Pois bem, neste local deu-se o combate a 7 de junho de 1842, quando as forças liberais campineiras, com apenas 400 combatentes, mal preparados, mal vestidos, mal calçados e dispersos, servindo-se de armas obsoletas como espingardas de pederneiras, chefiadas por Antonio Manoel Teixeira e o major Galvão, foram derrotadas pelas forças imperiais, melhor preparadas com armas de longo alcance como as reiúnas, tendo no comando o coronel José Vicente do Amorim Bezerra, substituindo Caxias que não veio a Campinas. O combate foi sangrento, deixando um saldo de 19 mortos, 15 prisioneiros e muitos feridos. Ao deixar o Engenho, o coronel Bezerra deixou uma tropa assalariada sob a responsabilidade do padre Ramalho, poderoso chefe político conservador que errou ao não comparecer em Campinas, dando ensejo a que seus soldados mercenários assassinassem covardemente os feridos hospitalizados, além de perseguir os revoltosos nos esconderijos próximos. Ao encontrar-se em Campinas, em 1860, o jornalista português Emílio Zaluar ouviu de um amigo o seguinte relato: “Depois de terem sido os insurgentes batidos, fuzilados, dispersados pelas forças imperiais, os soldados, para completar a vitória, foram de espáduas nuas, espingardas e baionetas, dar busca em roda do sobrado e pelo mato, a ver se encontravam algum desgraçado que tivesse escapado do seu furor”. Muitos conseguiram fugir, como foi o caso de Vitoriano de Souza Rocha que refugiou-se no sertão de Botucatu e ali fundou, em 1861, a cidade paulista de Avaré. Em Venda Grande, os mortos foram enterrados provisoriamente até que, pudesse ser dado aos seus corpos, local mais condigno. Conta-se que Joaquim Bonifácio do Amaral, Visconde de Indaiatuba, barão do café, eminente liberal campineiro, não se esqueceu dos seus ex-companheiros assassinados no local: tempos depois, voltou ao Engenho da Lagoa, abriu covas de sepultamento, recolheu seus ossos, levou-os para o cemitério a fim de que permanecessem em campo santo, segundo hábitos cristãos. Ninguém, ao que parece, ficou sepultado em Venda Grande.

Marco colocado em 1956 pelo CCLA de Campinas para lembrar o grande combate ocorrido em 07 de junho de 1842

Merece destaque especial a figura do capitão e herói de Venda Grande, Boaventura do Amaral Camargo. Natural de Itu, S.P., foi batizado em 1789. Militar consagrado, em 1812, participou nas campanhas do Sul contra os castelhanos. A pedido de Rafael Tobias de Aguiar, comandou como capitão o “Corpo Municipal de Permanentes”, origem da atual Força Pública do Estado de São Paulo. A 2 de junho de 1842, comandando uma tropa de cavalaria de setenta homens em Venda Grande, ofereceu tenaz resistência ao inimigo, pois os demais deserdaram. Isolado, o destemido revolucionário veio a tombar em lance dramático. Conforme a descrição do médico irlandês Ricardo Gumbleton Daunt: “ prenderam-no e no ato, propositalmente, feriram-no, levando-o para a casa da antiga fazenda que era o sobrado. Aí, atiraram-no na cama e na mesma noite os soldados o assassinaram a sangue frio”.

Capitão  Boaventura Soares do Amaral Camargo

No inquérito militar ocorrido no Rio de Janeiro, muitos liberais foram presos e condenados. Triste espetáculo foi assistir aos prisioneiros descendo em Santos, desfilando pela rua Santo Antonio com destino ao cais, de onde partiriam para julgamento na Corte. O líder Antonio Manoel Teixeira foi preso e exilado como os demais companheiros, entre eles, figuras ilustres como Rafael Tobias de Aguiar, o senador Nicolau de Campos Vergueiro, eminente fazendeiro de Ibicaba e responsável pela introdução da mão-de-obra livre em plena época da escravidão. Todos, mais tarde foram anistiados.

Segundo o estudo de Maria Onice Felix da Silva, a crendice popular continuou atribuindo ao local da batalha caráter de cemitério, e é justamente pelo nome de “cemitério de guerra” que os antigos moradores do lugar identificam o local, e até pouco tempo, diziam que fantasmas de soldados rodeavam aquela região e que na antiga lagoa que ali existia aparecia sempre uma luz que a iluminava. O fato é que o movimento de Venda Grande permaneceu esquecido por 114 anos, até que, em 1956 o Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, através de seu departamento de História, erigiu um marco comemorativo em granito rosa em alusão ao grande acontecimento. Em 2002 foi inaugurada no mesmo local uma lápide de concreto em homenagem aos heróis campineiros mortos. Quanto à sede do Engenho da Lagoa, desabitada desde a morte de seu último proprietário, o major Teodoro Ferraz Leite, ficou entregue a uma escrava de confiança e conhecida por todos como Mamã Caetana. O sobrado durante o confronto fora saqueado e transformado em hospital, servindo de acomodação aos feridos. No início do século XX, foi demolido e as terras foram absorvidas por proprietários vizinhos, surgindo daí, o bairro Santa Mônica.

O próprio imperador D. Pedro II diria mais tarde, na avaliação dos idos de 1842, que o decreto de 1º de maio, com a dissolução da Câmara e suas consequências, afetando a situação de São Paulo, que contava com Minas Gerais e a solidariedade do Rio Grande do Sul, fora um erro político, talvez o maior de seu reinado, aliado a gastos enormes com transportes e manutenção de tropas, chegando a cifras monstruosas para a época, num total de 600 contos de réis. A anistia para os revoltosos aconteceu em 1843, depois o retorno dos revolucionários, o luto de muitas famílias e o silêncio. Entristecido, o monarca visitou Campinas em 1846, com a finalidade de eliminar algum desconforto que ainda persistia pela adesão campineira ao movimento liberal de 1842.

Segundo o historiador Celso Maria de Mello Pupo, “Venda Grande tem sido para Campinas uma tradição estremecida; os antigos a ela se referiam com veneração, cultivando sua memória como a de um ato meritório, caro e merecedor de uma lembrança que se perpetuasse, que se transmite às gerações vindouras”.

Compreender o combate de Venda Grande, portanto, é compreender a grandiosidade dos homens campineiros, é olhar para o passado e para o presente e ver a envergadura de nossos cidadãos, sua altivez, sua visão libertária e sua ação no sentido da construção de uma sociedade livre e produtiva, sentimentos que nunca nos fizeram arrefecer diante de tantas ações retrógadas. O progresso de hoje é semente plantada por homens honrados como Rafael Tobias de Aguiar, Boaventura do Amaral e Teófilo Ottoni. O liberalismo está no coração de todos os paulistas e mineiros que, juntos, até hoje, lutam pelo engrandecimento da Pátria brasileira.

Bom, quem chegou até aqui pode perceber que o Movimento Revolucionário de 1842, foi uma revolta que mexeu com a Constituição, com o Império, com a história política do século XIX e  ainda muito pouco conhecido pela população. Na 3ª parte, vamos falar dos fatores que levaram os liberais a radicalizar e provocar esse  movimento armado nas províncias de São Paulo e Minas Gerais. Agora, quer saber mais do Combate da Venda Grande. é só ir no Youtube e digitar Combate da Venda Grande que vocês assistirão em 10 cap. uma produção da EPTV de Campinas afiliada a Rede Globo. Até próxima e se você está gostando da nossa série sobre o tema, mande um email pra gente no [email protected] e dê sua opinião.

 Foto de encerramento da palestra proferida pelo  historiador Duillio Battistoni no Colégio Nazaré sobre o Combate de Venda Grande
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